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BREVE CATECISMO


FIM PRINCIPAL DO HOMEM


Pergunta 01: Qual é o fim principal do homem?
Resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus( Rm 11.36; I Co
10.31), e gozá-lo para sempre( Sl 73.24-26; Jo 17.22,24).
Glorificação permanente.
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança para que ele, por sua
natureza, grandeza e virtudes, lhe fosse, naturalmente, perpétua glória na existência e na
adoração. Arte do grande Artista, o homem destina-se às artes, à ciência, ao pensamento,
à moral, à ética, à comunhão com o Criador e às relações interpessoais harmoniosas com
seus semelhantes. A obra prima da criação deveria, por si mesma, ser, dentro de seus
objetivos originais, sublime expressão de glória e exaltação do Pai eterno. O pecado
prejudicou desgraçadamente o homem, corrompeu-o, mas Deus lhe preservou na essência
princípios qualitativos da base original, ainda que rudimentarmente, de moralidade, de
espiritualidade, de inteligência, de sensibilidade, de racionalidade, de criatividade, de
poder regencial. Poucos seres humanos, porém, depois da queda, voltam-se para Deus. A
maioria torna-se egocêntrica, materialista, hedonista e, parte considerável, satanista. Na
massa caída e degenerada Deus introduziu o novo Adão, Jesus Cristo, de quem pode dizer
o mesmo que diria do velho Adão: "Este é meu filho amado, em quem me comprazo; a ele
ouvi"( Mt 17.5). Em Cristo, cabeça da nova humanidade, a glória está perfeita e
exuberantemente visível: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de
verdade, e vimos a sua glória, glória como a do unigênito do Pai"( Jo 1.14). O homem, em
si mesmo, apesar da queda, é glória de Deus, pois é o único ser moral, intelectivo, volitivo
e criativo. Os regenerados em Cristo Jesus, retirados da humanidade degenerada pela
eleição da livre graça divina, recuperaram a espiritualidade e se reconciliaram com Deus,
tornando-se imagens e semelhanças de Cristo, formando com ele um corpo interativo
indissolúvel e, por meio dele, restabelecidos à comunhão do Pai celeste: "Que todos sejam
um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo
creia que tu me enviaste" ( Jo 17.21 cf 17.24). O crente é, por sua natureza e vocação, um
glorificador de Deus, um santificador de seu nome. No regenerado Cristo é glorificado ( Jo
17.10). O conservo Paulo podia dizer: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em
mim"( Gl 2.20).
Glorificação por testemunho
O mundo toma conhecimento de Deus, de sua paternidade, santidade, poder,
honra, misericórdia e glória pelo testemunho existencial e missionário de seu povo. O
salvo em Cristo Jesus não deve ser, é: sal, fermento e luz: "Vós sois o sal da terra". "Vós
sois a luz do mundo", disse Jesus; e acrescentou": “Assim brilhe também a vossa luz diante
dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos
céus"( Mt 5.13.14,16). Onde o redimido é colocado como boa semente, aí florescem a
dignidade, a honestidade, a sinceridade, a bondade e a paz. O crente modifica o ambiente
em que vive ética, moral, social e espiritualmente. Enquanto o homem carnal é glória de si
mesmo, de seu ego e do mundo, o verdadeiro crente é glória de Deus; para isso foi criado,
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eleito desde a eternidade, chamado em Jesus Cristo, colocado no corpo dos redimidos,
sustentado e preservado pelo Santo Espírito da promessa. Por seu testemunho claro e forte
a mensagem se torna poderosa, convincente e transformadora. O nome de Deus é
santificado na vida de seus santos. Cristo administra os seus servos(douloi), jamais é
administrado por eles. Ao renunciar as glórias do mundo, o salvo se transforma em glória
de seu Salvador.
Gozá-lo para sempre
Imagine se você pudesse ter sua mãe, sadía, jovial, amorosa e dedicada, sempre
ao seu lado. Que a doença, a velhice e morte jamais a atingissem. Seria um gozo
ininterrupto e completo para os corações tanto do filho como da mãe. A paternidade divina,
imensuravelmente mais profunda, mais significativa e mais construtura, nunca se apartará
do regenerado. O filho estará eternamente com o seu Pai celeste numa interligação pessoal,
fraternal e gozosa para a alegria do Criador e realização da criatura. A humanidade geral,
porém, seduzida pelo maligno, afasta-se do Salvador e se entrega a si mesma e aos
caprichos da carne. Corrompem-se no pecador irregenerado os laços da fraternidade e os
vínculos de unidade; deturpa-se-lhe, e se lhe degenera o ser original. Cristo, no entanto,
restaura, no eleito, a imagem danificada pela queda, restabelece-lhe o gozo permanente
pelo consolo do Espírito, reata-lhe o elo de convergência espiritual da indissolúvel
ligação entre o Criador e a criatura, feita para ser imagem, não caricatura.
O cristão regenerado glorifica o Salvador e vive no gozo de sua paternidade e
proteção.
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BÍBLIA, MANUAL DO CRENTE
Pergunta 2: "Que regra Deus nos deu para nos dirigir na maneira de o
glorificar e gozar?"
Resposta: "A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Velho e do Novo
Testamentos, é a única regra para nos dirigir na maneira de o glorificar e gozar"( Gl 1.8,9;
Lc 16.29,31; II Tm 3.15-17).
Glorificação:
Qualquer ato de glorificação a Deus é uma liturgia, um serviço cúltico ao
Criador. O salvo glorifica o Salvador com seus dons, habilidades e talentos nas adorações
comunitárias e fora delas. Jamais um redimido se comportará como depredador ou
corruptor das ordens sociais, morais e culturais da sociedade. Cristo coloca o salvo no
mundo como boa semente, como o fermento da massa nutritiva, como luz para evitar o
triunfo das trevas, como arauto anunciador das boas novas do reino do Cordeiro. Os
verdadeiros eleitos contribuem, natural e decisivamente, para a existência e a manutenção,
ainda, de todos os bens e virtudes no seio da sociedade. Os santos de Deus, na verdade,
impedem a total depravação dos sistemas, estruturas e organizações sociais, políticas,
econômicas e culturais, embora tal papel não se lhes reconheça e nem se lhes atribua. Por
outro lado, os filhos das trevas geram, implantam e divulgam os vícios corruptores dos
indivíduos, da família e do estado. Para eles, a eliminação da moralidade, da honra, da
decência, da dignidade, da honestidade, da fidelidade e do pudor resultará na plena
liberdade, direito que entendem significar liberalidade ilimitada e permissividade sem
fronteiras. Um povo composto somente de réprobos não passaria de uma "incivilização",
de um inominável caos. Os princípios cristãos são mantidos por cristãos de princípios.
A Igreja, como corpo de Cristo, e cada um de seus membros, templos do
Espírito Santo, são frutos da obra redentora de Cristo, doutrinados e guiados na terra pelas
Escrituras Sagradas, seus normativos parâmetros de fé e de comportamento. Cada crente
sincero é uma carta viva de Jesus Cristo de tal modo que sua mente e sua consciência, pela
regeneração, harmonizam-se com a vontade de Deus na execução de suas tarefas seculares
e espirituais tanto no campo da individualidade como no da coletividade. O salvo é
imagem de seu Salvador, sua glória visível e permanente. Os ministros liderantes da
comunidade eclesial são respeitáveis e merecedores de respeito enquanto se submeterem,
sem restrições, à doutrina e à ética bíblicas. A palavra da Igreja, quando emanada das
Escrituras, tem força norteadora e poder autoritativo sobre seus membros e ação
missionária no mundo. O povo de Deus não deve impressionar-se com o multitudinismo,
característica de um evangelismo de resultados numéricos imediatos e canalizador,
supostamente, de bênçãos materiais como saúde, emprego, riquezas e facilidades
psicológicas e temporais.
Gozo:
O gozo do servo de Deus está em:
a- Submeter seus impulsos e desejos sensoriais ao imperativo controlador e
santificador da Palavra de Deus. O alimento, o lazer, o trabalho e o sexo são bênçãos
divinas para o crente e, exercitadas por este conforme as ordenanças escriturísticas,
convertem-se em atos de glorificação ao Criador e de realizações extremamente gozosas.
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b- Conviver com o Salvador, que nele habita pelo Espírito Santo, num
relacionamento íntimo e permanente. O regenerado é capaz de entrar no seu quarto, fechar
a sua porta e, em privativa e profunda comunhão, falar a sós com o seu Senhor e Pai
celeste.
c- Viver na fraternidade dos redimidos, a Igreja, como membro e cooperador,
segundo os talentos que Deus lhe deu. Na corporalidade eclesial o servo do Senhor se
realiza e coopera para realização de seus conservos.
d- Prestar culto a Deus em espírito e em verdade tanto nas adorações
comunitárias como nas domésticas. O verdadeiro crente em Jesus Cristo sente prazer
indescritível na leitura da Bíblia, nos cânticos espirituais, na oração e na comunhão
eucarística. Tal prazer, includente e disciplinador do sensório, supera, e muitíssimo,
qualquer gozo concupiscente. O corpo humano, obra do Criador, não é apenas fonte
geradora de desejos e impulsos sensoriais, mas, e principalmente, veículo de adoração. Eis
porque Paulo ordena, não apenas recomenda, que apresentemos nossos corpos em
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o nosso culto racional( Rm 12.1). O culto,
pois, é uma das realizações espirituais mais gozosas para o verdadeiro crente.
e- Vivenciar uma paz interna, dádiva de Cristo, desconhecida dos ímpios. Esta
paz constante, mesmo diante de perturbações internas e conflitos externos, de dores e
sofrimentos, de incertezas e desesperanças, nos é assegurada e mantida em nosso coração
pelo Consolador, que nos foi outorgado e habita em nós, o Espírito Santo.
f- Ser instrumento nas mãos do Criador no trabalho profissional para que,
naquilo que depender do servo, o Senhor seja bem servido no serviço ao próximo. A
consciência do dever cumprido é tranqüilidade e gozo para o real cristão.
Não nos esqueçamos que o escolhido e regenerado em Cristo é instruído e
dirigido pelas Palavra de Deus proclamada pela Igreja e aplicada pelo Espírito Santo.
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BÍBLIA, MANUAL DO CRENTE
Pergunta 3. "O que as Escrituras principalmente ensinam?"
Resposta: "As Escrituras ensinam, principalmente, o que o homem deve crer a
respeito de Deus, e o dever que Deus requer do homem"( Mq 6.8; Jo 20.31; Jo 3.16).
A Bíblia, na verdade, não sistematiza e nem dogmatiza doutrinas e
comportamentos. Ela é o registro da revelação de Deus e de sua vontade para com o
homem, por ele escolhido e chamado, de maneira assistemática mas vivencial e
experiencialmente. Deus entra na história de seu povo e nela intervém pelo poder de sua
palavra e por meio de fatos e eventos significativos de consequências duradouras e
memoráveis. O que faz na história, também realiza na vida de cada eleito. O predestinado a
quem Deus se dirige, com quem se relaciona e interage por meio do Verbo e do Espírito
mediante a liturgia do templo, dos sacrifícios, da adoração, do testemunho e do pacto está,
e estava, sujeito a erros de percurso e a falhas morais. E as Escrituras o retrata sem
retoques, mostrando a dura realidade do homem caído, pecador, diante do Santíssimo
Criador. Em matéria de fé e de moral as Escrituras são, para o cristão autêntico, a única
palavra normativa, instrutiva e diretiva. A confiabilidade da Bíblia, em termos de
revelação, reside:
a- Na autoridade soberana do Deus que nela e por ela se revela. b- Na Palavra
do Pai encarnada no Filho, alvo, objeto, centro, mentor e realizador da revelação.
c- Na obra do Espírito Santo, que esclarece as Escrituras, iluminando cada
escolhido para endendê-la, causando-lhe, por outro lado, a dinâmica da obediência e do
testemunho. Segundo Paulo, as Escrituras são suficientes, eficientes e necessárias para:
c.a- Comunicar a sabedoria da salvação pela fé em Cristo Jesus ( II Tm 3.15).
c.b- O correto ensino dos fatos revelados e do que se deve crer a respeito de
Deus e de suas obras: criadora, redentora e preservadora.
c.c- A correção e a disciplina do crente, quando este se desvia ou desobedece.
c.d- A educação na justiça de Deus, isto é, compreender que Deus é, ao mesmo
tempo, puro amor e pura justiça; nele não há injustiça e o que dele procede, mesmo as
decisões repreensivas, repressivas e punitivas, são absoluta e indiscutivelmente justas( II
Tm 3.16,17). O crente sabe, pelas Escrituras, que é servo de um Senhor extremamente
bom, mas também rigorosamente justo. Tudo, porém, para o benefício final dos eleitos.
Para o catolicismo, a autoridade última em assuntos de moral e de fé é o Papa
que, quando fala da cátedra de Pedro sobre tais matérias é infalível e inerrante, quer sua
fala se firme nas Escrituras quer esteja à margem delas ou até contra elas. O protestante
reformada tem nas Escrituras sua única regra de fé e de conduta. Ele entende que elas
expressam, por revelação e não por conclusões racionais, a vontade do Criador para a sua
criatura, do Redentor para o seus redimidos, do Senhor para os seus servos. A Palavra de
Deus que criou o universo, igualmente é criadora da Igreja, que dela vive e por ela se
orienta, proclama-a e lhe é testemunha pela unidade, pela santidade e pela adoração.
Crença e obediência
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A Palavra de Deus é sempre o instrumento do crer e do obedecer( Jo 17.14,20),
pois Bíblia é:
a- O registro da revelação do trino Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, aos seus
eleitos. Fora da eleição não há suficiente conhecimento de Deus.
b- O chamado à fé exclusiva em Deus por eleição e graça provenientes da
iniciativa divina.
c- O imperativo à obediência. A criatura caída, alienada de seu Criador, é
convocada, pela voz das Escrituras, a crer em Deus, a reconciliar-se com ele, a submeterse
à sua amorosa paternidade, a respeitar-lhe as ordenanças, a obedecer-lhe as
determinações. Crença e obediência são virtudes conjugadas e complementares. Quem não
obedece, mente ao afirmar que crê. Esclarecedoras são as afirmações de Jesus: "Qualquer
que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe"( Mc 3.35). "Quem é de Deus
ouve as palavras Deus; por isso não me dais ouvidos, porque não sois de Deus"( Jo 8.47).
A verbalização litúrgica é importante tanto quando a pregação da Palavra, mas tudo será
inócuo sem a verdadeira fé, sem a correta interpretação das Escrituras, sem a irrestrita
obediência aos mandamentos e preceitos escriturísticos, sem a unidade fraternal dos irmãos
em Cristo Jesus.
A palavra de Deus, agindo nos corações regenerados, promove-lhes a
santificação, isto é, a cada vez maior identificação do salvo com o Salvador. A Bíblia nos
leva ao necessário conhecimento de Deus e, conseqüentemente, ao entendimento de nós
mesmos: Quem somos, para que existimos e para onde vamos.
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DEUS
Pergunta 4: "O que é Deus?"
Resposta: "Deus é espírito( Jo 4.24), infinito, eterno e imutável em seu ser(Sl
90..2; Ml 3.6; Tg 1.17; I Rs 8.27; Jr 23.24; Is 40.22), sabedoria( Sl 147.5; Rm 16.27),
poder( Gn 17.1; Ap 19.6), santidade( Is 57.15; Jo 17.11; Ap 4.8), justiça( Dt 32.4),
bondade( Sl 100.5; Rm 2.4) e verdade( Ex 34.6; Sl 117.2)."
Deus é espírito. Esta declaração significa: a- Deus é imaterial, completamente
distinto de qualquer ser biológico, sem corpo físico; não se funde e nem se confunde com a
natureza. Nenhum ícone retirado da ordem natural pode representar a divindade, que
pertence a outro universo além, acima e incomparavelmente diverso do nosso. O Deus
transcendente, no entanto, se fez imanente, penetrou o material ao encarnar-se em Cristo
Jesus pelo qual ingressou objetiva e definitivamente na humanidade. Deus em Cristo
revelou-se plenamente e, embora tenha se tornado verdadeiramente homem, não deixou de
ser verdadeiramente Deus, conservando a plena e natural espiritualidade. A espiritualidade
do regenerado é procedente, por derivação, do Regenerador, fonte e origem do espiritual.
Deus é Espírito vivificante. O homem redimido é espírito vivificado. A diferença, pois,
entre a criatura e o Criador ou entre o salvo e o Salvador é imensurável. O contado entre
Deus, um ser genuinamente espiritual, e o homem, espiritualizado por criação e por
regeneração, dar-se-á sempre por iniciativa divina, que se efetiva concretamente pela
encarnação do Filho e pela palavra das Escrituras e pelo testemunho interno do Espírito
Santo.
Deus é infinito e eterno. Deus é soberanamente ilimitado em seu amor, poder,
majestade, sabedoria, santidade, justiça e verdade. Todos os seus juízos, atos e
determinações são absolutamente perfeitos. Tudo que ele é e faz depende exclusivamente
de si mesmo. É auto-existente. Não se limita ao tempo e ao espaço, pois é de natureza
eterna, vive num universo ilimitado e atemporal. Todos os demais seres, espirituais e
materiais, foram criados por ele. A eternidade, portanto, é um atributo de Deus e uma
concessão ou dádiva de seu beneplácito a anjos e homens. A nossa limitação e finitude não
nos permitem entender a infinitude de Deus. Ele, porém, não teve princípio e não terá fim,
Criador não criado. Revela-se a nós, míseros mortais, na medida da nossa finitude, segundo
a fé que nos concede e conforme a nossa necessidade. Não precisamos e não devemos
saber mais do que nos foi revelado a seu respeito no atual estágio de nosso existência.
Deus é imutável em:
a- Seu ser. Deus é absolutamente perfeito. O absoluto em perfeição não tem
como mudar nem para melhor e nem para pior. Não se pode falar de mutabilidade,
instabilidade ou variabilidade do ser divino. Também não se há de mencionar o seu
"perfeccionismo". Ele não é um artista, que luta para realizar o melhor possível, o que mais
se aproxime da realidade e da idealidade. É um ser completamente perfeito e bom; eis
porque somente cria seres e coisas perfeitas e boas. O ser de Deus não muda, pois não se
pode aperfeiçoar a perfeição absoluta. Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente. O ser
humano muda, passando por fases biológicas, psicológicas, sentimentais e mentais do
nascimento à morte. A nossa mutabilidade, temporalidade e fragilidade dificultam o nosso
entendimento de um ser imutável, perfeito, não sujeito às transformações próprios dos
seres naturais e morais.
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b- Sua sabedoria. A nossa sabedoria, sendo restrita e contingencial, pode ser
aperfeiçoada, adequada às circunstâncias, modificada por novas informações e aprofundada
por técnicas atuais e atualizantes. Deus, entretanto, é onisciente, sabe todos as coisas no
campo físico, matemático, filosófico, sociológico, psicológico, antropológico, astronáutico,
teológico e outros. Deus não é simples depositário ou arquivo de informações à semelhança
de uma enciclopédia geral; ele é a própria sabedoria, a fonte original de toda inteligência,
de toda ciência, de toda inventividade, de toda criatividade, de todas as artes. A sua
onisciência vai muito além do que nos é permitido saber por conhecimento empírico e por
revelação. A nossa mente capta o mínimo das leis, dos fatos e dos fenômenos naturais; do
insondável universo espiritual Deus nos revela apenas o suficiente à nossa redenção e
conduta.
c- Seu poder. Os homens podem ser investidos de algum tipo de poder,
exercerem alguma autoridade delegada, mas Deus é poderoso não por investidura ou por
delegação, mas por auto-afirmação e por sua próprio natureza. Poder não lhe é um título,
mas um atributo. Ele é o poder dos poderes.
d- Seus atributos morais: Santidade, justiça, bondade e verdade. Deus não
é santo por santificação, à semelhança do homem. Sua santidade é componente atributivo e
constitutivo de seu ser em grau absoluto. O mesmo se pode dizer de sua justiça. A bondade
de Deus não é passional; é expressão de seu ser, essencialmente bom. Nele não há conflito
entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto, entre o amor e o ódio. Deus é o bem na
expressão exata e final do termo. Deus é a verdade; o Diabo é a mentira. Conhecer e
receber Deus na pessoa de seu Filho, Jesus, é conhecer e receber a verdade.
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DEUS ÚNICO
Pergunta 5. “Há mais de um Deus?”
Resposta: “Há um só Deus, o Deus vivo e verdadeiro.( Dt 6.4; Jr 10.10”).
A Bíblia, no estágio final da revelação, desconhece a existência de outros
deuses, a não ser a Trindade, união absolutamente, igualitária e consensual em essência,
natureza e objetivos do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Israel, inicialmente, e a Igreja,
posteriormente, não se apropriaram do conhecimento de Deus por via racional, por
instintos místicos ou por necessidade psicológica de sublimação do ser e eternização da
existência. O Deus das Escrituras revelou-se a si mesmo, deu-se a conhecer, primeiramente
a uma nação limitada racial, geográfica e culturalmente, os judeus; depois, em Cristo Jesus,
o Filho, humanizou-se, universalizou-se, mostrou-se a todas as raças, viabilizando-lhe a
adoração em todos os lugares, por qualquer indivíduo de qualquer etnia. O Deus dos
cristãos, encarnado em Cristo, único, universal e onisciente, Senhor e Salvador, habita a
Igreja e tabernacula com e em cada regenerado. O cristianismo, como fazia o judaísmo,
repudia o politeísmo com sua consequente polilatria por meio de ícones físicos ou
imaginários.
Não se deve confundir o monoteísmo israelita com o de alguns povos, que
adoravam um suposto “deus supremo”, chefe de um panteon composto de inumeráveis
divindades subalternas e auxiliares. Houve uma monolatria egípcia no tempo de
Akhenaten( XVII dinastia),caracterizada pela adoração do “deus único”, Aten, disco solar,
ou “Tehen-Aten”, raio solar. Embora não lhe fosse permitida a feitura de imagens, o
monoteísmo egípcio não passava de monolatria. Era apenas a exclusividade idolátrica de
uma divindade material, um culto monolátrico grosseiro. A monolatria de Akhenaten, na
verdade, não ia além de um jogo político de manipulação de massas populares, pois a
centralização do culto no único deus da preferência palaciana, facilitava o controle político
dos vários seguimentos sociais. A fé exclusiva no deus oficial e nacional promovia a
unidade administrativa da coroa e transferia a obediência devida à divindade para o faraó.
A distância que separava a adoração de um deus nacional à prestada ao próprio rei era
curtíssima, e frequentemente acontecia, quer por ordem natural quer por imposição
palaciana.
O monoteísmo de Israel jamais foi iconolâtrico, pois se mantinha na esfera
espiritual sem nenhum vínculo panteístico ou animístico. Por outro lado, como já
dissemos, o Deus dos judeus lhe foi revelado. E a revelação independia do misticismo
popular ou do credismo erudito. Muitas vezes Deus agiu reveladoramente contra a vontade
do povo e até mesmo com a sistemática oposição dos religiosos. Monoteísmo, sim;
monolatria de um deus único por meio de símbolos visíveis e imagens representativas,
nunca. Por outro lado, Javé não é chefe ou cabeça de um panteon de semideuses, embora
tenha a seu serviço um séquito de anjos; isto, porém, não significa henoteismo, pois os
seres angélicos foram por ele criados, e lhe são submissos servos, especialmente no
ministério da comunicação. As Escrituras, pois, sustentam, sem reservas e concessões, a
existência de uma única divindade operante nos céus e na terra, autora, regedora e
mantenedora da criação, redentora dos eleitos e auto-reveladora em Cristo Jesus. O Pai, o
Filho e o Espírito Santo são um só Deus. Não há entre as pessoas trinitárias contrastes,
conflitos ou diferenças ideológicas, pois são absolutamente coiguais, consensuais em
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santidade, poder, soberania, justiça, bondade, amor e sabedoria. Há três pessoas distintas na
divindade, mas não há três deuses. Há um só Deus, trino, onisciente, onipotente,
onipresente, Criador, Salvador, Mantenedor e Redentor.
Deus vivo e verdadeiro
A Bíblia nega peremptoriamente a existência real de qualquer divindade além,
acima ou abaixo de Javé tanto na ordem natural (baixo na terra) como na espiritual superior
( cima, nos céus), na espiritual inferior ( nas águas debaixo da terra). Destes respectivos
universos( cósmico, espiritual superior e espiritual inferior) o homem estava, e ainda está,
retirando imagens de deuses imaginários e, portanto, falsos. Contra tais idolatrias,
iconificadas ou não, o Deus verdadeiro e vivo se levanta veementemente, porque adorar
outro deus, que não seja o verdadeiramente real, atuante na criação, no governo do
universo, na história da humanidade e na redenção, não passa de adultério espiritual, uma
afronta ao Deus vivo e verdadeiro. Os ídolos são inúteis, despidos de qualquer vitalidade,
produtos da criação humana( Ex 20.4; Dt 4. 15-24; 13.1-5; Is 40.18-20; 44.9-20; Sl 115.1-
8).
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SOBRE A TRINDADE
Pergunta 6. “Quantas pessoas há na Divindade?”
Resposta: “Há três pessoas na divindade: O Pai, o Filho e o Espírito Santo, e
estas três pessoas são um Deus, da mesma substância, iguais em poder e glória( Mt
3.16,17; 28.19; II Co 13.13).”
Unidade trinitária.
A Trindade expressa-se na confissão da Igreja pelo Credo dos Apóstolos( Sínodo
de Milão, 390), onde se afirma objetiva e enfaticamente a crença trina nos seguintes
termos: “Creio em Deus Pai, Todo Poderoso, Criador do céu e da terra. Creio em Jesus
Cristo seu único Filho, nosso Senhor”. “Creio no Espírito Santo”. Diga-se, para dúvida
não ficar, que o povo de Deus em Cristo Jesus não é e nem pode ser triteista, não crê em
um panteon de três divindades com ministérios, poderes e atribuições independentes,
unidas apenas por convenção social ou por afinidades espirituais. Os eleitos redimidos
crêem num Deus único, de pessoas distintas em sua individualidade mas coiguais,
consubstanciais, absolutamente consensuais em majestade, potestade, santidade,
eternidade, afinidade, essencialidade e glória. Entre o Pai, o Filho e o Espírito não há e
nem haverá conflito de espécie alguma. A Trindade, e não uma pessoa divina
individualmente, agiu, age e agirá na criação, na redenção, na providência e na
consumação. O amor e a comunhão que Deus exige dos homens vive-os perfeita e
profundamente na inter-relação solidária e igualitária do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Deus, portanto, não é auto-suficiente de maneira solitária e egoísta, amando-se a
si mesmo e fazendo tudo para a própria glória, majestade individual e beatificação
pessoal. A perfeição das pessoas trinitárias permite uma comunhão santíssima,
harmônica e irrestrita entre elas, eliminando a possibilidade de contradições e de
divergências, e isto em caráter absoluta e eterno, pois Deus é imutável exatamente por
ser irretocavelmente perfeito. Nele não há nem sombra de variação.
Bases bíblica e histórica.
A palavra “trindade” não se encontra nas Escrituras; foi usada por Tertuliano no
final do segundo século da era cristã. O designativo pertence à Igreja, adotado no
Concílio de Nicéia, em 325 d.C., mas a doutrina trinitária, sem dúvida alguma, é bíblica.
Vemo-la, embora insipientemente, já no Velho Testamento. Na criação, percebem-se a
presença do Pai, a ordenar; do Verbo Criador(Jesus Cristo),a Palavra produtivamente
eficaz; do Espírito de Deus, pairando sobre as águas primevas, certamente como
vitalizador da criação( Gn 1.1-3). O Deus que dá origem a todas as coisas, no primeiro
capítulo de Gênesis, chama-se “Helohim”, plural de “Heloah”. Pode ser um plural de
majestade, mas nada nos impede, exegeticamente, de crer tratar-se de uma referência
implícita à Trindade, quando comparado com a pluralização do verbo fazer no versículo
26 do mesmo capítulo: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança”. Entendemos, por outro lado, que a personificação da Sabedoria ( Pv 8.22-
36; Jo 28.23-27) refere-se a Jesus Cristo, o revelador do Pai e instrumento da
onisciência de Deus. Ninguém pode negar, honestamente, a presença do Espírito Santo,
eficientemente atuante, implícito ou explicitamente, em todos os eventos e
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pronunciamentos revelacionais vetotestamentários( verifique, por exemplo, Ex 31.3;
Nm 11.25; Jz 3.10; Is 11.2; 42.1;61.1; Jl 2.28 cf Jl 2.28; Is 32.15; Ez 36. 236,27).
Calvino entendia que o Anjo de Javé, em textos como Gn 16.7; 24.7; 48.16 cf I Rs 19.5;
II Rs 19.35; II Sm 24.16, é designação da Segunda Pessoa trinitária, Jesus Cristo, por ter
atributos divinos e aceitar a adoração, que somente a Deus se admitia em Israel.
No Novo Testamento a Trindade se revela claramente: Na encarnação( Lc 1.35).
No batismo de Jesus( Lc 3.21,22). Na ordenação batismal( Mt 28.19). No Pentecostes(
At 2.32,33). Na Bênção Apostólica( II Co 13.13). Os quatro evangelhos mostram a
indissolúvel interdependência operativa das pessoas trinitárias; do Pai, que está no Filho
cheio do Espírito, e do Filho que envia, comissiona, o Parácleto pelo qual sua presença
se efetiva na Igreja. A nossa confissão de fé, a de Westminster, diz que o Filho é
eternamente gerado do Pai, e que o Espírito é eternamente procedente do Pai e do Filho.
Cristo e o Espírito não são “modos de ser” do Pai, são pessoas distintas.
Também não se há de afirmar, como alguns fazem na teoria ou na prática, uma
hierarquia trinitária. Primeira, Segunda e Terceira pessoas não se referem a uma ordem
social de dignidades, pois todas são absolutamente iguais, mas à cronologia da revelação
e aos ministérios didaticamente atribuídos ao Pai como Criador, ao Filho como Salvador
e ao Espírito Santo como Consolador e Santificador da Igreja. Nenhuma obra divina, no
entanto, se realizou e se realiza sem o concurso das três pessoas da Trindade.
BREVE CATECISMO
Pergunta 7. “Que são os decretos de Deus?”
Resposta. “Os decretos de Deus são o seu eterno propósito, segundo o conselho
da sua vontade, pelo qual, para a sua própria glória, ele preordenou tudo o que
acontece”( Ef 1.11; At 4.27,28; Sl 33.11; Ef 2.10; Rm 9.22,23; 11.33).
ETERNO PROPÓSITO.
Propósito, segundo Aurélio, é algo que se pretende fazer ou conseguir, intenção,
intento, projeto.” “Propósito de Deus”, em linguagem teológica, porém, não significa
“pretensão” abstrata ou “intenção” puramente mental, pois “planejamento” e
“execução” em Deus correlacionam-se e se interligam. O pensamento, a palavra e o ato
divinos são absolutamente perfeitos, causais e conseqüenciais ao mesmo tempo; e tudo
em decorrência da irretocável perfeição e do caráter eterno da sapiência do Criador. O
homem, ser evolutivo que, por meio de informações culturais e pesquisas pessoais pode
adquirir novos conhecimentos e, neles baseado, conceber, planejar, inventar ou criar
novas coisas. Estamos, por natureza e por desiderato divino, na rota da história:
Conhecemos a trecho caminhado; desconhecemos o que vem a seguir, mas a ordem é
marchar. Em Deus, no entanto, não há antecedente e conseqüente, conhecido e ignorado,
previsto e imprevisto, possível e impossível, realizável e irrealizável. A cognição e a
volição na mente do Criador existem sem conflitos e sem qualquer barreira. A
concepção efetiva-se, e perfeitamente, na realização, pois “os propósitos de Deus são
imutáveis, perfeitos, completos e eternos.” Tudo que existe e o que vier a existir,
tanto no campo material como no espiritual, esteve e está nos irrecriáveis e
imodificáveis planos de Deus, pois no e para o Criador não há acaso e nem imprevisto.
O DECRETO DE DEUS
“Decreto”, melhor do que “decretos”. Embora seja comum o uso do plural, o
correto é utilizar o singular, pois Deus, sendo absoluto e imutável em sua sabedoria, não
age por meio de decisões sucessivas, conforme as supostas necessidades emergenciais
ou circunstanciais. Todos os projetos já implementados e todos os que ainda se
realizarão na ordem natural e na espiritual estão na mente de Deus de maneira coesa,
unificada, correlacionada, interligada e harmônica. Tal planejamento conjuntural,
perfeito, eterno e universal, denominamos “decreto”.
A doutrina do “decreto” emergiu do conceito de realeza divina. Deus é Rei
soberano. Nele e por ele o legislativo, o executivo e o judiciário, no plano cósmico,
imanente e transcendente, realizam-se perfeita e satisfatoriamente. Ele não é apenas um
executor de leis, princípios, normas e ordens; é Criador do universo físico, da vida, do
espírito, das leis morais e sociais, do plano de redenção. O governo e a manutenção de
todas as coisas estão intransferivelmente em suas mãos. Seu poder é indisputável. E ele
não criou leis para si mesmo, pois não precisa do controle externo de regras e normas,
nem de parâmetros morais, sociais e administrativos, pois sua perfeição, onisciência,
onipotência, onividência são absolutas. As obras do Criador, Rei e Redentor operam-se
exclusivamente segundo o “conselho de sua inquestionável vontade”( Ef 1.11; At 2.23;
4.28; Hb 6.17). O que o Rei fez, está feito; o que o Rei falou, está falado. A nós, míseras
criaturas, competem-nos: Aceitação, acatamento, enquadramento, obediência,
submissão, respeito gozo e glorificação.
BREVE CATECISMO
NATUREZA DO DECRETO
Pelo que ficou dito, o “decreto” divino é:
a- Uno. A criação natural, temporal e espiritual são um decreto singular e eterno
do Soberano Rei. Não, pois, decretos seriados e sucessivos do Criador. b- Procede da
onisciência divina. Deus conhece absolutamente todas as coisas, as causas e os
fenômenos, os antecedentes e os conseqüentes de todos os atos. Em seus planos não há
imprevistos nem acasos. c- Obra extrínseca. O decreto divino tem efeito externo, pois
emerge de decisão criadora de um Deus perfeito, consciente, soberano e imutável. O
decreto, portanto, causou a criação do imanente, do transcendente e da criatura,
especialmente a do homem. O ser de Deus, porém, é incriado, eternamente existente e
santíssimo. Ele, pois, não decretou seus atributos incomunicáveis( eternidade,
imutabilidade, onisciência, onipresença, onipotência), nem a triunidade do Pai sem
paternidade, do Filho eternamente gerado, do Espírito eternamente procedente do Pai e
do Filho. A criação não emanou do Criador. A sua natureza não se transferiu por
emanação à ordem criada. O existente, procedente do nada, é ato criador de Deus,
conforme o exclusivo conselho de sua vontade e segundo os seus inescrutáveis
propósitos.
BREVE CATECISMO
EXECUÇÃO DO DECRETO
Pergunta 8. “Como Deus executa os seus decretos?”
Resposta: “Deus executa os seus decretos nas obras da criação e da
providência.”( Ap 4.11; Ef 1.11).
EXECUTADO NA CRIAÇÃO
A doutrina credal: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, Criador do céu e da terra”
anuncia-nos três princípios consistentes de fé, embasadores da autêntica confissão
cristã:
a- A crença num Deus Criador pessoal, inteligente, volitivo, cognitivo, acima e além da
criação, que não se funde no cosmos e com ele não se confunde. A criação, pois, não é a
identidade de Deus; ele não se identifica com ela ou nela se incorpora. O mundo físico,
sem dúvida, é a manifestação visível de seu poder, majestade e glória. Não há lugar, no
verdadeiro cristianismo, para o panteísmo cuja doutrina podemos sintetizar na frase:
“Tudo é Deus, pois Deus é tudo”; e muito menos para o panenteismo, que admite a
“evolução sapiencial de Deus.” Segundo essa corrente teológica, o conhecimento de
Deus cresce com o crescimento do universo; mas “conhecer” para Deus é incorporar em
si mesmo o objeto conhecido. Desta maneira, a identidade divina, própria, eterna,
abstrata e essencial, dizem os panenteistas, existe na e pela realidade temporal concreta
na qual se expressa e com a qual se identifica, pois a criatura é assimilada pelo Criador
e o assimila. Deus, para o cristão reformado, é Criador de todas as coisas a partir do
nada, e deve ser adorado em espírito, jamais por meio de ícones da natureza.
b- A crença num Deus onipotente, dominador das forças naturais e das potências
espirituais, autor de todas as leis físicas, químicas e biológicas do universo; o único que
pode suspendê-las ou alterá-las temporária ou definitivamente por meio de
procedimento divinamente normal, a que chamamos “milagre.” Os nossos finitos olhos
enxergam, geralmente, o universo e a humanidade num estado caótico e descontrolável.
Isto porque a finitude em si é parcial, não podendo captar a globalidade e a
essencialidade do conjunto universal da criação e das civilizações. Cremos, no entanto,
que tudo está sob o governo e controle de Deus e em absoluta ordem.
c- Cremos na criação geral do universo e na criação especial do homem como
descritas em Gênesis: “No princípio criou Deus os céus e a terra.” “E fez Deus os dois
grandes luzeiros: O maior para governar o dia, e o menor para governar a noite; e fez
também as estrelas.” “Assim, pois, foram acabados os céus e a terra, e todo o seu
exército”( Gn 1.1; 1.16; 2.1). “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem,
conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves
dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os repteis que
rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o
criou, homem e mulher os criou”(Gn 1.26,27). “Então formou o Senhor Deus ao homem
do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma
vivente”(Gn 2.7). O universo físico e biológico foi criado pela imperativa e construtiva
Palavra de Deus. O homem, porém, ser especialíssima(Sl 8.4-8), é obra da ação direta,
manual, do Criador. O propósito original e final era: O homem, por sua magnitude,
dignidade e espiritualidade refletisse, como imagem, o seu Criador. Este objetivo foi
BREVE CATECISMO
prejudicado pela queda, mas restaurado em Jesus Cristo, o Filho do Homem, Deus
conosco.
EXECUTADO NA PROVIDÊNCIA
O decreto de Deus tem duas dimensões distintas mas conexas: A da criação e a
da providência. Providência significa que a criação está sob o domínio diretor, protetor e
amparador de Deus. O Criador governa a criação e as criaturas, não importando a
dimensão física de cada uma. Ao homem, um ser da terra(adamah), delegou poderes
governamentais, regencias, descobridores, inventivos, criativos e artísticos. Nada, pois,
acontece por acaso. Tudo que o homem é, faz e inventa procede da sapiente autoridade
divina por ordenação ou por permissão. Pela providência o Criador continua criando
tanto pela dinâmica vital da natureza como pela inteligência inquiridora e pesquisadora
de sua imagem, embora distorcida, do ser humano.
O mesmo decreto que trouxe à existência o sol, trouxe também o átomo e a
molécula, fez aparecer a humanidade, e permite a emergência dos fenômenos naturais,
históricos e sociais.
BREVE CATECISMO
A OBRA DA CRIAÇÃO
Pergunta 9. “Qual é a obra da criação?”
Resposta: “A obra da criação é aquela pela qual Deus fez todas as coisas do nada,
pela palavra do seu poder, no espaço de seus dias, e tudo muito bem”(Gn 1.1-31; Hb 11.3;
Ap 4.11 cf Is 40.26,28; 42.5; 45.18; Jr 10.12-16; Am 4.13; Sl 33.6-9; 90.2; 102.25; Jó 38;
Ne 9.6; Jo 1.1-3; Hb 1.2; Ap 10.6).
Criação Revelada
Não se mistura e não se contrasta a doutrina da criação com as teorias científicas das
origens. A ciência astronômica representa os legítimos esforços humanos concentrados no
propósito de desvendamento dos mistérios do universo: origem, existência, composição,
organização, leis e destino. O homem é inquiridor e pesquisador por natureza. Milita para
conquistar a natureza e tenta desvendar a procedência e a existência da criação, os segredos
do desconhecido, do ignorado, do inexplicável. Deus nas Escrituras, nossa regra de fé,
revela-se a nós como:
a- Criador de todas as coisas(visíveis e invisíveis, inanimadas e animadas, materiais
e espirituais);
b- Regente e mantenedor da ordem criada desde a micro à macroestrutura; c- Rei da
humanidade, por ele organizada em etnias, civilizações, culturas e nações;
d- Salvador de todos os eleitos em Cristo Jesus. A criação por ordenação divina,
segundo a Palavra de Deus, é matéria de fé: “Pela fé entendemos que foi o universo
formado pela Palavra de Deus, de maneira que o visível veio à existência das coisas que
não aparecem”( Hb 11.3).
Creatio ex Nihilo
Os evolucionistas firmam-se no pressuposto da anterioridade da matéria tanto na
forma concentrada como na expandida, transformada em energia. Eles negam Deus,
rejeitam seu poder criador, não aceitam a sua eternidade, mas admitem, pelo menos até
agora, a preexistência de uma base material de que o universo se formou, distribuiu-se e se
organizou. A Bíblia, por outro lado, nos afirma que o Criador do nada, do inexistente, criou
a matéria, o universo físico, com sua complicadíssima estrutura atômica e fez vir à
existência todos os organismos vivos simples e complexos. Crer na preexistência da matéria
é fé materialista; crer na preexistência, na onipotência e na onisciência de Deus é fé no
Criador eterno.
O Deus Criador
A Bíblia nos ensina que a criação(tanto quanto a redenção) é obra do Deus trino: Do
Pai( Gn 1.1; Is 44.24; 45.12; Sl 33.6), do Filho( Jo 1.1-3, 10; Cl 1.16), tudo com a
participação do Espírito Santo( Gn 1.2; Jó 26.13). A perfeição do cosmos, as leis naturais
da física, da química, da biologia, a magnitude do universo, a hidrografia, a geologia, a
fauna e a flora são obras reveladoras do extraordinário poder, da incomparável inteligência
e da inigualável sensibilidade artística do onipotente e onisciente Criador. A criação,
certamente, não é o caminho para se chegar ao Criador, mas este, revelado pelas Escrituras,
encarnado em Jesus Cristo e presente em nós, seus escolhidos, pelo Espírito Santo, faz-nos
BREVE CATECISMO
enxergar a natureza como arte divina e o homem como imagem e semelhança daquele que o
criou, obra prima do Artista supremo.
O tempo da criação
As Escrituras dizem que o universo, a natureza terrena( flora e fauna) e o homem
foram criados em sete dias. O texto catecismal indica o período de uma semana,
acompanhando, certamente, o quarto mandamento( Ex 20.8-11). Não há motivos para
rejeitarmos tal afirmação. Se, porém, são períodos ou eras criacionais, em nada se altera a
doutrina da criação, pois sabemos e sustentamos que: a- Deus é Criador de todas as coisas.
b- A criação teve um início e terá um fim determinado, um dia de começo e outro de
término. c- Deus criou o universo físico, a natureza e o homem escalonadamente em seis
tarefas ou espaços diários, não importando que sejam dias semanais, criacionais ou eras.
A Criação do Homem
Do nada Deus criou a matéria. Da matéria fez, pelo poder de sua palavra, surgirem
as plantas e os animais: “Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais
do campo, e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem para ver como este os
chamaria...”( Gn 2.19 cf Gn 1.11,12, 20-25). O homem, porém, procede das mãos de seu
Criador como escultura nobre, incomparavelmente artística, vitalizada e espiritualizada pelo
hálito( Ruach) divino: “Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe
soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”( Gn 2.7). O
homem, portanto, obra do ilimitado e augusto Artista, trouxe, originariamente, a imagem,
os sinais, as qualidades, os atributos comunicáveis, as virtudes, a racionalidade, a
sensibilidade, a moralidade, a espiritualidade, a criatividade, a inventividade, a capacidade
gerencial, a herança regencial e a força de comando procedentes do Criador. O pecado
desqualificou-o consideravelmente, deslocou a sua fé do Criador para a criatura, centralizou
a sua confiança e a sua esperança nos seres humanos, instalou em seu coração uma incrível
propensão para o mal. A sua restauração, porém, em se tratando dos eleitos, tem sido
efetivada e se consumará em Cristo Jesus, “quando o atual corpo corruptível se revestir de
incorruptibilidade e o que é mortal se revestir de imortalidade”( I Co 15.53). Apesar do
pecado, a nobreza e a grandeza do homem são evidentemente inegáveis.
BREVE CATECISMO
CRIAÇÃO DO HOMEM
Pergunta 10. “Como Deus criou o homem?”
Resposta: “Deus criou o homem macho e fêmea, conforme a sua própria imagem(
Gn 1.27), em conhecimento, retidão e santidade( Cl 3.10; Ef 4.24), com domínio sobre as
criaturas”( Gn 1.28).
O Par Humano
O par humano, conforme a vontade divina e a ordem natural, constitui-se de
“macho e fêmea”, isto é, homem e mulher. A unidade conjugal, base da família segundo o
coração de Deus, é formada de esposo e esposa( Gn 2.21-24). E este princípio
matrimonial estabelecido na criação é inequivocamente reafirmado por Jesus Cristo:
“Desde o princípio da criação Deus os fez homem e mulher. Por isso deixará o homem a
seu pai e mãe [ unir-se-á à sua mulher] e, com sua mulher, serão os dois uma só carne. De
modo que já não são dois, mas uma só carne”( Mc 10.6,7). As Escrituras consideram
aberração, corrupção e torpeza os propalados “casamentos homossexuais”, acontecidos e
defendidos em nome da liberdade, do direito das “minorias discriminadas”, do amor sem
fronteiras, da realização sexual de pessoas do mesmo sexo. Os homossexuais a si mesmos
se Incluem no grupo dos “discriminados”: negros e judeus, confundindo “discriminação
racial” com “julgamento moral” sobre os que se desviam sexualmente e se corrompem.
Eis os termos bíblicos veementemente condenatórios do homossexualismo: “Com
homem não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação”( Lv 18.22). “Se também
um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticam coisa
abominável”( Lv 20.13). “Por causa disso Deus os entregou a paixões infames; porque
até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro
contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da
mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens
com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro”( Rm 1.26,27).
“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem
impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados (malakós=pederasta passivo),
nem sodomitas( arsenokóites- homossexuais), nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados,
nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus( I Co 6.9,10). A família é
uma instituição divina; o homossexualismo é depravação, abominação ao Senhor. Marido
e mulher completam-se na indissolúvel unidade conjugal. O sexo, não se nega, é
importante na organização e na manutenção do casal, mas não essencial, pois os objetivos
originais do Criador foram: o companheirismo, a idoneidade compatilhada, a mutualidade
consensual: “Não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja
idônea”( Gn 2.18). Conforme as Escrituras, a união homossexual é perversão pecaminosa,
abominável.
Sublimidade do Homem
Deus criou o homem extraordinariamente sublime, coroado de glória e honra( Sl
8.5), dotado de autoridade para governar e poder para dominar( Gn.1.26-28; Sl 8.6-8).
Destaquemos-lhe as principais qualidades:
BREVE CATECISMO
a- Identidade com o Criador. O homem é o único ser vivente feito à imagem e
semelhança de Deus, em condições de viver na companhia de seu Pai celeste e ser-lhe
parceiro como filho, servo e mordomo. E isto se realiza na pessoa do Filho do Homem
em quem estamos e quem a nossa humanidade sublima-se, aperfeiçoa-se e se eterniza,
pois ele, como ser humano e corporalmente, está entronizado à destra do onipotente Pai.
b- Racionalidade. O homem é o único ser vivo que supera e domina o impulso
instintivo da satisfação dos desejos, da perpetuação e preservação da espécie, da
sobrevivência pessoal, das relações e interrelações, das adaptações às novas
circunstâncias, do controle dos meios naturais, da aquisição de conhecimentos, da
produção e captação de informações, das descobertas e das invenões. Em suma, ele é um
ser inteligente intelectual e intelectualizante por natureza e por ordenação divina.
c- Moralidade. O homem foi dotado de capacidade para distinguir o certo e o
errado, o decente e o indecente, o bem e o mal morais, o lícito e o ilícito nas relações
com o próximo e com os semelhantes, estabelecendo recompensas sociais e prêmios para
as ações benéficas e justas e sanções para as maléficas e injustas, criando um código
natural de princípios e direitos consuetudinários nas sociedades primitivas, e isto muito
antes das modernas leis impostas por indivíduos ou poderes superiores.
d- Espiritualidade. A religiosidade, proveniente de sua espiritualidade original e
fundamental, é uma das maiores características do ser humano. Ele recebeu de seu
Criador e Senhor os inefáveis dons de: crer em um ser superior e transcendente; receber a
revelação; dialogar com seu Criador, Senhor e Mestre por meio do mistério da oração; ser
regenerado; santificar-se; tornar-se servo de Deus pela mediação de Cristo; congregar-se
em comunidade litúrtica, a Igreja; transformar-se em missionário do Redentor. A
incredulidade, para quem foi criado à imagem e semelhança de Deus, é anormalidade.
BREVE CATECISMO
OBRAS DA PROVIDÊNCIA
Pergunta 11. “Quais são as obras da providência de Deus?”
Resposta: “As obras da providência de Deus são a sua maneira muito santa( Sl
145.17), sábia( Sl 104.24) e poderosa de preservar( Hb 1.3) e governar todas as suas
criaturas, e todas as ações delas”( Mt 10.29,30; Sl 103.19; Jó 38-41).
CRIAÇÃO BOA E BENIGNA
“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”. No campo estritamente
biofísico não há malignidade. Os seres que vivem de vegetais( folhas, sementes e fibras
lenhosas); os que vivem de outros seres vivos; os que se alimentam de seres mortos e de
matéria orgânica decomposta ou em processo de decomposição não o fazem movidos
por impulsos malévolos, mas simplesmente por necessidade de manutenção e
preservação individual e da espécie. Tanto as plantas como os animais carnívoros, os
macros e os microorgânicos, são bons por natureza; não matam por ódio, por vingança,
por inveja. Não são criminosos passionais, delinqüentes periculosos ou belicosos
conscientes: agem conforme a lei natural da sobrevivência e segundo a ordem da
criação. Uns são dotados de físico e de armas adequados à caça; outros são equipados
com mecanismos de fuga, de camuflagem, de defesa e de contra-ataque como, por
exemplo, espinhos, urticárias, venenos, colonialismo, carapaças, chifres, percepção
aguda de perigos, vigilância, velocidade na fuga. Para cada instrumento natural de
ataque há, do outro lado, o correspondente mecanismo de defesa. Isso dificulta a caça e,
em conseqüência, preserva o equilíbrio ecológico no ambiente não alterado pelo
homem. Além do mais, Deus organizou a flora e a fauna de tal maneira que os maiores
consumidores reproduzem-se menos que os menores e mais consumidos. Então, na
cadeia alimentar vegetal e animal, as imensas árvores, os grandes quadrúpedes e os
poderosos predadores reproduzem-se menos que as gramíneas, as forragens, os arbustos,
as raízes, os bulbos, os tubérculos, os pequenos mamíferos, os répteis, as aves e os
insetos. O mesmo acontece na biofísica aquática. Desta maneira, e na ordem natural, o
provimento alimentar se mantém para todos os seres vivos. A sequóia e o jequitibá
exigem quantidades enormes de nutrientes, mas a reprodução é muito menor que o da
vegetação rasteira, responsável pela camada orgânica, o humos do solo. Os elefantes,
grandes consumidores de vegetais, e os leões, poderosos carnívoras, são fracos em poder
reprodutor. Deus, pelo prato geral da natureza, alimenta as árvores frondosas e os lírios
do campo; sustenta os gigantes paquidermes e os enormes felinos tanto quanto nutre os
colibris, os pardais e os ínfimos insetos. Deus fez todos os seres, mantém-nos e deles
cuida com extremado zelo e incomparável eficácia. Na ordem natural não há crueldade,
perversão, brutalidade, ganância desenfreada; há preservação e perpetuação das espécies
pelo recurso da alimentação, da defesa, da fuga, do disfarce, da reprodução e da
adaptação ao meio ambiente. Tudo que Deus criou é muito bom, bem dirigido e
corretamente preservado. Por exemplo: O impulso gregário e associativo do búfalo,
responsável pela preservação da colônia, assim como as táticas de caça dos leões,
capazes de isolar um deles e capturá-lo, são instintos dotados pelo Criador, que
permitem a existência do felino e a permanência da manada desses bois selvagens. A
BREVE CATECISMO
obra da criação é maravilhosa, providencialmente alimentada e preservada, quando em
seu estado natural, sem a interferência do homem.
MORTE, PROVIDÊNCIA NATURAL
Todos os organismos vivos, vegetais e animais, precisam morrer para: a- serem
reincorporados à terra de onde procederam e para a qual se destinam. b- Manterem a
camada fértil do solo, rica em microrganismos, indispensável à sobrevivência de todos
os seres vivos atuais, emergentes e por emergirem. c- Darem lugar aos novos seres em
sucessivas gerações cada vez mais adaptadas às circunstâncias ambientais, mais
resistentes, portanto, aos novos desafios. O nascimento e a morte dos seres são
providenciais para a manutenção do equilíbrio ecológico entre as espécies vivas. A
putrefação e a decomposição dos mortos não são, no fundo, coisas nojentas ou
execráveis, mas a preparação do cardápio para os vegetais, e estes, fontes alimentícias,
pelo sistema de “self service”, para todos os animais superiores e inferiores.
Sobre o homem falaremos a seguir.
BREVE CATECISMO
A PROVIDÊNCIA E O HOMEM
Pergunta 12. “Que ato especial de providência Deus exerceu para com o
homem, no estado em que ele foi criado?”
Resposta: “Quando Deus criou o homem, fez com ele um pacto de vida, com a
condição de perfeita obediência( Gn 2.16,16; Rm 5.12-14; 10.5; Lc 10.25-28), proibindolhe
comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, sob pena de morte”( Gn 2.17).
Homem, ser responsável. O homem foi criado por Deus, feito à semelhança de seu
Criador intelectual, racional, moral e espiritualmente, capacitado ao domínio da natureza
e à liderança sobre todos os seres vivos. Eis o homem como Deus o criou, pleno de
dignidade e de responsabilidade, segundo as Escrituras: “Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre
as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra”( Gn 1.16). “E Deus os
abençoou( homem e mulher) e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e
sujeitai-a”( Gn 1. 28). “Que é o homem, que dele te lembres? e o filho do homem, que o
visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus, e de glória e de honra o
coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste:
ovelhas e bois, todos, e também os animais do campo; as aves do céu e os peixes do mar,
e tudo o que percorre as sendas dos mares”( Sl 8.4-8 cf Hb 2.6-8). Um homem com tantos
poderes, virtudes e privilégios precisava ter, e dele foi requerido, o contrapeso da
responsabilidade, da fidelidade e da submissão ao seu Criador e Senhor de quem foi
constituído mordomo e administrador sobre a ordem natural terrena. Entre Deus e seu
representante, “Imago Dei”, não havia intermediação. O contado era direto e o diálogo,
pessoal.
O Pacto de Vida
A vida eterna é a existência na comunhão com Deus, sob sua guarda, direção e
bênção. A eternização do homem sem Deus transforma-se em inferno, isto é, sem paz,
sem gozo, sem esperança. O que qualifica a vida humana é o “estar em Cristo”, fato
gerador da fraternidade cristã, a Igreja, de pequena parte militante na terra e de grande
multidão triunfante no céu, sem quebra de unidade. A morte não liquida para sempre o
corpo do regenerado, não mata o seu espírito, não elimina a Igreja do Cordeiro e nem lhe
interrompe a união fraternal em Cristo. A vida eterna concedida ao primeiro casal, Adão e
Eva, sofreu a corrupção do pecado, as conseqüências da queda, mas foi mantida por Deus
no remanescente fiel, mediante sua graça inefável, durante toda a dolorosa história da
redenção até a sua consumação no segundo Adão, Jesus Cristo. Paulo chega afirmar que
Adão foi a base natural do corpo espiritual, realizado e efetivado permanentemente em e
por Jesus Cristo, o Adão da nova humanidade: “Pois assim está escrito: O primeiro
homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. Mas
não é primeiro o espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O primeiro homem,
formado da terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o
terreno, tais são também os demais homens terrenos; e como é o homem celestial, tais
também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos
trazer também a imagem do celestial”( I Co 15.45-49).
BREVE CATECISMO
O pacto de vida eterna firmado por Deus com o primeiro homem com base na
obediência, na fidelidade, na consagração e no respeito foi conturbado pela queda,
trazendo dores, sofrimentos e incredulidade inomináveis à humanidade, mas a promessa
do Criador de que nasceria um filho de Eva, Redentor, para esmagar a cabeça da serpente,
vencendo o mal e o maligno, permaneceu viva até a vinda do Messias em quem tudo se
consumou; ele é o Homem fiel, sem pecado, no qual o prazer do Pai se realiza, e nele e
por meio dele criou-se nova humanidade, a dos redimidos. Todos os salvos em Cristo são
propiciados perante o Pai e por ele aceitos. A nossa humanidade consubstanciada em
Cristo está no céu, corporalmente, à destra do Pai, à espera de todos os eleitos ressurretos
e incorruptíveis. O pecado alienou o primeiro homem, mas não interrompeu a fidelidade
do Criador e nem impediu que sua graça nos reconquistasse em Cristo Jesus e com ele
nos reconciliasse. O pacto de vida foi preservado pela providência e efetivado pela
redenção. O decreto providencial para com o homem é especialíssimo, pois ele é muito
especial para o Criador, tanto que o próprio Deus se humanizou em seu Filho, de quem
somos imagens, e habita conosco.
Conclusão: A providência específica do Criador para com sua criatura, o homem,
é o pacto de vida eterna, agora reafirmado definitivamente em Cristo Jesus.
BREVE CATECISMO
A QUEDA
Pergunta 13. “Nossos primeiros pais conservaram-se no estado em que
foram criados?”
Resposta: “Nossos primeiros pais, sendo deixados à liberdade da sua própria
vontade, caíram do estado em que foram criados, pecando contra Deus”( Gn 3.6-8,13; II
Co 11.3).
Homem, Essencialmente bom. Deus criou o homem essencialmente bom e lhe
deu o privilégio de continuar assim e manter, no jardim entregue ao seu governo, o bem,
a benignidade e a harmonia. A liberdade de viver e praticar a bondade em todas as suas
dimensões e conseqüências mantinha entre ele e o seu Criador real semelhança de
personalidade e de caráter e estabelecia paralelismo qualitativo das ações humanas com
as divinas. Nossos primeiros pais, conforme os relatos escriturísticos, eram a encarnação
do bem a serviço de um Criador moral e espiritualmente perfeito, imutável e
incorruptível.
Para Israel, o conhecimento era prático, existencial e experiencial. Conhecer o
bem, portanto, era ser bom e estar, por natureza e dever intrínsecos, a serviço da bondade
tanto no campo geral da criação como na área pessoal das relações com Deus e com os
semelhantes. O mal, pelo pecado, passou a fazer parte do conhecimento do homem, isto é,
incorporou-se ao seu ser de maneira inseparável, competindo com o bem, pervertendo as
intenções, corrompendo os atos, e isto de maneira tão dramática que levou o inigualável
apóstolo dos gentios a declarar: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de
agir, pois não faço o que prefiro, e, sim, o que detesto. Ora, se faço o que não quero,
consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que
habita em mim, porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem
nenhum: pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o
bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já
não sou eu quem o faz, e, sim, o pecado que habita em mim. Então, ao querer fazer o
bem, encontro a lei de que o mal reside em mim”( Rm 7.15-22). O pecado fez o mal
penetrar a fonte do bem, mudando completamente a essência do homem original, então
perfeita imagem de Deus. O homem, no atual estado, é concebido e nascido em pecado.
Assim entendia Davi, inspirado por Deus: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me
concebeu minha mãe”( Sl 51.5).
A Liberdade de Escolha
Poderíamos imaginar que Deus fez o homem fragilizado e deixado à mercê do
tentador, não aparecendo e nem intervindo no momento da tentação. Tal argumento não
leva em conta a palavra divina expressa e manifesta no pacto e no seu símbolo externo( a
árvore) diante do qual os pactuados foram colocados e se encontravam. Eva, segundo o
relato, procurou vencer a tentação, citando os termos pactuais, mas os abandonou,
preferindo a versão “conveniente”, e, por isso, “convincente” do maligno. Não foi Deus
que escolheu o mal para o homem. Ele é que, por sua livre opção, preferiu seguir o
tentador a permanecer fiel ao Criador e à ordenança pactual. Quebrado o pacto, o homem,
além de totalmente alienado de Deus, ficou tristemente inabilitado para, por si mesmo,
reconquistar o que perdeu, em termos espirituais de relacionamento e comunhão com
Deus; recuperar-se dos estragos da queda; vencer o pecado, que agora habita o seu ser;
BREVE CATECISMO
reconciliar-se com o seu Pai celeste. Deus então se lhe revela como Salvador providente,
estabelecendo a promessa de redenção, que viria, e veio, com o Filho do homem, fiel e
obediente até à morte, e morte de cruz, Jesus Cristo, o segundo Adão. Este, na recriação
do homem, teve a mesma liberdade de escolha do primeiro Adão; foi ainda mais tentado
do que ele, fez-se pecado por nós sem se tornar pecador, sentiu-se frágil, desamparado
pelo Pai( Mt 27.46), abandonado pelos discípulos, renegado pelos homens. Com todo o
peso de sofrimentos físicos e morais, com toda a carga de padecimentos espirituais, o
Filho do Homem venceu as poderosíssimas tentações, triunfou sobre o mal e o maligno,
manteve intacta a fidelidade ao Pai, conservou sua dignidade, não transferiu nenhuma
culpa aos seus semelhantes. A vontade do Pai, na militância terrestre, norteou sua vida,
regulou seu comportamento, deu conteúdo às suas mensagens. Encontra-se agora exaltado
à destra de Deus, esperando e recebendo a cada um de seus redimidos, intercedendo pelos
que ainda peregrinam, esperando a ressurreição dos eleitos, quando se tornarão corporal e
espiritualmente incorruptíveis.
BREVE CATECISMO
O PECADO
Pergunta 14. “O que é pecado?
Resposta: “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus ou qualquer
transgressão desta lei”( I Jo 3.4; Tg 4.17; Rm 3.23).
Definição de pecado
A doutrinação basilar contida na resposta acima define o pecado como:
a- Pecado de ação. Transgressão da lei de Deus. Prova bíblica: “Todo aquele que
pratica o pecado, também transgride a lei; porque o pecado é transgressão da lei”( I Jo 3.4).
b- Pecado de omissão. Não praticar o bem quando se sabe e quando se pode.
Testemunho escriturístico: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem, e não o faz,
nisso está pecando”( Tg 4.17). Deixar, conscientemente, de realizar o que é correto, justo e
santo, quando se tem oportunidade e possibilidade de fazê-lo, é pecado por omissão.
Além das definições do Breve Catecismo, podemos explicar o pecado de outras
maneiras. Eis algumas delas:
a- Perder o caminho, errar o alvo, fracassar moral e espiritualmente, desviar-se. É o
caso do filho mais novo na parábola do filho pródigo( Lc 15.11-32). Ao declínio moral, e
como conseqüência, segue-se-lhe o fracasso espiritual. Somente a conversão pode restaurarlhe
à condição de filho e reconciliá-lo com o pai ofendido e menosprezado. A sua condição
retrata a de todos os seres humanos, “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”(Rm
3.23).
b- O desamor a Deus e ao próximo.
Jesus, o sapientíssimo Mestre, resumiu todos os mandamentos decalogais em
apenas dois: 1- “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de
todo o teu entendimento”. 2- “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”( Mt 22.37,39).
Portanto, quem não ama a Deus com amor superlativo, exclusivo e incondicional, não
expressando tal amor em adoração, em submissão e em serviço, e não ama o seu próximo
como a si mesmo se ama, com o objetivo maior de dignificá-lo, honrá-lo, ajudá-lo e
confraternizar-se com ele, certamente está pecando pela quebra de toda a lei. O amor se
expressa concretamente nas atitudes e nas práticas. O verdadeiro ágape, como Deus o
requer, vai além, muito além da verbosidade romântica, das alocuções laudatórias de
liturgias elaboradas, do misticismo carismático eivado de ludinismo e hedonismo, de
personalismo e materialismo. Vejam o que nos diz Paulo: “Ainda que eu fale as línguas dos
homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como bronze que soa ou como o címbalo que
retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a
ciência; ainda que eu tenha tamanha fé a ponto de transportar montes, se não tiver amor,
nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que
entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me
aproveitará”( I Co 13.1-3). O amor, pois, é o dom dos dons, o cerne da vida cristã, o meio
essencial de submissão a Deus, o único elo real de ligação com o próximo.
c- Incredulidade
O Novo Testamento afirma categoricamente que a redenção depende da fé
salvadora, um dom especialíssimo que o Salvador concede aos seus eleitos. Os que crêem
em Cristo estão salvos. Os incrédulos permanecem perdidos: “Quem nele crê não é julgado;
o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”( Jo
BREVE CATECISMO
3.18 cf 3.15-18, 36; 5.24; 6.40,47; 11.25,26; Mc 16.16; Lc 8.50; At 4.32; 10.43; 13.39;
16.31; Rm 1.16; 9.33; 10.10,11). A justificação, pois, segundo os escritos
neotestamentários, é realizada por Deus em Cristo Jesus no escolhido mediante o dom da
fé: “Visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho de fé em fé, como está escrito: O
justo viverá por fé”( Rm 1.17 cf Hc 2.4; Mc 5.34; 10.52; At 15.9; 26.18; Rm 3.28; 5.1 I Co
15.17; Gl 2.16; 2.20; Ef 2.8; I Pe 15. E em Hebreus 11.6 lemos: “De fato, sem fé é
impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus
creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam”. A incredulidade, pois, é
a forma mais contundente de pecado, o mais radical desvio da criatura de seu Criador. O
incrédulo, sendo um contumaz opositor de Deus, já está condenado. No polo oposto
encontra-se a fé em Jesus Cristo, único meio de justificação e de eternização do homem. A
fé redentora, porém, é prudente que se enfatize, provém da misericórdia de Deus e atinge o
pecador completamente inabilitado para salvar-se. O pecado da incredulidade é involução
espiritual, entronização e materialização do ego, idolatrização do senso religioso natural,
provocando o desvio da adoração ao Criador para a da criatura, a radical sensorialização do
ser humano, a eliminação ou perversão da espiritualidade.
Deus, pelo dom da fé aos seus escolhidos em Cristo, não elimina o pecado original,
mas impede seu pleno afloramento mais perverso, a incredulidade, pelo controle e inibição
de sua fatuidade e readmissão do pecador à família de Cristo como filho redimido.
BREVE CATECISMO
A QUEDA- FRUTO PROIBIDO
Pergunta 15. “Qual foi o pecado pelo qual nossos primeiros pais caíram do
estado em que foram criados?”
Resposta: “O pecado pelo qual nossos primeiros pais caíram do estado em que
foram criados foi o comerem do fruto proibido”( Gn 3.1-6).
O PROIBIDO E O PERMITIDO
O homem, em todos os tempos, viveu no mundo de permissões e proibições, de
recompensas e castigos, e isto em todas os aspectos, setores ou vetores da existência: a
biológica, a psicológica, a moral, a social e a espiritual. No campo biológico: é permitido
deglutir um pomo alimentício; é proibido ingerir produto venenoso. Recompensa da
permissão: alimentação e prazer. Castigo da proibição: envenenamento, tristeza e dor.
Sempre que nos submetemos ao “permitido”, somos recompensados. Toda vez que
praticamos o “proibido”, sofremos o castigo correspondente. A fé, dom de Deus, é uma
permissão espiritual ao ser humano. A incredulidade, negação da fé, é uma proibição. Ao
crente o Salvador lhe concede a graça da salvação e da vida eterna; ao incrédulo, o castigo
da perdição: “Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não
crê no nome do unigênito Filho de Deus”( Jo 3.18 cf Mc 16.16). O homem, imagem e
semelhança do Criador, ser racional e espiritual, por sua natureza tanto quanto pela lógica
e pelo bom senso, deveria limitar-se a fazer e a cumprir exclusivamente o “permitido”,
usufruindo as agradáveis conseqüências de seus atos e comportamentos conforme os
princípios morais, sociais, psicológicos e espirituais criados e requeridos por Deus. A
criatura, porém, contrariando a ordem natural de sua existência, objetivos, propósitos e
fins, a de servir ao seu Criador e Senhor em obediência, consagração e adoração, optou
pelo “proibido”, trazendo sobre si e sobre a humanidade que representava e encarnava, a
punição prevista na desobediência: a morte, que significa alienação do Pai celeste e perda
da vida eterna.
Havia, no ambiente existencial do homem, noventa e nove por cento de
permissão; apenas um por cento de proibição. Portanto, as oportunidades de realização do
bem e do exercício da obediência eram consideravelmente maiores; e ainda com o
atenuante da ausência da nefasta influência do pecado no centro das emoções e da
racionalidade humanas. Com todas as vantagens a favor da fidelidade, os primeiros pais
foram infiéis, preferindo o risco e as incertezas do proibido à bênção da obediência, do
respeito, da submissão ao Criador. O “fruto proibido”, seja de que espécie for, é apenas
meio instrumental, símbolo pactual; o que está no centro do objetivo divino é o
mandamento proibitivo; este, sim, foi o teste da fidelidade e da obediência do homem.
O TENTADO, SUPERIOR AO TENTADOR.
A serpente, um ser criado: “Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais
selváticos que o Senhor Deus tinha feito...”. Duas coisas devemos induzir da lógica e da
narrativa:
01- A criatura é sempre menor que o seu criador. Jamais se deve imaginar um
deus do mal concorrente com o do bem. Lúcifer é um anjo criado e, como tal, inferior ao
seu Criador em decorrência da criação e inferiorizado ainda mais pela queda, e com o
BREVE CATECISMO
agravante da sentença ao fogo do juízo eterno. Ele, embora depravado, condenado e
alienado, continua sob o absoluto domínio de Deus.
02- A serpente, animal sob o governo do homem. Ela, símbolo da tentação e
também do tentador, foi um animal criado por Deus e colocado fora da domesticidade(
um ser selvático) do homem, governador geral, imagem e semelhança de Deus, superior,
e muito, a todos os seres criados, inclusive os anjos( Sl 8.5), e com autoridade real sobre
as vidas inferiores( Gn 1.26-28 cf Sl 8.6-8). É incrível, como o homem se rebaixou,
dando ouvidos a um ser inferior, entregue ao seu comando governamental. Os instintos
baixos, de onde procedem as tentações, têm derrubado muita gente, até pessoas que
viviam em comunhão com Deus. Sempre que se olha para o chão, onde rasteja a serpente,
esquece-se dos céus, onde, durante o dia, brilha o sol e, durante a noite, cintilam as
estrelas.
OBJETIVOS DA TENTAÇÃO
O tentador visou dois alvos centrais e essenciais da vida humana: o espiritual e o
sensorial.
O alvo espiritual: a- Colocar em dúvida a sinceridade do Criador. b- Deturpar a
Palavra de Deus, negando a veracidade da promessa e a severidade do castigo prometido.
O sensorial: a- Colocar o sensorial acima do espiritual, indicado como fim último
da existência. b- Gerar no coração do ser humano o orgulho, o espírito de grandeza e o
egocentrismo, levando-o a divinizar-se, esquecendo-se de sua condição de criatura.
Cristo veio recuperar a espiritualidade do homem para que o espiritual governo o
sensorial.
BREVE CATECISMO
EM ADÃO TODOS PECARAM
Pergunta 16. “Todo o gênero humano caiu na primeira transgressão de
Adão?”
Resposta: “Visto que o pacto foi feito com Adão, não só para ele, mas também
para a sua posteridade( At 17.26), todo o gênero humano, que dele procede por geração
ordinária, pecou nele e caiu com ele( negrito nosso) na sua primeira transgressão”( Gn
2.17; Rm 5. 12- 20; I Co 15. 21, 22).
NOSSA FONTE ORIGINAL
O primeiro casal é a fonte original da humanidade inteira, hoje dividida em
numerosas raças com variações consideráveis de portes, tipos, peles, línguas e culturas.
As mudanças biofísicas, sociológicas e psicológicas dos seres humanos acontecerem,
setorialmente, por fatores adquiridos em decorrência da necessidade de adaptação a cada
meio ambiente onde grupos ou tribos se estabeleceram, fixaram-se, multiplicaram-se,
fortaleceram-se, aculturaram-se, criaram símbolos e signos comunicativos específicos. Os
acidentes geográficos e climáticos e os meios culturais contribuíram para a relativa
unificação de seres humanos afins e para a diversificação entre grupos distintos e
separados geograficamente. Porém, na essência, o homem é o mesmo em qualquer parte
do mundo e de qualquer etnia: racional, inteligente, conhecedor do bem e do mal,
responsável, pecador, perfeitamente consciente de sua mortalidade, por um lado, e de sua
espiritualidade, por outro, mesmo que tal consciência de espiritualidade se manifeste
erradamente em idolatrias “cristãs” ou em iconolatrias panteístas inconseqüentes. Somos
agora o que foram nossos ancestrais depois do rompimento do pacto: pecadores alienados
de Deus, mas conservando vestígios importantíssimos de nosso estado anterior à queda,
quando gozávamos perfeita comunhão com o Criador na plenitude de nosso ser, quando
éramos verdadeiras imagens de quem nos criou, sem as perdas decorrentes do pecado, que
se instalou em nós, incorporando-se à nossa natureza. Somos pecadores por origem(
pecado original) porque descendemos de pais pecadores com os quais nos identificamos.
E exatamente porque temos o pecado inserido em nosso ser, submetendo-nos à condição
de pecadores natos, é que praticamos, consciente ou inconscientemente, ações
pecaminosas. De árvore má não se esperam frutos bons.
Pelo nome de Adão se chamou o primeiro par humano de sexos opostos( Gn 1. 27;
5.1,2). Ao criar e unir um homem e uma mulher Deus criara a própria humanidade. No
corpo de ambos estavam em potencial, geneticamente falando, todos os seres humanos
que, por ordenação divina, haveriam de nascer. Portanto, a responsabilidade de nossos
ancestrais não era apenas pessoal e individual, mas, e acima de tudo, coletiva. A
humanidade sintetizava-se neles. A quebra do pacto com Deus pela desobediência foi, na
verdade, a causa original da queda de todos os seres humanos, não somente porque esta se
resumia no casal unificado e solidário, mas, e principalmente, porque nele os
descendentes fizeram-se representar. Adão não pecou por nós; pecamos nele. Estávamos
nele no momento da queda; com ele caímos e nele permanecemos até a chegada do novo
Adão, Jesus Cristo. No começo, a humanidade era singular e estava em UM homem que,
ao cair, caiu com ele, e desastrosamente. Na verdade, Adão não nos derrubou, não
BREVE CATECISMO
transferiu para nós, supostamente inocentes, o ônus de sua culpa; tombamos,
solidariamente, com a raça inteira; somos co-participantes do rompimento do pacto;
assumimos a corresponsabilidade da queda e a responsabilidade dos nossos pecados
atuais. O genitor de todos as criaturas humanas não era ingênuo antes do transgressão e,
muito menos, depois dela. Inocentes também não são os seus descendentes, pois quem é
capaz de distinguir o bem e o mal e separá-los moral e eticamente não se lhe atribuirá
inocência.
SOLIDARIEDADE NO PECADO E NA GRAÇA
Paulo, sem dúvida, é o teólogo da solidariedade. Segundo ele, somos solidários
com Adão no pecado e com Cristo na graça. O pecado existente em nós não dependeu de
nós. Nascemos pecadores( Sl 51.5). Por outro lado, a graça não é conquista humana, é
dom de Deus( Ef 2.8, 9), a nós outorgada, quando nos encontrávamos mortos em nossos
delitos e pecados( Ef 2.1-5). A perdição é conseqüência da solidariedade com o primeiro
homem. A redenção decorre da união solidária com o Redentor. Assim como estivemos
em Adão, estamos em Cristo Jesus. A regeneração nos foi possível porque Deus, pela sua
misericórdia, nos inseriu em seu Filho amado, o segundo Adão( I Co 15.21,22).
Sobre a ancestralidade da velha e da nova humanidade, respectivamente Adão e
Jesus Cristo, leia Romanos 5.12- 20. Em Adão fomos condenados à morte. Em Cristo
Jesus morremos e ressuscitamos para a vida eterna( Rm 6.5- 8). Como Adão é tipo,
protótipo e raiz da descendência degenerada, Cristo é, e mais intensa, concreta e
realisticamente, do regenerado, o novo homem.
BREVE CATECISMO
CONSEQÜÊNCIAS DA QUEDA
Pergunta 17. “A que estado a queda reduziu o gênero humano?”
Resposta: “A queda reduziu o gênero humano a um estado de pecado e miséria”(
Rm 5.12; Gl 3.10).
O HOMEM EM ESTADO DE CONTRADIÇÃO
O homem, em decorrência da queda, passou do estado de espiritualidade e
santidade ao de materialidade e carnalidade. Estabeleceu-se nele e fora dele o
contraditório, um conflito entre a ordem e a desordem, o bem e o mal, o material e o
espiritual. Sobre tal situação humana, seguiremos o raciocínio de Lessley Newbigin(*):
Contradição com o mundo natural. O homem, como parte da natureza, enfrenta a
contingência da ordem natural: A vida vive de vidas. O ser humano, como outros animais,
é predador por necessidade biológica. Mata para viver e luta para não morrer. Sua
relação com o meio ambiente tem sido muito conflituosa, pois a terra se tornou maldita
por sua causa( Gn 3.17).
Contradição com o seu próximo. O pecado introduziu no primeiro casal o conflito,
a transferência de culpa. Adão entendeu que os responsáveis pela sua desobediência eram:
Deus, em primeiro lugar, e, em segundo, sua mulher. Ele mesmo se julgava isento de
culpa( Gn 3.12). A autodefesa, o amor-próprio, a autojustificação prejudicam o
reconhecimento da culpa pessoal e impedem o arrependimento. O pecado introduziu
também o conflito entre irmãos. Por inveja, Caim assassinou Abel( Gn 4. 8). Quanto mais
a sociedade avança culturalmente, mais acentuados vão ficando os conflitos conjugais,
fraternais e sociais.
Contradição íntima. Em Adão as conseqüências do pecado foram imediatas:
percebeu a sua nudez, sentiu o peso de seu delito, teve medo, escondeu-se de Deus( Gn
3.7, 8). Caída nas pessoas ancestrais, a humanidade carrega as marcas da queda. O
homem enfrenta o seu próprio “ego”, que tem manias de realeza; opõe-se à submissão, à
humildade, ao reconhecimento do pecado, à confissão sincera, à concessão de espaço ao
próximo. O lema do “ego” é: exaltação, sempre; humilhação, jamais. Eis porque Paulo
podia dizer: “O bem que prefiro não faço, mas o mal que não quero, esse faço”( Rm
7.19). Vencer o “eu” é só para os verdadeiramente heróis.
Contradição com Deus. A conseqüência maior, mais profunda e mais grave do
pecado é o rompimento da criatura com o seu Criador. A queda levou o homem a
esconder-se de Deus, a fugir de seu Pai( Gn 3. 8-10), cortando as raízes de sua essência,
as bases de seu ser, a causa de seu equilíbrio e de sua harmonia interna com o seu “ego” e
externa com a criação da qual era, e ainda continua sendo, apesar do pecado, a principal
obra do Criador; criado com dupla dimensão: a natural e a espiritual, ambas,
anteriormente, perfeitíssimas, boníssimas, mas agora seriamente danificadas. Sinais
consideráveis da arte original perduram no homem. Cristo, o seu restaurador, recupera-o
perfeita e integralmente pelos mistérios da ressurreição.
O Criador, não querendo que o homem, “imago Dei”, se perpetuasse deformado e
mortal, com perigosas pretensões à divinização, expulsou-o de seu convívio( Gn 3.22-24).
Antes, porém, de lançá-lo à própria sorte e ao relacionamento com a maligno, conforme
BREVE CATECISMO
as suas preferências, garantiu-lhe a promessa de um novo pacto por meio de um
descendente poderoso e fiel, que esmagaria a cabeça da serpente. Assim, a esperança foi
colocada no coração do homem alienado, alimentando em sua alma a possibilidade de
reconciliação; o que veio, efetivamente, acontecer em Cristo Jesus( Rm 5.10,11; II Co
5.18,19).
O pecado lançou o homem num estado miserável de alienação espiritual, de
absoluta inabilidade para, eliminando o mal interno e externo, retornar à condição
anterior pela restauração do pacto, recuperação da fidelidade interrompida, reconquista da
paternidade divina. Na situação de depravado e incapaz, decorrente do desligamento da
fonte de sua essência e verdadeira natureza, e conseqüente ligação com o mal por meio do
maligno, o homem se encontrou, sem auto-reversibilidade, num estado de desarmonia,
como já se disse, com ele mesmo, com a natureza, com a sociedade e com Deus.
Ressumo: Total incapacidade pessoal de retorno à comunhão com Deus. No Éden, o seu
“eu” ligava-se, livre, natural e essencialmente, ao “tu” divino. Era teocêntrico. Agora,
voltado para si mesmo, tornou-se, desgraçadamente, egocêntrico e até, em numerosos
casos, egolátrico. A busca do divino apoio paternal continua, mas inadequada e
desorientada em virtude da inacessibilidade ao verdadeiro Deus por intermédio de
recursos próprios e vontade humana. Resultado: encontra somente ídolos materiais,
psicológicos ou imaginariamente espirituais. O estado de pecaminosidade do homem
irregenerado é calamitoso( Rm 1.18-27).
(*) Newbigin, Lessley: Pecado e Salvação. Tradução de Wesley Werner do Original: “Sin and Salvation”.
Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo, S.P., 1963.
BREVE CATECISMO
PECADO ORIGINAL E ATUAL
Pergunta 18. “Em que consiste a pecaminosidade do estado em que o homem
caiu?”
Resposta: A pecaminosidade do estado em que o homem caiu consiste na culpa
do primeiro pecado de Adão( Rm 5.12,19; I Co 15. 22), na falta de retidão original e na
corrupção de toda a sua natureza, o que ordinariamente se chama pecado original( Rm 5.
6; Ef 2.1-3; Rm 8.7, 8; Gn 6.5; Rm 3.10-20; Sl 51.5; Sl 58.3), justamente com todas as
transgressões atuais que procedem desse estado”( Tg 1.14,15; Mt 15. 19).
PECADO ORIGINAL
Antes de o pecado entrar no reino humano, havia entrado no angélico pela sedição
de um grupo de anjos sob a influência de Lúcifer( Ap 12.9 cf Jd 6; II Pe 2.5; Lc 10.18). O
casal primevo foi tentado por um anjo caído que, por sua rebeldia, tornou-se maligno,
acusador dos justos e arquiinimigo de Deus. A raiz do pecado não está exatamente na
“concupiscência dos olhos”, como pensam alguns, mas na “soberba da vida”. O tentador
colocou no coração do primeiro casal, inicialmente a dúvida sobre a honestidade, a
sinceridade e a fidelidade de Deus no trato com o homem; depois incutiu-lhe na mente o
sentimento de grandeza, de auto-suficiência, de senhorio absoluto sobre todas as coisas,
levando-o a pensar que, quebrados os limites do pacto, se igualaria a Deus. Quis ser o que
não devia e não podia, pois homem, criatura, e Deus militam em esferas diferentes, são
qualitativamente desproporcionais, essencialmente desiguais. Deus é absoluto em seu ser,
atributos e virtudes. O homem, limitado e mortal, deve contentar-se com a sua condição
de “semelhante” privilegiado( Is 55.8, 9), nada além disso.
Origem do Pecado. A transgressão de Adão, nosso primeiro pai, colocou-nos no
estado de pecaminosidade. Nascemos pecadores. O pecado reside potencialmente em
cada recém-nascido: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”( Sl
51.5). O pecado não é uma herança de pai para filho, é um estado no qual Deus colocou a
humanidade inteira rebelada e espiritualmente alienada. Hoje, somos numerosos, mas
todo o gênero humano resumia-se apenas em duas pessoas; e estas pecaram, trazendo
sobre si mesmas e sobre os seus pósteros o castigo previsto na quebra do pacto. Tornamonos,
por natureza, pecadores, filhos da ira, sentenciados à morte e à perdição eterna. O
pecado não é uma herança individual, é uma transgressão da raça humana. Não sou
pecador porque o meu pai é pecador. Sou pecador porque pertenço a uma humanidade
pecadora.
Pecado atual. O pecado original é a fonte de origem dos pecados atuais. Não nos
tornamos, somos pecadores. Nossa condição pecaminosa não elimina a nossa
responsabilidade individual pelos atos transgressores da lei de Deus, pela incredulidade e
pela omissão dos deveres para com nosso Senhor. Eis porque Davi, ao mesmo tempo em
que afirmava: “Nasci na iniquidade”, “o pecado está sempre diante de mim”, também
dizia: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos, de
maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar”( Sl 51.5, 3, 4 cf Rm
3.10-19; Ef 2. 2, 3; Mt 15.19). O fato de pertencermos a uma humanidade pecadora,
portando a sua carga negativa de intrínseca e irremovível pecaminosidade, não justifica
nossos erros pessoais, não nos inocenta dos delitos, não nos autoriza à prática do mal. A
BREVE CATECISMO
Confissão de Fé de Westminster ensina-nos: “Todo pecado, tanto original como atual,
sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrário, torna culpado o pecador( I Jo 3.
4; Rm 3.9- 19), em sua própria natureza, e por essa culpa está sujeito à ira de Deus( Ef 2.
3) e à maldição da lei( Gl 3. 10) e, portanto, sujeito à morte( Rm 6.23), com todas as
misérias espirituais, temporais e eternas”( Ef 4.18; Rm 1.21-28; Mt 25.41; II Ts 1. 9).
O pecado é sempre contra Deus( Sl 51.4 cf Lc 15.21; Rm 1. 32; 2.12- 14;4. 15; 8.
6-8; Tg 2.9; I Jo 3. 4; 8.6-8). Dentro deste universo conceitual, a melhor definição de
pecado, portanto, é a de I João 3.4: “O pecado é a transgressão da lei”. A lei de Deus não
se restringe aos termos decalogais; abrange qualquer desobediência a uma determinação
da vontade divina. Adão quebrou a lei de seu Criador, praticando o que lhe havia sido
proibido. Por outro lado, a omissão pode transformar-se em agressiva transgressão de
imperativos divinos para os seus eleitos. A neutralidade no amor a Deus e no socorro ao
próximo são imperdoáveis. O bem que não se expressa é como a boa semente que,
plantada, não nasce. Tiago tinha razão ao dizer: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer
o bem e não o faz, nisso está pecando”( Tg 4.17).
BREVE CATECISMO
DEPLORABILIDADE DO HOMEM ( Depravação total)
Pergunta 19. “Qual é a miséria do estado em que o homem caiu?”
Resposta: “Todo o gênero humano, pela sua queda, perdeu a comunhão com Deus(
Gn 3.8,24), está debaixo de sua ira e maldição( Ef 2.3), e assim ficou sujeito a todas as
misérias nesta vida, à própria morte e às penas do inferno, para sempre”( Rm 6.23).
CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA.
a- Perda de comunhão com Deus
O estado miserável a que o homem se lançou, em decorrência da queda, resulta,
conforme afirma o catecismo, em perda de comunhão com Deus. Imaginemos um filho
desobediente, desrespeitoso, agressivo com seus pais. Não podendo suportá-lo, expulsaramno
de casa. Ele que, no estado anterior, tinha proteção, carinho (que não reconheceu e nem
retribuiu), cama, comida, roupa lavada, medicação, quando necessário, o lazer que a família
podia proporcionar-lhe. Tudo isso, mas entendia que as obrigações e os deveres normais de
uma comunidade familiar bem como os limites decorrentes de sua educação moral, social,
cultural, profissional e espiritual impunham restrições inaceitáveis aos seus direitos, à sua
liberdade e à autogestão de sua vida. Agora, porém, entregue a si mesmo. Despreparado
para enfrentar os desafios próprios da existência, desabrigado e abandonado, sofrendo a
oposição da sociedade, entregue aos vícios e à depravação moral, submeteu-se, para não
perecer, ao domínio espoliador de um “pai de rua”, que o escraviza e lhe retira qualquer
possibilidade de retorno ao lar paterno. Abandonou um pai justo e bom para ser escravo de
um cruel destruidor. Rebelado pelos “seus direitos”, perdeu-os completamente e ainda
assumiu deveres iníquos impostos pelo seu dominador. Assim, com mais agravantes,
aconteceu ao ser humano expulso da comunhão com o seu Pai celeste.
b- A ira e a maldição de Deus.
b.1- A ira de Deus. A ira de Deus não se compara com a ira humana, pois Deus é
impecável, imutável, amor absoluto e imaculado. Na verdade, a ira de Deus é a expressão
de sua justiça, o estado natural de quem é absolutamente justo e perfeito, não suportando,
sem reação julgadora, a injustiça, a corrupção, a infidelidade, a malignidade. O homem,
pervertido, perverso e perversor, portanto, está sob a constante ira divina( Ef 2.3; Rm 9.22)
e dela se escapa exclusivamente em Jesus Cristo, o Filho em quem se cumpriu a justiça do
Pai em nosso lugar(Rm 5.9,10; I Ts 1.9,10).
b.2- A Maldição de Deus. A maldição divina é o julgamento, em forma de castigo e
penalidade, do pecador. A própria terra se tornou maldita por causa do homem rebelado
contra o seu Criador e Senhor(Gn 3. 17, 18). Contristador não é somente o prisioneiro
condenado, mas o cárcere onde cumpre sua pena. O ambiente assimila a horribilidade da
condenação e a situação do condenado. A terra, que deveria ser agradabilíssima, jardim dos
prazeres, tornou-se extremamente hostil ao homem, causando-lhe sofrimentos inomináveis.
O contrário de maldição é bênção. Maldito é todo aquele que permanece debaixo da
maldição de Deus. Bendito é o que vive sob sua bênção. A bem-aventurança da bênção se
fez possível porque a maldição divina, que pesava sobre nós, foi eliminada por Cristo Jesus:
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldito em nosso lugar,
porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”( Gl 3.13). A lei é
bênção para o obediente e maldição para o transgressor. Todos a transgrediram; logo, todos
ficaram sob sua maldição. A obediência de Cristo em nosso lugar livra-nos da maldição da
BREVE CATECISMO
lei, isto é, da nossa responsabilidade humana de cumpri-la. Ao quebrarmos a lei, portanto,
ferimos, não os seus preceitos, mas a Jesus Cristo, nosso Redentor. E ele nos perdoa.
c- A mortalidade.
A morte física, salário do pecado( Rm 6.23), inicia-se no nascimento do homem,
pecador por natureza. Começar a viver é começar a morrer. O campo de batalha da morte é
o mundo. Os cemitérios atestam sua inexorável vitória sobre a vida física. Além do mais,
ela restringe as expectativas humanas, traz imensas apreensões, coloca barreiras ao
idealismo, imprime sofrimentos, padecimentos e muitas dores. Está derrotada, mas
permanece matando fisicamente( I Co 15. 26, 53-57).
d- Condenação eterna.
O pecado trouxe a morte espiritual, que consiste na perda da vida eterna. Morta está
a maioria das pessoas porque rejeita a oferta da vida em Jesus Cristo( Jo 11. 25,16), o
Segundo Adão(Rm 5.12-21), único responsável pela reintrodução da vida eterna na
humanidade, graciosamente concedida aos eleitos regenerados.
A situação geral da humanidade não é boa; lastimável, porém, o estado dos que
estão e partem sem Cristo Jesus, o Salvador.
BREVE CATECISMO
EXPIAÇÃO LIMITADA
Pergunta 20. “Deus deixou todo o gênero humano perecer no estado de
pecado e miséria?”
Resposta: “Tendo Deus, unicamente pela sua bondade, desde toda a eternidade,
eleito alguns para a vida eterna( Ef 1.4-7), entrou com eles em um pacto de graça, para os
livrar do estado de pecado e miséria, e os trazer a um estado de salvação, por meio de um
Redentor”( Tt 1. 2; 3. 4-7; Gl 3.21; Rm 3.20-22).
Inabilidade total
A humanidade divide-se entre eleitos redimidos por Cristo e réprobos. O
escolhido, porém, é salvo, não se salva. O homem não promove a sua salvação e nem
coopera para a sua realização. O pecado causou-lhe a morte espiritual( Rm 6. 23). Neste
sentido, ele já nasce morto e destinado à morte biológica. A um morto não se lhe atribui
qualquer ação volitiva em favor de si mesmo ou de outros. Inerme espiritualmente, não
dispõe de poder, de elementos ou instrumentos para conquistar pela razão, pela volição,
pela justiça própria, por herança espiritual, por direitos de filiação divina e por atos
beatíficos a vida eterna. Todos os seres humanos são pecadores sentenciados à morte. Os
verdadeiramente crentes, filhos da promessa, são justificados em Cristo Jesus. Os
incrédulos permanecem mortos em seus delitos e pecados( Ef. 2. 5 cf Ef 2.1; Cl 2.13; Rm
8.10 cf Lc 9.60).
Muitos ensinam que a graça é suficiente para todos, mas eficiente apenas para os
que cooperam. Geralmente a suposta capacidade cooperadora do homem se divide em
duas partes: Cooperação natural e cooperação beatífica:
1- Cooperação natural. Aquela que se baseia na bondade inata e genérica do
homem, e se firma nos seguintes pressupostos: a- Todo ser humano nasce bom: o meio
social é que o corrompe. b- Todo ser humano decaído pode tornar-se bom pela
reeducação e por novas oportunidades de realização pessoal. c- Todo ser humano
inadaptado ou desumanizado pode ser readaptado e reumanizado, tornando-se útil a si
mesmo e à sociedade. Tudo isto funciona, relativamente bem, no campo da sociologia e
da psicologia, mas não no espiritual. Todos os homens nascem pecadores: uns,
preordenados à justificação em Cristo; outros, deixados como são e como estão. Não há
no ser humano, eleito ou preterido, quaisquer bens, virtudes ou méritos inerentes,
intrínsecos e extrínsecos, que, por si mesmos, lhe dêem direitos ao reino dos céus. Além
de ser “filho da ira”( Ef 2.3), está sob condenação e diante da morte. Ele é mau e injusto
em virtude do pecado instalado no seu ser. Pode até desejar o bem espiritual para si
mesmo e para o seu próximo, mas não tem condições de praticá-lo. A nós todos cabe a
mesma confissão de Paulo: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita
bem nenhum: pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Mas, se eu faço
o que não quero, já não sou eu quem o faz, e, sim, o pecado que habita em mim. Porque,
no tocante, ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros
outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado
que está nos meus membros. Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo
desta morte?”( Rm 7.18- 24). Bom por natureza e essência há somente um, que é Deus.
2- Cooperação beatífica. Nada o homem pode fazer para sua regeneração. Não
adiantam penitências, jejuns, promessas, votos, rezas intermináveis, clausuras,
BREVE CATECISMO
recolhimentos espirituais, confissões formais, restrições, indumentárias, abstinências
diversas, práticas devocionais, obras meritórias caritativas, contribuições às entidades
religiosas. A corrução geral e a perversão espiritual estão presentes em cada homem.
Acompanhemos o teólogo de Tarso: “A Ira de Deus se revela do céu contra toda
impiedade e perversão dos homens, que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que
de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou”. “Tais
homens são por isso indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus não o
glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios
raciocínios, obscurecendo-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaramse
loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de
homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus entregou
tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para
desonrarem os seus corpos entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira,
adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente.
Amém. “Por causa disso os entregou Deus a paixões infames”. “E por haverem
desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição
mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, cheios de toda injustiça,
malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e
malignidade; sendo difamadores de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores
de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e
misericórdia” (Rm 1. 18, 19; 1. 21- 26: 1. 28-31).
A salvação não depende do homem, da boa sociedade em que vive ( a Igreja, por
exemplo), de seus méritos, mas da eleição divina. Os eleitos são salvos; os réprobos são
perdidos.
BREVE CATECISMO
O ELEITO DOS ELEITOS
Pergunta 21. “Quem é o Redentor dos eleitos de Deus”?
Resposta: “O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo( I Tm
2.50) que, sendo o eterno Filho de Deus, se fez homem( Jo 1. 1, 14; Jo 10. 30; Fp 2. 6; Gl
4. 4), e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas distintas, e uma só
pessoa, para sempre”( Fp 2.5-11).
Sobre o Redentor dos eleitos
Algumas verdades, que a resposta explicita ou suscita, devem ser destacadas:
a- Cristo é único e suficiente Redentor. A soteriologia da Igreja Católica
Apostólica Romana difere de sua cristologia. Cristologicamente se afirma ser Cristo o
Salvador de todos os penitentes; doutrina propalada até por meio de nomes dados a
instituições como, por exemplo: “Colégio Cristo Redentor”. Soteriologicamente, por
outro lado, se proclama, teórica e praticamente, ter Cristo numerosos mediadores( a
Virgem e os santos) pelos quais estende a graça do perdão redentor aos respectivos
devotos.
Os reformadores, solidamente firmados nas Escrituras, sustentaram a doutrina de
que Jesus Cristo é o único, eficiente e suficiente Salvador dos eleitos( I Tm 2.5; Jo 3.
13,14; Jo 14.6; I Jo 5. 11, 12). A sua encarnação coloca-o em contato direto com o
pecador a ser salvo, para que sua morte vicária lhe seja eficazmente redentora.
b- Salvador dos eleitos. A encarnação e o sacrifício do Cordeiro de Deus têm
valor para a humanidade inteiro, mas são eficazes exclusivamente para os eleitos, ovelhas
do Pai entregues ao Filho( Jo 6.37; Jo 6.39; Jo 6.44; Jo 10.29; Jo 17.9; Jo 17.6; Jo 17. 24;
Jo 10. 3, 4 10.10, 11; Jo 10.14”). E eleição antecedeu, e muito, a existência do eleito( Ef.
1.4,5,11; Rm 8.29, 30; 11.36 cf Dt 14. 23; Mt 24.22,31; Rm 8.33; I Pe 1.2; I Co 1.26; Tg
2.5 I Pe 2.10). Uma eleição antecedente não pode realizar-se por atitudes, virtudes, atos
meritórios e boas obras conseqüentes; mesmo porque ninguém é eleito para ser salvo por
méritos pessoais, mas pelo imerecido dom da graça em Cristo Jesus. A fé, sem a qual é
impossível agradar a Deus, também é uma dádiva graciosa da divindade aos eleitos( Ef
2.8).
c- Cristo, Deus-homem. A encarnação do Verbo sublimou o homem, mas não
desqualificou a divindade. O Cristo encarnado foi, na sua humilhação tanto quanto o é na
exaltação, verdadeiro Deus, Filho eternamente gerado do Pai e, portanto, possuindo dele
a mesma essência e a mesma natureza, tendo-lhe os mesmos atributos incomunicáveis.
Por outro lado, como Deus humanizado, foi, durante a peregrinação terrena e continua
sendo no trono celeste, verdadeiro homem, mais autêntico do que qualquer ser humano,
pois não se contaminou com o pecado à semelhança de nosso ancestral, Adão. A queda
não o atingiu; atingiram-no as suas consequências. As duas naturezas, a divina e a
humana, embora distintas, permanecem plena e perfeitamente nele. É legítimo dizer:
Deus em Cristo se fez homem; porém, o inverso não se dá: O homem em Cristo não se
faz Deus, apenas se torna criatura humana regenerada e, portanto, autêntica, readmitida à
comunhão de seu Criador. Deus em Cristo assumiu a natureza humana para que a nossa
natureza, a dos eleitos, se plenificasse e se autenticasse tanto antropológica como
espiritualmente. A encarnação proveu-nos a justificação e a redenção e nos promove à
BREVE CATECISMO
santificação, garantindo-nos lugar no reino de Deus durante a existência peregrina, no
estado intermediário e na vida ressurreta, então dotados de corpos incorruptíveis.
d- O estado permanente. Cristo, que era exaltado( Fp 2.6-8), humilhou-se pela
encarnação e pelo sacrifício, e se exaltou pela ressurreição, cumprindo cabal, completa e
finalmente o plano redentor de Deus para todos os seus escolhidos. Encontra-se agora,
vitorioso e glorioso, à destra de Deus Pai, todo poderoso, de onde há de vir para julgar os
vivos e os mortos, os justos e os injustos, e estabelecer a condição eterna para todos os
homens: Os santos, ressurretos, incontaminados e incontamináveis, serão colocados à sua
direita, glorificados, como ele está à direita do Pai, revestido de glória. Os ímpios, por
serem irregenerados, serão lançados fora, totalmente alienados, onde eternamente
sofrerão os horrores do inferno na desagradável companhia do maligno e de seus anjos.
Cristo, portanto, nosso Rei, está na co-regência trinitária, assentado no trono celeste,
depois de cumprida sua missão redentora no mundo. Ele governa e governará para
sempre, não de Jerusalém, onde se sujeitaria a inimigos implacáveis no encerramento do
império messiânico, como pensam os pré-milenistas, mas do trono eterno do Pai. Diante
dele dobrar-se-ão todos os joelhos no céu e na terra. Cristo é Rei e reina sobre os
redimidos, sobre todos os homens, sobre o mundo, sobre o universo. Os que não se
curvam aos seus pés na vida, curvar-se-ão na morte, e perante um juiz implacavelmente
justo.
BREVE CATECISMO
E O VERBO SE FEZ CARNE
Pergunta 22. “Como Cristo, sendo Filho de Deus, se fez homem?”
Resposta: “Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo
e uma alma racional(Jo 1.14; Hb 2.14; Mt 26.38), sendo concebido pelo poder do Espírito
Santo no ventre da Virgem Maria, e nascido dela( Lc 1.31, 35, 41, 4; Gl 4.4), mas sem
pecado”(Hb 4.15; Hb 7.26).
MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO
A encarnação do Filho de Deus é um insondável mistério para a mente finita do
mísero mortal. Sua enescrutabilidade tomava maiores dimensões no tempo da
encarnação, período em que o pensamento helênica predominava no império mundial dos
césares, originando a impressionante cultura greco-romana. A filosofia grega ensinava a
doutrina da dicotomia entre espírito e matéria. O corpo, por ser de natureza material, era
imundo por si mesmo. A alma, essencialmente espiritual, procedente do universo
arquétipo, era pura e incontaminável, mas que se tornava, durante a existência terrena,
prisioneira da carne. A morte nada mais era que sua libertação. Por outro lado, atribuíamse
o conhecimento e as virtudes morais à alma( faculdades da alma) e os baixos desejos,
os instintos naturais e a concupiscência à carne, englobados na designação: carnalidade. O
misticismo e o gnosticismo helênicos, vestidos de cristianismo, predominaram, e ainda
predominam, na versão platônica, em muitos seguimentos da cristandade. A doutrrina da
super-valorização da alma e da desvalorização e desqualificação do corpo até hoje
representa grande empecilho à compreensão da antropologia bíblica, da revelação, da
redenção, da encarnação e do sacrifício vicário de Jesus Cristo. O conceito dicotômico do
ser humano, seccionando-o em partes antagônicas, dificultou a aceitação de um “Deus
encarnado” na pessoa histórica de Jesus Cristo, ao mesmo tempo e num ser unívoco,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Algumas explicações heréticas da encarnação e pessoa de Jesus Cristo:
adocionismo, ebionismo, gnosticismo, docetismo, arianismo, monarquianismo.
Adocionismo. Em linhas gerais, o adocionista pregava que Jesus Cristo foi um
mero homem, exatamente igual a qualquer outro, apenas adotado por Deus para ser seu
Filho de modo especial, dando-lhe, pela adoção, certo grau de divindade. Teodoto, final
do século II(1), modificou um pouco o adocionismo, admitindo a origem divina de Cristo,
gerado pela intervenção do Espírito Santo no interior de uma mulher comum. A sua
adoção como Filho de Deus, porém, se deu por ocasião do batismo, quando desceu sobre
ele o Parácleto.
Ebionismo. Helenismo judaizante dentro do cristianismo. Ensinava que Cristo foi
meramente homem, embora cheio do Espírito de Deus.
Gnosticismo. Firmava-se no antagonismo entre espírito e matéria e, por isso, não
aceitava a encarnação de Deus em Cristo e negava veementemente a ressurreição. Não
cabia na mente dos gnósticos a idéia de um corpo humano entronizado à destra do Pai no
céu. Admitiam a divinização do espírito de Cristo, mas rejeitavam a sua divindade
essencial.
BREVE CATECISMO
Docetismo. Para os decetistas, o corpo de Jesus não era verdadeiro, embora
tivesse aparência de realidade. Deus, portanto, segundo o docetismo, não nasceu, não
sofreu, não morreu e não ressuscitou realmente. Tudo, no cenário histórico, não passou de
aparência.
Arianismo. Ário ( século IV) e seus discípulos diziam que Cristo foi a primeira e
mais perfeita criação de Deus. Como ser criado, era inferior ao Pai e a ele subordinado,
embora lhe possuísse a mesma substância. Ressumo: Cristo era uma divindade de
segunda categoria, criado à semelhança dos anjos.
Monarquianismo. Os monarquianos dividiam-se em duas escolas: a- Modalistas:
Cristo é um modo de ser e de se manifestar de Javé. Nele, portanto, concluíam, não há
dualidade de naturezas, a divina e a humana. b- Dinamistas: Jesus foi homem normal até
a data do batismo, quando o espírito de Javé (o Logos eterno) entrou nele; abandonou-o
na cruz; reassumiu-lhe a posse na ressurreição.
Cristologias modernistas e liberais: a- Cristo líder. Jesus foi endeusado(
divinizado) por causa de sua marcante liderança. Ele foi um verdadeiro “fuhrer”(2), um
deus para os seus liderados. b- Cristo da Igreja. O Filho de Deus é criação da Igreja. Esta
o “inventou”, ou a partir de um ser real sublimado ou de uma figura imaginária
idealizada. c- Cristo da fé. A fé criou um Deus humanizado necessário à crença, à
fidelidade e à esperança do povo. A historicidade de Cristo não entra em discussão por
absoluta desnecessidade: A crença gera a “realidade” da existência na mente do
crédulo(3).
Para nós, e segundo a definição de Calcedônia(451 a. D.), Jesus é verdadeiro Deus
e verdadeiro homem( vero Deus e vero homem), gerado pelo Espírito Santo, concebido
no seio da Virgem Maria em duas naturezas distintas e autênticas, a divina e a humana,
sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação.
(1)- Adocionismo-Teodoto. Enciclopédia Histórico-teológica da Igreja Cristã, vol. I, página 20.
(2)- Heim, Karl: Jesus der Herr.
(3)- Figueiredo, Onezio: Cristologia, CEP; Quem é Jesus Cristo, pág. 98-103.
BREVE CATECISMO
OFÍCIOS DE CRISTO
Pergunta 23. “Que ofícios Cristo exerce como nosso Redentor?”
Resposta: “Cristo, como nosso Redentor, exerce os ofícios de profeta( At 3. 22;
Lc 4.18, 21), sacerdote( Hb 4.14, 15; Hb 5.5,6) e rei, tanto no estado de humilhação
como no de exaltação”( Ap 19.16 ; Is 9.6, 7; Sl 2.6).
Jesus Cristo, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não somente incorporou
em sua imaculada e divina pessoa todos os preordenados para a redenção como assumiu
de maneira completa, perfeita e definitiva todos os ofícios determinados e implantados
por Deus em Israel no decurso da longa e impressionantemente rica história da redenção.
Assim, as freqüentes desarmonias e até conflitos entre os ministérios dos ungidos do
Senhor no Velho Testamento desapareceram no Novo, pois os seus respectivos ofícios
estão santa, justa, absoluta e encarnadamente concretizados em Cristo Jesus: Profeta,
Sacerdote e Rei da Igreja, congregação de todos os regenerados.
Cristo, o Profeta. Como Profeta, Cristo é o Verbo que se fez carne, o
perfeitíssimo intérprete do Pai, o atualíssimo legislador, capaz de, falando como Deus,
que realmente é, pode atualizar e aprofundar os mandamentos firmado na suprema
autoridade do Eu( Ego): “Ouvistes que foi dito: ... Eu, porém, vos digo...”( negrito
nosso). O Messias, portanto, não é apenas o “boca de Deus”, à semelhança dos profetas
vetotestamentários; é o próprio Deus encarnado, falando aos homens. Todas as profecias
da dispensação de Israel realizam-se e se consumam em Jesus Cristo. Depois da
encarnação do Filho de Deus, o Profeta dos profetas, cessaram as profecias revelacionais,
desapareceram os profetas, verbalizadores dos recados divinos. A chegada do
competentemente maior e superior eliminou, por absoluta desnecessidade, os
limitadamente menores e inferiores. Se Deus está conosco e nos fala em Cristo Jesus, por
que ouvirmos outras vozes? O que o Verbo encarnado tem a nos dizer está contido de
modo eficiente, edificante e revelador no Novo Testamento. Nada se acrescentou ao
Velho Testamento; nada se adicionará ao Novo. Assim como o Pai, na criação, fez tudo
bom e perfeito, o Filho igualmente realizou na redenção: obra redentora completa,
perfeita e definitiva. O Verbo é o Filho, não o Espírito. Este interpreta a palvra de Cristo
aos eleitos e aplica-a em seus corações.
Somo Sacerdote. O contato com Deus requeria:
a- Eleição. Deus é quem escolhe os seus ministros, e não baseia sua escolha nem
no auto-oferecimento nem em quaisquer indicações.
b- Vocação, chamamento divino para o ofício sacerdotal.
c- Separação absoluta para o serviço divino, que exigia dedicação exclusiva. O
separado tornava-se “santo” e devia trazer tal condição declarada por escrito na testa:
“Santidade ao Senhor”.
d- Perfeição: Física, moral (imacularidade, intocabilidade moral) e espiritual.
Apesar de todas as qualidades e virtudes exigidas, o sumo sacerdote somente entrava no
Santo dos Santos, para o “encontro” com Javé, somente uma vez por ano, e não antes de
complicadissímo cerimonial de purificação. O sumo sacerdote, portanto, era um homem
especial e especialmente escolhido para o importantíssimo papel de mediatário entre a
divindade e os homens comuns, fato que se dava num espaço restrito e específico, o
BREVE CATECISMO
Santíssimo, num tempo limitadíssimo, o Dia da Expiação, e para um povo escolhido,
Israel. Deus, no entanto, revelava, por meio de pequenas amostragens, a obra geral e
irrestrita, em termos raciais, que realizaria em Jesus Cristo; e de fato realizou e está
realizando. O Filho do Homem não somente é um perfeitíssimo Sumo Sacerdote,
suficiente e eficiente para todos os seres humanos eleitos, mas também é o próprio
Cordeiro imaculado sacrificado em resgate de muitos, isto é, em benefício da totalidade
dos escolhidos. O que era sombra, em Cristo se fez realidade.
Rei. O rei em Israel era também um ungido do Senhor, proprietário do templo,
responsável pela ordem nacional e pelas relações internacionais. Apesar das limitações
pessoais, do diminuto domínio territorial, da impotência militar e da fragilidade política
da realeza, a figura do rei era típica, como protótipo, especialmente Davi, do Messias da
promessa, que não se limitaria a Israel, mas reinaria sobre todos os povos. E efetivamente
Jesus Cristo é Rei e reina especial e especificamente sobre os seus eleitos e, de maneira
geral, sobre todos os homens” e sobre o universo inteiro: “Toda a autoridade me foi dada
no céu e na terra”( Mt 28.18). O reinado é visível e sentido em sua Igreja militante, mas
um dia todos os povos submeter-se-ão ao soberano Messias: “Pelo que também Deus o
exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua
confesse que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai”( Fp 2. 9, 10).
Cristo é Rei e está reinando sobre as almas dos eleitos e sobre a vida dos ímpios.
BREVE CATECISMO
CRISTO, O PROFETA
Pergunta 24. “Como Cristo exerce o ofício de profeta?”
Resposta: “Cristo exerce o ofício de profeta, revelando-nos( Jo 1. 1, 4), pela sua
palavra e pelo seu Espírito, a vontade de Deus para a nossa salvação”( Jo 15. 15; 20. 31;
II Pe 1. 21; Jo 14. 26).
No Velho Testamento, a vontade de Deus era revelada ao profeta e este a
comunicava ao povo. Do imperativo da revelação e da ordenança de sua proclamação ele
não podia fugir, pois o seu livre arbítrio, tanto originado da razão como das
conveniências, não prevalecia sobre a determinação divina. A inescapabilidade e a
impostergabilidade da missão profética, não raro, deixavam o profeta em verdadeira
agonia. Sentia-se pequeno e frágil diante do tremendo desafio profético e dos imensos
obstáculos ao cumprimento do dever imposto. É o caso de Jeremias, por exemplo.
No Novo Testamento, o peso e a responsabilidade de realização e revelação da
vontade de Deus recai, de maneira absoluta e irrecusável, sobre Jesus Cristo. Eis porque,
mesmo diante da horrível condenação à pena capital de crucificação, ainda mais dolorosa
por ser terrivelmente injusta, o Filho permanece humildemente submisso ao Pai. Ele foi
obediente até à morte, e morte de cruz. Cristo não se torna, é, por natureza e essência, a
plena revelação do Pai e de sua vontade, não apenas uma verbalização profética da
palavra divina: “E o Verbo se fez carne”. Não se encarnou para ser um simples
proclamador, um arauto por vocação, um exemplo de santidade a ser imitado; muito mais
que tudo isso, pois nele Deus se humaniza: “Quem me vê a mim, vê o Pai”( Jo 14. 9).
Verdadeiro profeta, transmite exclusivamente o que o Pai ordena: “Porque eu não
tenho falado por mim mesmo, mas o Pai que me enviou, esse me tem prescrito o que
dizer e o que anunciar. E sei que o seu mandamento é a vida eterna. As cousas, pois, que
eu falo, como o Pai mo tem dito, assim falo”( Jo 12. 49, 50 cf Jo 8. 26-28; 14. 10, 24; 15.
15; 17. 8, 29).
Ser o “homem de Deus”, escravo da divindade, para receber e comunicar o
recebido, literal e integralmente, era a característica básica do profeta, perfeitamente
satisfeita e efetivada em Cristo Jesus, não somente pelo que dele sabemos, segundo as
informações escriturísticas, mas ele mesmo se identificou como o profeta messiânico:
“Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, porque não se espera que um profeta
morra fora de Jerusalém”( Lc 13. 33). E o autor da Epístola aos Hebreus mostra-nos que a
palavra definitiva, completa e perfeita foi dita por Jesus Cristo, o Profeta dos profetas:
“Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas, pelo qual também fez o universo”( Hb 1. 1, 2). Jamais profeta ou mestre, sobre
matéria revelacional, ensinou com tanta autoridade como o fez Jesus Cristo, o Deushomem:
“Porque ele nos ensina como quem tem autoridade, e não como os escribas”( Mt
7. 29). O Messias não se tornou profeta pela encarnação ou por vocação. Sendo Emanuel,
Deus conosco, é o revelador da pessoalidade, do amor, da justiça, da vondade e dos
eternos planos redentores do Pai. Assim o credo niceno o define: “ Luz de Luz,
verdadeiro Deus de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o
BREVE CATECISMO
Pai”(*). Jesus, portanto, não é um homem a quem Deus chamou para ser profeta, é o
Profeta eterno, o Verbo divino, mediador da criação e da revelação, introduzido, pela
encarnação, na história e no tempo do homem: “No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez”( Jo 1. 1-3).
Pedro, falando sobre a eternidade e o ministério permanentes do Verbo, o Profeta dos
profetas, escreve: “Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram,
os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando atentamente
qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo,
que neles estava( itálico e negrito nossos) ao dar de antemão testemunho sobre os
sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que os seguiram”( I Pe 1.10, 11). Antes,
os eleitos ouviam Deus pela boca dos profetas; agora o ouvem diretamente, à viva voz,
por Jesus Cristo. Disto temos um contundente testemunho no evento da transfiguração:
“Apareceu-lhes Elias com Moisés e estavam falando com Jesus. Então Pedro, tomando a
palavra, disse: Mestre, bom é estarmos aqui e que façamos três tendas; uma será tua, outra
para Moisés e outra para Elias. Pois não sabia o que dizer, por estarem eles aterrados. A
seguir, veio uma nuvem que os envolveu; e dela uma voz dizia: Este é o meu Filho
amado: a ele ouvi. E, de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão
somente a Jesus”( Mc 9. 4- 8). Os precursores desaparecem diante do sucessor
profetizado e presente. Somente o Profeta final permanece conosco a quem, por
ordenação divina, temos o obrigatório privilégio de ouvir.
Os profetas anteriores falaram de Jesus. Da encarnação para frente, ele mesmo,
nos fala. Sua palavra está registrada no Novo Testamento, e nos chega ao coração e à
mente pela interpretação do Espírito Santo, que em nós habita.
(*) Bettenson, Henry, em Documentos da Igreja Cristã, tradução do original inglês por Elmuth
Alfredo Simon, ASTE, São Paulo, 1967, página 56.
BREVE CATECISMO
CRISTO, O SUMO SACERDOTE
Pergunta 25. “Como Cristo exerce o ofício de sacerdote?
Resposta: Cristo exerce o ofício de sacerdote, oferecendo-se a si mesmo, uma só
vez, em sacrifício, para satisfazer a justiça divina( Hb 9.14, 28; Rm 3. 26; Rm 10. 4; ), para
reconciliar-nos com Deus( Hb 2. 17 e para fazer contínua intercessão por nós”( Hb 7.25).
O SUMO SACERDOTE
As palavras gregas hiereus( sacerdote) e archiereus(sumo sacerdote) derivam-se de
hierós (santo). Sumo sacerdote, portanto, significa um homem especialmente separado por
Deus e consagrado exclusivamente ao seu Senhor. Para entrar no Santo dos Santos tinha de
ser um eleito de entre os eleitos, um ungido dos ungidos. Sua cultura, dons, habilidades,
disponibilidade e serviço não podiam ser usados em benefício próprio. Seu corpo, sua
mente, suas emoções e suas virtudes não lhe pertenciam, pois haviam sido requisitados por
Deus. Somente ao sacerdote dos sacerdotes o Redentor permitia entrar, uma vez por ano, no
Santíssimo como representante e mediador do povo. Ele era o único meio de comunicação
entre os pecadores, seus pares, e o Salvador. Representava, como figura, símbolo e tipo,
segundo o autor da Carta aos Hebreus, o Messias prometido.
O SACERDÓCIO DE CRISTO
“Deus instituiu o culto, o templo e o sacerdócio como figuras ou pré-criações do que
efetivaria na pessoa de seu Filho Jesus Cristo. O culto constituía-se de: a palavra, o
sacrifício e o sacrificador.
Cristo é a Palavra. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Ele não é um
missionário da Palavra; é a própria Palavra. Ele externa, não o que pensa, mas o que é:
Deus. Por isso, o que fala não passa( Mc 13. 31). Quem permanece na sua Palavra,
permanece nele( Jo 8. 31). Em Cristo tudo foi criado e subsiste( Cl 1. 16). Nós, pecadores,
jamais comunicamos, pela verbalização, o que realmente somos intrinsecamente. O “eu”
interior não se revela plenamente. Cristo foi transparente: A palavra e o ser harmonizavamse
perfeitamente. Ele é o Logos.
Cristo é o Templo. No Velho Testamento, o templo era o “habitat” de Deus, a “Casa
do Senhor”, a inserção do celeste no terrestre, um tipo de pré-encarnação do divino.
Cristo é o templo do novo Israel( Jo 2.19- 22), e a presença de Deus no mundo.
Sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nele Deus se encontrou com o homem na
consubstancialidade do próprio homem. Deus em Cristo reconcilia o mundo consigo
mesmo.
Cristo é o Sacrifício. João Batista apresentou-o: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo”. Ele mesmo se declara o Cordeiro Pascal ao instituir a Santa Ceia com
pão, que significa o seu corpo partido por nós, e com vinho, que simboliza o sangue da
nova aliança conosco. O autor de Hebreus procura demonstrar, o mais claramente possível,
que Cristo foi a vítima imaculada cujo sangue expia o pecado dos que a ela se chegam( Hb
9.13, 14 cf 9. 11; 10. 10). Pedro argumenta na mesma direção ( I Pe 1.18, 19). Cristo é a
vítima substituta, sem defeito e sem mácula, cujo sangue derramado na cruz liberta-nos do
pecado e nos garante a vida eterna.
BREVE CATECISMO
Cristo é o Sacerdote. Ele não é a vítima oferecida, é a vítima que se oferece ( Jo 10.
17, 18 cf Hb 2. 17; 3. 1; 4. 14- 16; 6. 20). Cristo, porém, como Sumo Sacerdote, entrou
uma vez e para sempre não no Santo dos Santos do templo, como fazia o sacerdote levítico
( Lv 16), mas no Santuário celeste, e continuamente intercede pelos eleitos( Hb 7. 27; 9. 24-
28; 10. 10, 12, 14). A presença de nosso Sumo Sacerdote no trono de Deus, e eternamente,
garante-nos intercessão permanente e ininterrupta. O liame mediatário e intercessor entre
Deus e o homem está estabelecido em Cristo Jesus. Ele é o Sumo Sacerdote; nós, todos os
crentes, somos sacerdotes dele e por ele em benefício uns dos outros e em favor do mundo;
somos um reino sacerdotal( I Pe 2. 9, 10)”( * ).
Cristo, o real Sumo Sacerdote da Igreja, sustenta, não na mitra, mas na vida, o signo
de seu ofício: SANTIDADE PARA O SENHOR( Cf. Ex 39. 30). Assim, os nomes de todos
os seus eleitos são colocados por ele no Altar celeste( Cf. Ex 28. 10, 11). Agora, o nosso
único Mediador é Jesus Cristo: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e
os homens, Cristo Jesus, homem”( I Tm 2. 5).
Qualquer mediação sacerdotal e redentora, fora e além de Jesus Cristo, a Igreja não
pode aceitar. O seu sacrifício vicário é suficiente; seu sacerdócio é completo e perfeito. Ele
está no céu, à destra do Pai, mas também, na comunhão de seu povo, onde quer que dois ou
três estejam reunidos em seu nome.
(*) Figueiredo, O. em Cristologia em Lições, páginas 66-68.
BREVE CATECISMO
O REINADO DE CRISTO
Pergunta 26. “Como Cristo exerce o ofício de Rei?”
Resposta: Cristo exerce o ofício de Rei, subjugando-nos a si mesmo( Sl 110.3),
governando-nos e protegendo-nos( Is 33.22), reprimindo e subjugando todos os seus e os
nossos inimigos”( I Co 15.25; At 12.17; At 18.9, 10).
A REALEZA DO FILHO DE DEUS
a- Regnum potentiae. Cristo como eterno Filho de Deus, componente do
triunvirado divino, Pai-Filho-Espírito Santo, inserido na indissolúvel, integrada e
consensual unidade trinitária, é Criador, Governador e Mantenedor do universo. Sobre a
Trindade, e nela a Segunda Pessoa, recai o múnus governamental e geral da ordem criada
física, metafísica e espiritual. A este reinado sobre todas as coisas e sobre todos os seres
viventes chamamos de regnum potentiae(poder real). Neste sentido, a realeza é um
atributo essencial, inerente, absoluto e eterno do Filho em virtude de sua
consubstancialidade com o Pai. Ele mesmo disse: “Eu e o Pai somos um”( Jo 10.30 cf Jo
14.10,11; 17. 21). Cristo, por sua soberania e anterioridade, é o criador de todos os tronos
e o regente de todos os governadores: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito
de toda a criação; pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as
visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer
potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele
tudo subsiste” Cl 1.15- 17). Qualquer poder governamental, indiferentemente do sistema
adotado, procede da ordenação divina. O governa, como instituição impessoalizada, é o
meio que Deus usa para que o caos não se instale na ordem social. E quando o próprio
poder se torna despótico ou caótico, Deus o elimina lenta ou abruptamente. Olhe para a
história das civilizações, para o rompimento da “Cortina de Ferro”, para a queda do
“Muro de Berlim” e compreenderá o que afirmamos.
b- Regnum gratiae( reino da graça). É o reinado do Redentor sobre todos os
redimidos, os que já partiram e os que militam no mundo. Embora o reino de Cristo tenha
abrangência pretérita, presente e futura e conste, certamente, nos eternos decretos de
Deus, sua visibilidade, potencialidade e concretude tornaram-se plenas, historicamente
verificáveis e eficientes, na encarnação. O Breve Catecismo não trata, no texto em
questão, do regnum potentiae, mas do regnum gratiae, isto é, do reinado de Cristo sobre
sua Igreja e sobre cada um de seus membros. Regendo a mente da Igreja e dirigindo a
consciência do cristão regenerado, o Messias exerce efetivamente o seu reinado sobre
todos os verdadeiramente escolhidos. Quem não se submete ao comando do Rei para
andar segundo os imperativos da graça, guiado pelo Espírito Santo, não é filho de Deus(
Rm 8. 14).
Modus faciendi. Eis os princípios operacionais da ação governamental de Cristo
sobre seu regnum gratiae, segundo o Breve Catecismo:
a- Sujeitando-nos a si mesmo( Sl 110.3). Pela regeneração se cria no velho
homem uma nova natureza espiritual, de renovados condicionamentos mentais,
conformando o redimido à vontade de seu Redentor. O crente não se submete a Cristo por
BREVE CATECISMO
coação externa de quaisquer potências e nem por atemorizações ou ameaças de castigos
futuros, mas por irresistível atração e profunda afinidade sentimental e espiritual
estabelecidas no seu interior pela presença do Espírito Santo, que nele habita. Como o
Filho se subordina ao pai, o salvo se submete ao Salvador.
b- Governando-nos e protegendo-nos( Is 33. 22). Cristo efetivamente é nosso
Rei e nós aceitamos o seu reinado com a mais estrita obediência, submissão, reverência e
respeito. O verdadeiro crente, porém, não se preocupa com a proteção de sua vida física,
transitória em si mesma, mas está seguro de que a sua fé, a sua existência espiritual e a
ressurreição de seu corpo estão absolutamente preservadas por e em Cristo Jesus. O Rei
garante-lhe a redenção e a glorificação no reino porvir.
c- Reprimindo e subjugando todos os seus e os nossos inimigos( I Co 15.25; At
12.17; 18.9,10). Os nossos inimigos espirituais, perante os quais somos indefesos e
impotentes, são: o maligno, o pecado, e a morte. Sobre todos eles o nosso Redentor
triunfou com sua morte vicária, sua ressurreição e sua entronização à destra do Pai. O
diabo está vencido e suas tentações são vencíveis pelo crente mediante o poder da graça
em seu coração. O eleito, por outro lado, não teme as nefastas conseqüências do pecado,
pois está justificado em Cristo Jesus. A morte, para o salvo, também está derrotada pela
irrevogável e irremovível outorga graciosa da vida eterna. Os dons da divina graça e sua
manutenção na vida de cada agraciado é obra do Supremo Rei de nossos almas, Jesus
Cristo.
BREVE CATECISMO
HUMILHAÇÃO DE CRISTO
Pergunta 27. “Em que consistiu a humilhação de Cristo?
Resposta: A humilhação de Cristo consistiu em ele nascer, e isso em condição
baixa(Lc 2.7; Fp 2.6-8; II Co 8.9), feito sujeito à lei( Gl 4.4), em sofrer as misérias desta
vida( Is 53.3), a ira de Deus( Mt 27.46; Lc 22. 41- 44), e a amaldiçoada morte na cruz( Gl
3.13; Fp 2.8), em ser sepultado e permanecer debaixo do poder da morte durante certo
tempo( I Co 15.3, 4)”.
ESTADOS DO FILHO DE DEUS
Podemos dizer que a Segunda Pessoa da Trindade, tal como se nos revela à mente
e se manifesta na história, possui três estados ou modos se ser: o da pré-encarnação, o da
encarnação, o da exaltação. Antes da encarnação o Verbo era puro espírito, pertencente a
um universo distinto e infinitamente superior ao do homem, despido de qualquer
materialidade. Encarnado, assumiu plenamente a natureza humana com todas as suas
fraquezas, limitações e mortalidade, exceto o pecado. Exaltado, levou consigo a
humanidade revestida de incorruptibilidade e liberta da cruel mortalidade. Este é o seu
último e final estado, primícia do que haveremos de ser.
A HUMILHAÇÃO
Cristo, para encarnar-se, esvaziou-se de sua excelsa glória, de seu estado próprio
de deidade intocável( Fp 2. 7, 8). Ao tornar-se um ser verdadeiramente humano
submeteu-se, como Criador e Santo, à condição de subordinada e pecadora criatura.
A humilhação de Cristo, conforme o Breve Catecismo, consistiu-se em:
a- Nascimento. Os fatos da concepção miraculosa, da gestação normal no útero da
Virgem e do nascimento natural como meios para o ingresso da Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade no universo de uma humanidade de natureza biológica e
espiritualmente corrompida são mistérios humanamente insondáveis. O que podemos
compreender: o homem, impedido de “subir”, exaltar-se ao nível da divindade em virtude
de sua inferioridade essencial e contingencial, Deus se humilhou, “descendo” ao patamar
da existência humana para reconciliar o pecador eleito com o seu Pai celeste. O
nascimento, embora seja a maior bênção para o mundo, foi indescritível humilhação para
o Filho de Deus.
b- Submissão à Lei. A lei são os termos do pacto que Deus fez com o seu povo.
Ao autor da propositura, Supremo Legislador, cabia a fidelidade que, em decorrência de
seu imutável amor e irrevogável propósito, jamais, de sua parte, seria quebrada. Ao
destinatário pactuante, subalterno por criação e falível por corrupção, competia obedecer
e cumprir. Não obedeceu e nem cumpriu. Agora, o próprio Soberano do pacto, em seu
Filho, ocupa o outro lado, a do pactuado, submetendo-se à obediência que soberanamente
lhe exigira. O destinador da lei e o seu destinatário identificam-se em uma única pessoa: o
Deus-Homem, Jesus Cristo, que, submetendo-se à lei, valida o pacto e o cumpre
integralmente.
c- Submissão ao sofrimento. A transgressão do pacto original trouxe, como
conseqüência e castigo( Gn 3. 17,18), o sofrimento. Os padecimentos de Cristo, portanto,
identificam-no com os pecadores, embora não se lhe impute nenhum causa pessoal,
motivo ou conseqüência retributiva, punitiva ou coercitiva de suas humanas e terríveis
BREVE CATECISMO
dores. Assumindo a nossa humanidade, assumiu também os nossos pecados com suas
conseqüências naturais, entre elas o sofrimento e as misérias da vida humana.
d- A ira de Deus. Por substituição, Cristo se tornou o “pecador dos pecadores”,
permitindo que sobre ele recaísse a culpabilidade de todos nós. E, como “culpado”,
sentiu-se abandonado, à mercê da morte, a ponto de clamar exclamando: “Deus meu,
Deus meu, por que me desamparaste?” O ônus da ira divina que pesava sobre nós,
concentrou-se e se intensifou no Cordeiro imaculado, nosso substituto na cruz. E ser
crucificado era inominável sofrimento pelas torturas físicas e pelo menosprezo social. Foi
humilhação levada ao extremo!
e- O domínio da morte. O Senhor da vida morreu, foi sepultado e ficou durante
três dias e três noites sob o domínio da morte. Durante a crucificação e enquanto esteve
no túmulo, dificílimo era racionalmente acreditar, a não ser pela iluminação do Espírito,
que aquele “filho do carpinteiro”, pregador de uma nova fé, condenado à morte pelos
tribunais judeus e romanos, era realmente o Rei profetizado e esperado, mais que o
Messias, Deus conosco.
f- A tentação. Outra humilhação de Cristo, não mencionada na resposta, foi a
tentação( Mt 4. 1-11). O mesmo tentador que derrubou o primeiro Adão, tentou derrubar
o Segundo, mas não conseguiu. Deus sendo tentado seria inimaginável, se não houvesse
realmente acontecido.
Para ser verdadeiramente homem o Filho de Deus teve de: nascer realmente;
submeter-se à lei; sofrer como todos os seres humanos; estar debaixo da ira de Deus;
experimentar as dores da vida e os sofrimentos da cruz; ser tentado como qualquer um de
nós, suportar os horrores da morte.
A ressurreição e a exaltação de Cristo são vitórias grandiosas da humanidade
eleita.
BREVE CATECISMO
EXALTAÇÃO DE CRISTO
Pergunta 28. “Em que consiste a exaltação de Cristo?
Resposta: A exaltação de Cristo consiste em ele ressurgir dos mortos no terceiro
dia( I Co 15. 3, 4); em subir ao céu e estar sentado à mão direita de Deus Pai( At 1.9; Ef
1.19, 20); e em vir para julgar o mundo no último dia”( At 1.11; 17. 31 cf Fp 2.9-11).
MISTÉRIO DA EXALTAÇÃO
Não somos habilitados suficientemente para compreendermos os mistérios da
humilhação e da exaltação de Cristo. Sabemos que ele, ao mesmo tempo, humilhou-se e
foi humilhado; exaltado e exaltou-se. Com base nos relatos bíblicos e na certeza que a fé
nos confere afirmamos, preliminarmente, sobre a exaltação de nosso Senhor Jesus Cristo,
o seguinte:
a- A exaltação reverte o quadro da humilhação e, neste sentido, é um retorno ao
estado original.
b- A exaltação, tanto quanto a humilhação, realizou-se por exclusiva iniciativa
divina: Deus se humilhou, esvaziando-se de sua glória, mas não de sua divindade e de sua
majestade, para ombrear-se com o homem e com ele verdadeiramente identificar-se. Não
se concluirá, portanto, que Jesus foi um homem que, por suas extraordinárias virtudes e
méritos, exaltou-se ou foi exaltado a um nível superior tão elevado que penetrou o
sublime universo da divindade, tornando-se semelhante a Deus ou a ele se comparando. A
insuficiência do homem não lhe permite ultrapassar as fronteiras de sua humanidade.
c- Só podemos compreender a exaltação pela humilhação, isto é, o Filho de Deus
se humilhou ao encarnar-se, ao tornar-se verdadeiramente homem, sem, contudo, abdicarse
de sua divindade, soberania, santidade e eternidade. Humilhação e exaltação são
conseqüências da encarnação. O Verbo eterno humilhou-se e se exaltou sem comprometer
em nada, ainda que temporariamente, o atributo da imutabilidade, pois ele é o mesmo
ontem, hoje e eternamente. Variabilidade e mutabilidade não existem no Invariável, no
Imutável. Deus não pode sofrer, por poderes externos a ele, nenhuma humilhação ou
exaltação; a admissão de semelhante conceito redunda em negação de sua divindade.
Portanto, humilhação e exaltação são caminhos percorridos exclusivamente por Deus,
segundo seus eternos, divinos e insondáveis propósitos, para salvação e exaltação dos
eleitos. Deus não mudou; permanece o mesmo; mas mudou, e substancialmente, os seus
escolhidos ao tornar-se um deles, assumir-lhes as culpas e redimir os culpados. Tudo isso
é um grande mistério!
EM QUE CONSISTE A EXALTAÇÃO DE CRISTO?
Segundo o Breve Catecismo, lídimo intérprete do pensamento reformado, a
exaltação de Cristo consiste:
a- Na ressurreição. A ressurreição de Cristo não foi mero retorno à vida, mas
total e definitiva vitória sobre o pecado e a morte com a eliminação, portanto, da
corruptibilidade física, moral e espiritual bem como da mortalidade de todo ser humano
participante( por incorporação, integração e identificação) de seu sacrifício vicário. Eis
porque Paulo, inspirado pelo Espírito, podia afirmar que Cristo é a primícia dos eleitos( I
Co 15. 20), o primogênito de entre os mortos( Cl 1. 18). A ressurreição é, sem dúvida, o
fato visível, historicamente confirmado pela Igreja, da exaltação de Jesus Cristo,
BREVE CATECISMO
realização e garantia da ressurreição dos regenerados. A morte da morte já aconteceu. O
pecado está vencido. O maligno foi derrotado. O caminho da reconciliação com Deus está
preparado. A porta da eternidade abriu-se para os eleitos.
b- Na ascensão. A ascensão é conseqüência lógica da ressurreição, marcando a
“subida” daquele que “desceu” ao mais baixo nível de nossa humanidade; esteve conosco,
foi um dos nossos, assumiu verdadeiramente o nosso estado, conservando, porém, a
verdadeira natureza divina. A ascensão marcou a sublimação do ser humano completo e
complexo: espírito-corpo, indivíduo peneumossomático.
Na entronização. O Cristo ressurreto, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
ocupou, pela entronização, levando e elevando a nossa humanidade, o trono da realeza
divina, à destra do Pai. A dignificação do homem, criado à imagem e semelhança de
Deus, em Jesus Cristo atingiu o mais elevado estágio de nobreza. Podemos afirmar, com
base escriturística, que o universo inteiro é governado po um verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Assim, o ser humano, criado para reger, está regendo.
No julgamento. O que foi julgado e condenado à morte pelos homens é e será o
Juiz de todos os ressurretos, justos e injustos. Perante ele se dobrarão todos os joelhos
dos que, na terra, exaltaram-se, humilharam-se, foram humilhados.
O Cristo exaltado é Reis dos reis, Regente do universo, supremo Juiz.
BREVE CATECISMO
PARTÍCIPES DA REDENÇÃO
Pergunta 29. “Como somos feitos participantes da redenção?
Resposta: Somos feitos participantes da redenção adquirida por Cristo pela eficaz
aplicação dela a nós pelo Santo Espírito”( Jo 1.12, 13; Jo 3.5, 6; Tt 3.5, 6).
REDENÇÃO, OBRA DIVINA
Três pressupostos devemos ter em mente sobre a redenção do pecador:
1º: A mão única do livre arbítrio.
O livre arbítrio levou o homem à desobediência e, conseqüentemente, à queda e à
corrução da vontade. Este mesmo livre arbítrio, irremediavelmente corrompido, jamais
lhe conduzirá de volta ao estado primitivo de obediência ao Pai celeste e à bênção da
harmonia espiritual com ele. Uma pessoa pode decidir saltar do vigésimo andar de um
edifício, mas, uma vez consumada a decisão, mesmo que, ao meio da queda, se arrependa,
nada mais poderá fazer para evitar a tragédia. O arrependimento e o desejo sincero não
lhe reverterão o quadro, não lhe evitarão a morte. Somente um milagre o salvará. Coisa
semelhante acontece com o homem. E somente o milagre da misericórdia de Deus em
Cristo Jesus pode salvá-lo: em queda livre irreversível com destino à morte, impotente
para anular as conseqüências desastrosas da desobediência, mesmo decidindo fazê-lo pelo
uso de seu livre arbítrio, é a mão do Pai que o ampara por meio de seu Filho, interrompelhe
o processo de perdição, conserva-lhe a vida, concede-lhe a redenção eterna.
2º: A insuficiência do homem e a suficiência de Deus.
A decisão de desobedecer, de romper o pacto com Deus, causou ao suposto livre a
escravidão do pecado e a sentença de morte, tornando-o completamente inábil e
insuficiente para salvar-se a si mesmo. Não é o homem que se apresenta a Deus como
candidato à redenção; é Deus quem o escolhe, destina-o à salvação, redime-o em Jesus
Cristo.
3º: Eleição e redenção.
Da humanidade caída, degenerada e reprovada, Deus retira uma representação, um
grupo de eleitos, confraternizado e unificado num povo especial e santo, a Igreja. Pela
eleição o Redentor determina o número exato dos que ouvirão o chamado. Pela vocação
os eleitos são agregados a Cristo e congregados na família de Deus. Pela redenção
recebem a graça da vida eterna e a bênção de servirem ao Cordeiro na militância terrena e
na glorificação final. Os escolhidos, porém, não se salvam por méritos pessoais de
natureza moral, racional ou espiritual, mas pela intervenção miraculoso, graciosa e
misericordiosa de Deus em Cristo Jesus. Deus, em seu eterno propósito e por sua
indescritível e impenetrável soberana vontade, escolheu, para concretizar o decreto da
eleição e justificar os eleitos, o paradoxal caminho da encarnação, paixão, morte e
ressurreição de seu Filho amado, nosso Senhor Jesus Cristo. A nós, beneficiários da
eleição e da conseqüente redenção pelo ministério remidor do Filho de Deus, não nos
competem inquirição, compreensão racional, adesão por concordância lógica, contestação
ou rejeição, mas a aceitação pela fé e a submissão humilde de escravos resgatados para a
liberdade em Cristo Jesus.
O aplicador da redenção. Deus é trino e uno ao mesmo tempo, indivisível,
eterno, perfeito e imutável em sua soberania, governo, justiça, amor, misericórdia e
BREVE CATECISMO
vontade; constiuído, porém, de três pessoas distintas e identificáveis, embora consensuais
e consubstanciais: O Pai, o Filho e o Espírito Santo, um só Deus. A obra global da
divindade na criação, na regência, na providência e na redenção é de natureza trinitária
sem qualquer hierarquia constitucional e social e sem eminências ou pontificados
espirituais. A essencialidade estabelece a absoluta igualdade existencial de vontade e
propósitos entre as pessoas trinitárias. Entretanto, no âmbito ministerial e revelacional
cada pessoa da Trindade se nos apresenta com marcadas e marcantes funções
aparentemente privativas e específicas: a- O Pai se revela como Criador e como
comissionador de seu eterno Filho, Jesus. A Igreja não pode desconhecer o fato revelado
de que a Primeira Pessoa trinitária é o PAI, a quem ela se dirige em oração por
intermediação do Filho. b- O Filho, com quem mantemos contato direto por identificação
conosco via encarnação, é o enviado do Pai, um dos nossos, o melhor de todos os seres
humanos. Conhecemo-lo como a Segunda Pessoa da Trindade, o Revelador final do Pai,
o Salvador dos eleitos. c- O Espírito Santo é o que nos faz ouvir e entender o Filho; o
que nos interpreta as Escrituras e nos capacita para entendê-las e apreendê-las; o que nos
conduz a Jesus Cristo; o que nos implanta e mantém em nós a esperança, o consolo, o
amor agápico e a fé; o que nos convence do pecado, da justiça e do juízo; o que nos
santifica e promove o nosso crescimento espiritual; o que sustenta a nossa permanência
em Cristo; o que mantém a nossa unidade fraternal, a Igreja. Conhecemo-lo como a
Terceira Pessoa da Trindade. Sem o seu ministério e sua presença em nós não haveria
conversão, arrependimento, regeneração e santificação. A obra do Espírito com e no
crente pode ser designada de batismo com o Espírito Santo, bênção irrevogável e
irremovível que todo salvo recebe.
As pessoas trinitárias são distintas. As obras de cada uma, específicas; porém, uma
pessoa da Trindade nada faria desligada e à parte da unidade trinitária. O ministério de
cada uma é realização do Deus trino. Guardemos bem: Trindade não é um panteon de três
deuses, é um só Deus.
BREVE CATECISMO
ESPÍRITO, MINISTRO DE CRISTO
Pergunta 30. “Como o Espírito nos aplica a redenção adquirida por Cristo?
Resposta: O Espírito nos aplica a redenção adquirida por Cristo, operando em nós
a fé( Ef 2. 8) e nos unindo a Cristo por meio dela, em nossa vocação eficaz”( Jo 15. 5; I
Co 6.17; 1. 9; I Pe 5. 10).
MEDIAÇÃO DO ESPÍRITO
O promotor da redenção( mediante o sacrifício vicário), o autor e consumador da
nossa fé( Hb 2.10; 5. 9; 12. 2), o Profeta dos profetas, Verbo de Deus encarnado, o que
nos fala em nome do Pai, é Jesus Cristo. O Espírito não produz a redenção, não gera a
Palavra reveladora e salvadora: Estas são atribuições ministeriais do Filho, mediador da
criação, da justificação e da salvação( Jo 1. 1-3; 1. 10-14; 14.6). Esperar do Espírito
Santo, como muitos fazem hoje, profecias, vaticínios e novas revelações, significa
rejeitar, na prática, mesmo que uma profissão de fé formal o negue, a doutrina da
suficiência da obra de Cristo tanto no âmbito da redenção como no da revelação; e mais,
implica em atribuir ao Espírito o que é da especial atribuição do Filho. Necessário nos é
compreender que a unidade trinitária reside na perfeita, santa, eterna e soberana
interdependência solidária, não subordinação, das pessoas da Divindade. A Confissão de
Fé de Westminster assim se pronuncia sobre a Trindade: “Na unidade da Divindade há
três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade: Deus o Pai, Deus o Filho e
Deus o Espírito Santo(*). O Pai não é de ninguém: não é gerado e nem procedente. O
Filho é eternamente gerado do Pai. O Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do
Filho”( C.F.W., cap. II, item 3). O Filho, pela encarnação, pela proclamação e pelo ensino
revela-nos o Pai e manifesta a sua vontade para com os homens. O Espírito, inspirador
dos profetas e dos apóstolos, ilumina a mente de cada redimido para compreender as
Escrituras e apreender a obra vicária de Cristo. Ele não fala de si mesmo, pois seu
ministério, no contexto trinitário, é o de intérprete eficiente e convincente do Filho, o
Verbo encarnado. Se aparecer um “espírito” ensinando outro evangelho, mesmo que as
diferenças se nos apresentem pequenas e sutis( grandes heresias podem estar nas sutilezas
doutrinárias), “seja anátema”( cf Gl 1. 8, 9). O Espírito Santo, pois, não é um revelador de
“novidades”; é o comunicador da revelação consumada em Cristo Jesus.
ESPÍRITO SANTO, MESTRE E ILUMINADOR DA IGREJA
Jesus não nos enviou ( deu-nos) o Espírito para ser o profeta e o sacerdote de
novas revelações, um tipo de “terceiro testamento”, mas para ensinar-nos as Escrituras
reveladas pelo Verbo e nele consumadas. Jesus, ao comissionar o Paráclito, define com
clareza o seu papel:
a- Ensinar o Evangelho: “O Espírito Santo, a quem a Pai enviará em meu nome,
esse vos ensinará todas as coisas”( Jo 14. 26a).
b- Manter a memória da mensagem, dos fatos e atos redentores em Cristo Jesus:
“Ele vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”( Jo 14.26b).
c- Testemunhar de Cristo: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos
enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de
mim”.( Jo 15.26).
BREVE CATECISMO
d- Convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo: “Quando ele vier
convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em
mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque o príncipe
deste mundo já está julgado”( Jo 16. 8- 11).
e- Anunciar com fidelidade como arauto de Cristo e guia do crente: “Quando vier,
porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si
mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as cousas que hão de vir. Ele
me glorificará porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar”( Jo 16. 13- 15).
Paulo, teólogo da graça e do Espírito, legou-nos memoráveis ensinos sobre o
Paráclito. Destaquemos alguns:
a- Sem o ministério do Espírito a redenção não se torna eficaz para o eleito: “Se
alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”( Rm 8.9b). “Se habita em vós o
Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a
Cristo Jesus dentre os mortos, vivificará também os vossos corpos mortais por meio do
seu Espírito que em vós habita”( Rm 8. 11).
b- A Igreja e cada um de seus membros são guiados pelo Espírito: “Pois todos
os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”( Rm 8.14).
c- A certeza da salvação vem do Espírito: “O próprio Espírito testifica com o
nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros
de Deus e co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para que também com ele
sejamos glorificados”( Rm 8. 16,17).
d- Espírito como Intercessor: “Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste
em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito
intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis”( Rm 8. 26).
Sem a instrumentalidade do Espírito Santo nenhum pecador se converte e
ninguém, verdadeiramente, se introduz na comunhão dos eleitos.
(*) É correta a formulação catecismal: Deus o Pai; Deus o Filho; Deus o Espírito Santo, usando o aposto como cláusula
explicativa. Incorreto, porém, é dizer: Deus Pai; Deus Filho; Deus espírito Santo, pois implica em tricotomizar a divindade. A nossa fé
é monoteista, jamais triteista. A Trindade não é um panteon de três divindades, mas um só Deus em três pessoas.
BREVE CATECISMO
VOCAÇÃO EFICAZ
Pergunta 31. “O que é vocação eficaz?
Resposta: Vocação eficaz é a obra do Espírito de Deus( II Tm 1. 8 9; Ef 1.18, 20),
pela qual, convencendo-nos de nosso pecado e de nossa miséria( At 2. 37), iluminando
nossos entendimentos no conhecimento de Cristo( At 26. 18), e renovando nossa vontade(
Ez 11. 19; 36. 26, 27), nos persuade e habilita a abraçar Jesus Cristo, que nos é oferecido
de graça no Evangelho”( Jo 6. 44, 45; Fp 2. 13; Dt 30. 6; Ef 2. 5).
ELEITOS VOCACIONADOS
Todos os eleitos do passado, do presente e do futuro foram, são e serão
eficazmente chamados, inseridos no corpo dos redimidos em Cristo, regenerados e
preservados. O meio ordinário de chamamento é a Palavra de Deus. O aplicador da
mensagem redentora é o Espírito Santo. O Redentor dos eficazmente vocacionados é
exclusivamente Jesus Cristo, Pastor das ovelhas. O proprietário do rebanho é o Pai( Jo 6.
37, 39, 44; 17. 6, 9, 24).
A eficácia da vocação depende da eleição. O mesmo Deus, porém, que elege um
povo em Cristo Jesus, predestina também os meios adequados e eficientes de
chamamento. Portanto, podemos e devemos aceitar que:
a- Nenhum eleito fica sem a vocação eficaz promovida pelo Espírito Santo.
b- Todos os predestinados são regenerados e salvos por Jesus Cristo, pois somos
nele escolhidos: “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para
sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para
adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade( Ef
1.4,5 cf Ef 1. 11; Rm 8.29, 30; 11.36). Sobre a absoluta eficácia da vocação dos eleitos
em Cristo Jesus a Confissão de Fé de Westminster doutrina: “Todos aqueles a quem Deus
predestinou para a vida, e só esses, é ele servido chamar eficazmente pela sua Palavra e
pelo seu Espírito, no tempo por ele determinado e aceito, tirando-os daquele estado de
pecado e morte em que estão por natureza para a graça e salvação em Jesus Cristo( Rm
11.7; 8.30; II Ts 2.13,14; Rm 8.2; II Tm 1. 9,10). Isto ele o faz, iluminando os seus
entendimentos, espiritual e salvadoramente, a fim de compreenderem as coisas de Deus(
At 26.18; I Co 2.10-12), tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes corações de
carne( Ez 36.26), renovando as suas vontades e determinando-as, pela sua onipotência,
para aquilo que é bom( Ez 11.19,20; 36.27; Fp 4.13; Dt 30.6), e atraindo-os eficazmente a
Jesus Cristo( Jo 6. 44,45), mas de maneira que eles vêm mui livremente sendo para isso
dispostos pela sua graça”( Jo 6. 37)(1). O Espírito Santo, missionário divino,
normalmente vocaciona os eleitos pelo Evangelho da graça, mas pode chamá-los e salválos
em Jesus Cristo por outros meios, inclusive a vocação interna. Entre os supostamente
excluídos estão; as crianças, os que nunca ouviram a mensagem redentora das Escrituras,
os deficientes mentais. Sobre esta delicada questão teológica a Confissão de Westminster
assim se pronuncia: “As crianças eleitas, que morrem na infância, são regeneradas e
salvas por Cristo, por meio do Espírito Santo que opera quando, onde e como lhe apraz.
Do mesmo modo são salvas todas as outras pessoas eleitas, incapazes de serem
exteriormente chamadas pelo ministério da palavra”( Gn 17. 7; Lc 18. 15, 16; At 2.39;
4.12; Jo 3. 8; I Jo 5. 12)(2). O Espírito, no entendimento da Confissão de Westminster,
BREVE CATECISMO
faz chegar a graça redentora, a salvação realizada por Cristo Jesus, ao coração e à mente
de todos os escolhidos. Nenhum eleito, portanto, se perde. O mesmo Deus que preordena
para vida eterna, ordena o chamamento eficaz. Sobre a situação dos reprovados, os que
receberam o chamado externo da Palavra de Deus, rejeitando ou apenas aderindo; os que
não o ouviram e os impossibilitados de ouvi-lo, certamente não se salvarão( Mt 22. 14;
13. 20, 24; Jo 6. 64-66; I Jo 2. 19; Hb 6. 4). O Espírito tem a missão de convocar para
Jesus Cristo os que lhe são destinados pelo Pai. Os reprovados que se aderem à Igreja do
Cordeiro o fazem por razões outras, não por vocação eficaz. Neles, moradas alheias, o
Espírito de Deus não habita, mesmo estando no rol da Igreja.
VOCAÇÃO EFICAZ, OBRA DO ESPÍRITO.
A vocação eficaz é obra do Espírito de Deus em nós:
a- Convence-nos de nosso pecado e do nosso estado de miserabilidade diante do
imaculado Redentor.
b- Ilumina a nossa mente para compreendermos a revelação em tudo o que for
necessário à santificação, à comunhão com Deus, à fraternidade cristã e ao ministério.
c- Cria em nós profundo amor a Cristo, sincero respeito à Palavra de Deus,
reverência e submissão ao Salvador, impulso missionário, e espírito fraternal na
comunidade da fé.
Segundo a nossa compreensão do ordo salutis, fundamentada nas Escrituras, o
processo redentor se estabelece na seguinte ordem: Eleição pelo Pai; vocação eficaz pelo
Espírito; redenção por Jesus Cristo; santificação pelo Espírito. A redenção, segundo nos
parece, segue o esquema: Chamado, arrependimento, conversão, regeneração,
santificação. Muitos entendem, porém, que conversão e regeneração são atos ou fatos
salvíficos idênticos, não apenas simultâneos.
BREVE CATECISMO
ELEITOS NA IGREJA MILITANTE
Pergunta 32. “De que bênçãos participam, nesta vida, aqueles que são
eficazmente chamados?
Resposta. Aqueles que são eficazmente chamados participam, nesta vida, da
justificação( Rm 8.30), adoção( Ef 1.5) e santificação, e das diversas bênçãos que
acompanham estas graças ou delas procedem”( I Co 1.30).
Bênçãos imediatas dos chamados:
01- A do próprio chamamento.
O chamado de Deus pela mensagem das Escrituras é levada a milhões de seres
humanos por todos os meios possíveis, mas o próprio Jesus reconhece que a sua eficácia
depende da “boa terra”, isto é, da eleição: “Eis que o semeador saiu a semear. E, ao
semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves a comeram. Outra parte caiu
em solo rochoso onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra.
Saindo, porém, o sol a queimou; e porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os
espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra, e deu
fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um”( Mt 13.3-8 cf 13.18- 23). A ação da Palavra é
temporária e ineficaz no coração dos não eleitos, mas regeneradora, edificante e frutífera
na vida dos escolhidos. Pela intensidade e abrangência da evangelização a Igreja pode
receber inumeráveis aderentes, mas crentes verdadeiros, os de testemunho cristão e de
permanência na fé, serão exclusivamente os eleitos, os preordenados à recepção do
chamado e à redenção.
02- A da justificação.
Os verdadeiramente salvos são justificados por Cristo diante do Pai. Todos os
seres humanos são filhos da ira, nascem sob o pecado e não deixam de pecar. A
humanidade inteira, portanto, está debaixo da condenação divina. Deus, por sua infinita
misericórdia, salva em Cristo Jesus uma “semente” da massa falida, reprovada e rebelada.
Esta semente constitui-se dos remanescentes da humanidade, os eleitos. Eles não são
justos, não se justificam a si mesmos por absoluta impossibilidade: Cristo justifica-os
perante o trono do Pai e o tribunal do Juiz eterno. Assim, já nesta vida, embora pecadores,
incapazes e frágeis, os eleitos em Cristo recebem a bênção da justificação e, por esta, a
garantia da vida eterna: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”( Rm
8.30).
03- A da adoção.
Imagine uma multidão de meninos de rua, sem pai e sem mãe. Uma pessoa, de
quem nunca se ouviu falar, escolhe um deles, e o mais feio, o mais doente e o mais
debilitado; leva-o para sua casa; cuida de sua saúde; registra-o como filho; dá-lhe
ambiente moral, social, psicológico, cultural e; integra-o na fraternidade doméstica;
concede-lhe direito à herança familiar. Semelhantemente Deus fez conosco: dos milhões
de reprovados, marginalizados e rejeitados, ele nos escolheu, adotou-nos como filhos,
transformou-nos em irmãos de seu Filho amado, agraciou-nos com a herança da vida
BREVE CATECISMO
eterna( Ef. 1.5 cf Rm 8.14- 17), e tudo isto por obra da graça, pois nada existe no
escolhido que o torne merecedor da escolha.
04- A da santificação.
A santificação não começa quando o homem “ se chega a Deus”, mas quando, e
sempre, o Salvador se chega ao homem por meio de Cristo, Revelador de Deus e revelado
pelo Espírito. Também não se dá quando o homem “separa Deus” para si e o faz objeto
de seu amor e de suas devoções religiosas e místicas. A santificação resulta de um ato da
livre e graciosa vontade de Deus na eleição, justificação e regeneração do eleito por meio
da exclusiva obra do Eleito dos eleitos, Jesus Cristo. Somente Deus opera tudo em todos
os escolhidos: a eleição, a vocação eficaz, a redenção e a santificação. O reprovado, com
desejo e esforço, não se santifica. Podemos afirmar, com sólida base bíblica, que a
santificação real, crescente e permanente, é conseqüência e sinal da eleição: “Assim como
nos escolheu nele antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele”( negrito nosso); em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos
por meio de Jesus, segundo o beneplácito de sua vontade”( Ef 1.5 cf I Ts 5. 13; Hb 13.
20, 21). A vontade de Deus atua de tal maneira no regenerado, templo do Espírito, que o
seu livre arbítrio, os seus desejos, as suas ações, embora lhe pareçam voluntárias, e
realmente o são, procedem da direção do Espírito Santo, que nele habita. E então,
consciente da direção divina, ele pode clamar com o seu irmão Paulo: “Logo, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mm”( Gel 2.20a). Deus nos separou para sermos seus
filhos peculiares e exclusivos. O verdadeiro crente, isto é, o eleito, nada tem com a
mundanidade, a carnalidade, a concupiscência, a lascívia e todas as formas de
pecaminosidade. Pode pecar, e efetivamente peca, mas isto lhe traz tristeza, angústia e
sincero arrependimento. O mundano, porém, se relaciona bem com o pecado e até dele se
utiliza para seus “sucessos”.
Santificação não é meio pelo qual o redimido busca Deus; é a estrada na qual
Deus caminha com o seu escolhido a jornada da fé. Quanto mais o servo anda com o seu
Guia, o Senhor, mais íntimo dele se torna, mais confiante em sua proteção, mais submisso
à sua vontade.
BREVE CATECISMO
JUSTIFICAÇÃO MEDIANTE A FÉ
Pergunta 33. “O que é justificação?”
Resposta: Justificação é um ato da livre graça de Deus, no qual ele perdoa todos os
nossos pecados( Ef 1. 7) e nos aceita como justos diante de si( II Co 5. 19, 21; Rm 4. 5;
3.22- 25), somente por causa da justiça de Cristo a nós imputada( Rm 5.17-19; 4.6-8); e
recebida só pela fé”( Rm 5.1; At 10.43; Gl 2.16; Fp 3.9).
Igreja e obras não justificam
Justificação não é um “atestado de bons antecedentes” que o pecador exibe como
credencial de ingresso na vida eterna. Não se compara, por outro lado, com um “nada
consta” da instituição religiosa a que pertence ou pertenceu na existência terrestre.
Nenhuma igreja pode, à luz das Escrituras, “beatificar” ou “canonizar” qualquer de seus
fiéis fundamentada em suas “boas obras” e na exibição de seu misticismo denominacional.
O perfecionismo externo pode não passar de farisaísmo. E mais, a Igreja não tem, em si
mesma, poder justificador ou remidor. Seus múnus são: querigmático, didático e
testemunhal. O indivíduo não se justifica por suas obras pias e caritativas; não é justificado
pela Igreja a que pertence, mas exclusivamente por Deus em Cristo Jesus. A Igreja pode
incluir no rol institucional ou dele excluir um membro, mas não lhe compete determinar
quem deve ou não entrar no reino celeste. Justificação é obra da livre graça de Deus
planejada e realizada por e em Cristo Jesus. A Igreja é o objeto, o fruto e a beneficiária da
obra redentora do Cordeiro. Nela a graça justificadora visibiliza-se e se concretiza
socialmente. Nem todos os membros da Igreja visível são justificados como nem todos os
israelitas foram salvos.
A justificação
A doutrina catecismal, firmada no pensamento calvinista da eleição, da graça e do
soberano poder redentor de Deus, ensina:
a- A justificação é ato da livre graça de Deus. Deus, pela sua infinita
misericórdia e soberana vontade, justifica os seus eleitos em Cristo Jesus, seu Filho amado.
b- Pelo ato justificador o escolhido é declarado justo na pessoa do novo
Adão, Jesus Cristo, o cumpridor integral da lei em seu lugar e a vítima vicária dos seus
pecados. Justo, somente Deus. Nós fomos, somos e continuaremos sendo pecadores
justificados. Pecadores sim, mas não mais escravos do pecado, que continua em nós e nos
atormenta, mas não nos derrota. A justiça de Cristo a nós imputada nos justifica, isto é, nos
torna pecadores aceitos diante de Deus.
c- Somos aceitos por Deus em Cristo Jesus. Todos nós, eleitos, somos
justificados em Cristo Jesus por identificação com ele mediante inserção em sua pessoa;
nele morremos e ressuscitamos; com ele vivemos e militamos. O Pai, ao receber seu Filho
ressurreto e glorificado, recebe nele e com ele os filhos eleitos, justificados e adotados. O
Filho amado de Deus, ao tornar-se nosso irmão pela encarnação, incluiu-nos na filiação
eterna do Pai. Assim como nada fizemos para ingressar no mundo físico, nada se requereu
de nós no soberano e gracioso ato de filiação, pelo qual nos tornamos herdeiros da vida
BREVE CATECISMO
eterna e co-herdeiros com Jesus Cristo, o primogênito de muitos irmãos, de sua glória
celeste.
d- Justificação mediante a fé. Os eleitos são equipados com o dom da fé
salvadora, e esta gera neles o livre arbítrio da crença em Deus e da aceitação de Cristo, mas
de maneira natural, existencial e espontânea. Assim como a ausência de fé cria o incrédulo,
e ele se diz livre para negar a divindade, a presença da fé faz nascer o crente, e tudo se lhe
enquadra no esquema próprio volitivo de suas opções mentais, sentimentais, emocionais e
racionais. A fé, carisma divino, é o múnus libertador do eleito para a compreensão e
aceitação de Deus, para submissão a Cristo e missão evangélica.
As Escrituras não dizem que somos justificados por causa da fé. Ela não é motivo,
base ou agente justificador, mas um equipamento instrumental carismático de capacitação
do eleito para recepção da graça( Rm 3. 25, 28, 30; 5. 1; Gl 2. 16; Fp 3. 9). A fé não
promove a justificação, se isso acontecesse, a salvação não mais seria pela graça, mas pelas
obras; não dependeria de Deus, mas dos homens. A salvação pela graça mediante a fé, sem
qualquer operação ou cooperação humana, é claríssima nas Escrituras: “E Estando nós
mortos em nossos delitos e pecados, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois
salvos”. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de
Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”( Ef 2.5, 8 cf Rm 5.1; At 10.43; Gl 2. 16;
Fp 3. 9).
Em resumo: Deus, pela graça, estabelece os meios de redenção:
a- Deu-nos a fé para que por ela nos apropriemos de Cristo.
b- Mandou-nos seu Filho como executor do plano de salvação( ordo salutis).
c- Doou-nos o Espírito Santo, que desperta em nós o dom da fé e nos aplica os
benefícios da redenção realizada por Cristo.
d- Coloca os justificados, seus filhos, na família da fé e nela os mantém pela graça.
BREVE CATECISMO
ADOÇÃO
Pergunta 34. “O que é adoção?
Resposta: Adoção é um ato da livre graça de Deus( I Jo 3.1), pelo qual somos
recebidos no número dos filhos de Deus, e temos direito a todos os seus privilégios”( Jo
1.12; Rm 8.14-16).
Adoção em Israel.
Israel tinha dois tipos muito significativos de adoção:
a- Adoção por concubinato.
O Velho Testamento nos revela que a filiação era, prioritariamente, uma herança
paternal. O fundamental para a perpetuação da família e garantia do pacto era a
paternidade, de preferência pela geração de filhos com a esposa legítima. A mulher era
abençoada pela maternidade. Sendo estéril, deveria ser mãe de descendentes de seu
marido por meio da concubina, a mãe substituta. O concebido da concubina possuía
filiação biológica do marido e adoção por parte da esposa. Contextualizando, podemos
dizer que a concubina era um tipo de “barriga de aluguel”.
O conceito predominante naqueles tempos, mais de natureza teológica que
científica, era: o homem fornece a vida; a mulher recebe-a, agasalha-a no seu próprio
corpo, protege-a, desenvolve-a. A idéia de que a vida do filho procedia do esposo, agente
da concepção, ficando a mãe na posição de instrumento receptor, viabilizador, gestador e
amparador do ser gerado, fornecia a riquíssima imagem da relação de Deus, o Pai dos
eleitos, com a Igreja, sua esposa, em cujo corpo, fecundado pelo Espírito, gera e cria os
seus filhos.
b- Adoção de escravos.
Os judeus podiam ter escravos estrangeiros por compra, por captura e por
nascimento. Era-lhes também facultado o direito de possuírem escravos compatriotas por
aquisição monetária direta, por pagamento de dívidas, por auto-escravidão de
inadimplentes e por natalidade. Os escravos judeus, especialmente os nascidos em casa,
podiam ser adotados, e muitos efetivamente o foram. A excepcionalidade também se
nota: adoção de estrangeiro( Gn 15.2,3). Tais escravos adotados, judeus ou gentios,
vieram a ser figuras dos “douloi” de Cristo no Novo Testamento. Deve ser lembrado que
o escravo não era dono de si mesmo: de seu corpo, de sua vida, de sua capacidade, de sua
produtividade; em suma: era um ser pertencente a outro ser. Nossa relação com Deus é
assim: escravos como filhos adotados: antes, ninguém e nada; agora, filhos e herdeiros.
Somos gerados por Deus, o Criador; adotados por Jesus Cristo, o Salvador;
guiados pelo Espírito Santo, o Pedagogo de todos os filhos de Deus.
Filiação por adoção.
A ênfase e a base prioritária da filiação natural fundamentam-se na
consangüinidade parcial ou total. A filiação por adoção, no entanto, se firma na escolha
preferencial, geralmente seletiva, do adotante. Um pai adotivo pode ter escolhido o filho
adotado por vários motivos: Esterilidade da esposa, desejo de ter uma criança de sexo
oposto à dos filhos naturais ou por impulso caritativo do tipo: “Adote um menino de
rua”, e outros. A escolha em si pode ter elementos orientadores preferenciais como: cor,
BREVE CATECISMO
raça, sexo, idade, sanidade física e mental, procedência do escolhido. As crianças, geradas
por estupros, já nascem, se lhes permitem nascerem, de modo geral, com o estigma da
rejeição. Deus, porém, não necessita de nada e de ninguém. Ele escolhe, justifica e adota
os seus escolhidos como filhos diletos sem quaisquer condicionamentos motivadores
próprios da natureza psicológica como: carências afetivas, irrealização paternal ou
solidão, pois ele é auto-suficiente, completo e absolutamente perfeito. A adoção divina,
por outro lado, não se realiza com base nos méritos virtuosos patentes ou potenciais do
adotado e nem como atitude caritativa em decorrência da miserabilidade do candidato à
filiação adotiva. Não nos tornamos filhos de Deus nem por merecimento nem por
carência ou pobreza. A adoção é ato da livre e incondicional graça de Deus.
A doutrina da filiação por adoção, evitando inferências heréticas, ensina-nos:
a- A nossa filiação divina em nada se assemelha à de Jesus Cristo, o eternamente
gerado Filho de Deus, não emanado do ser do Pai, da mesma essência e natureza da
Primeira Pessoa trinitária e da Segunda.
b- Todos os seres humanos são filhos do Criador por criação, não por geração. A
queda os deserdou da herança da vida e das bem-aventuranças eternas. Os eleitos, porém,
justificados, regenerados, redimidos e santificados, são filhos por adoção com direito à
real e espiritual paternidade divina e à herança da existência e da glória celeste. Os
adotivos do Pai são co-herdeiros com Cristo tanto nos sofrimentos terrestres como na
glorificação porvir. O Filho de Deus fez-se nosso primogênito para que nos tronássemos
idênticos a ele como seus irmãos submissos, obedientes e dignos da irmandade da fé, a
Igreja.
c- Os filhos de Deus são amados por ele; amam-no, andam nos seus caminhos por
vontade, por amor, por obediência. Quem não esmera para fazer a vontade do Pai não é
seu filho.
BREVE CATECISMO
SANTIFICAÇÃO
Pergunta 35. “Que é santificação?
Resposta: Santificação é obra da livre graça de Deus( II Ts 3. 13), pela qual somos
renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem de Deus( Ef 4.23, 24), habilitados a
morrer cada vez mais para o pecado e viver para a retidão”( Rm 6.4, 6, 14; 8.4).
O QUE É SANTIFICAÇÃO
Santificação é o crescimento espiritual do eleito em Cristo Jesus. Começa na
regeneração e termina com a morte. Sendo obra da livre graça do Deus, que realiza em nós
tanto o querer como o realizar( Fp 2. 12, 13), a santificação do redimido, no curso de sua
existência terrena, é suficiente, segundo a media da fé que o Salvador concede a cada salvo.
O Senhor e Doador da vida preordena a eleição e ordena a santificação. Somos
predestinados para, em Jesus Cristo, sermos santos e irrepreensíveis perante o Pai( Ef 1. 4).
Cada eleito é preordenado para: a- Aceitação de Jesus Cristo e irrestrita submissão a ele. b-
Nascer de novo mediante a conversão e a regeneração conforme a livre obra da graça de
Deus. c- Ser santificado continuamente por intermédio do Espírito Santo que nele habita. d-
Tornar-se filho de Deus por adoção em Cristo Jesus. e- Ser habilitado para louvar o
Redentor e glorificá-lo para sempre. f- Viver na irmandade dos co-regenerados, a Igreja. g-
Receber, parcialmente nesta vida e plenamente na existência eterna, a herança que o Pai
reservou para seus filhos adotados por meio de seu Filho dileto( Cf Ef 1. 1- 14).
Santificação não é um caminhar progressivo do humano em direção ao divino.
Jamais a criatura se equiparará, por quaisquer princípios, métodos e meios, ao Criador, pois
homem é homem e Deus é Deus( Is 55. 8, 9; Nm 23. 19). Por sua ilimitação Deus pode
descer ao universo dos seres humanos, e efetivamente o fez pela encarnação do Verbo. O
homem, porém, limitado por natureza, está absolutamente impossibilitado de subir ou
crescer até atingir a inacessível perfeição do Santíssimo. A santificação é o
desenvolvimento beatífico do ser humano, tendo como ponto de partida a regeneração e o
de chegada o fim da peregrinação terrestre, que, certamente, não acontecerá antes que o
salvo, pela misericórdia de Deus, atinja a estatura de varão perfeito( Ef 4. 13), não pela sua
avaliação, mas segundo a idealidade e os propósitos do Salvador. A santificação, portanto, é
o meio pelo qual Deus leva o eleito à plenitude de sua verdadeira humanidade( tal como
Jesus Cristo), reconciliado com o Criador, conformado à sua vontade, reconstruído à
imagem e semelhança do Salvador. O seu objeto, ação e limite é o ser humano, nada e
nunca além dele. A santificação, obra do Espírito no regenerado, recoloca-o no plano de
normalidade humana diante de Deus; não gera super-homem, não degenera o justo em
asceta, não transmuda humanos em anjos, não transforma pecadores em “santos”
beatificáveis ou canonizáveis.
SANTIFICAÇÃO, GRAÇA DIVINA.
Deus é Santo em si mesmo. Santidade pura e absoluta é um de seus atributos
essenciais. Nele não há profanidade, fragilidade, defeito, contradição, pecaminosidade. Em
BREVE CATECISMO
seu ser o sagrado não se mistura com o profano. O homem, porém, profanizado pelo
pecado, desespiritualizado, somente se santifica pela obra misericordiosa de Deus em
Cristo Jesus e aplicada pelo Espírito Santo. A santificação, restauração da criatura à
imagem de seu Criador, restringe-se aos eleitos nos quais Deus opera o nascimento e o
crescimento. Santificação, pois, é o desenvolvimento espiritual exclusivo do regenerado. A
regeneração estabelece a base e os condicionamentos da santificação; o Espírito Santo, que
habita o regenerado, cria nele o desejo, a vontade pessoal, e o esforço próprio de
santificação. Como a salvação, a santificação é também obra da exclusiva graça de Deus,
que estabelece no salvo a operação da cooperação santificante.
Além do ministério do Espírito Santo no interior do regenerado, Deus usa meios
santificadores externos como: As Escrituras, a Igreja, o culto comunitário e doméstico, as
orações individuais, as meditações pessoais, os sacramentos. Os santos, por eleição,
beneficiam-se de todos os meios providenciais de santificação.
O irregenerado, pelo fato de não ter nascido de novo, não se santifica. Pode até, pela
religiosidade ambiental e pela boa educação, possuir virtudes morais e valores espirituais,
mas não santificação no sentido teológico do termo. O indivíduo não produz e nem
promove a sua própria santificação. A Igreja também não o fará em seu lugar ou em seu
benefício por meio de indulgências, imposição de penitências, submissão às suas leis
eclesiásticas, transferência de méritos de Cristo, da Virgem e dos santos, perdões de
pecados, sacrifícios incruentos das missas, intercessões sacerdotais.
Santificação, sendo obra da livre graça de Deus, não pode ser: a- Conquista de
méritos perante a divindade por meio de boas obras caritativas e místicas. b- Fuga do
mundo por meios ascéticos, abstininências, celibato, voto de pobreza, jejuns penitenciais,
rezas intermináveis. b- Busca do “batismo espiritual” pelo método da ascese beatífica até
atingir o grau máximo, último passo de santidade, ponto em que se recebe o Espírito.
Não é o pecador que busca Deus; é Deus que busca o pecador.
BREVE CATECISMO
BÊNÇÃOS TEMPORAIS DOS SALVOS
Pergunta 36. “Quais são as bênçãos que nesta vida acompanham a justificação,
a adoção e a santificação?
Resposta: “As bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção e a
santificação, ou delas procedem, são: Certeza do amor de Deus, paz de consciência, alegria
no Espírito Santo( Rm 5.1 2,5; 14.17), aumento de graça( Cl 1. 10,11; Pv 4.18; Ef 3.16-18;
II Pe 3. 18) e perseverança nela até ao fim”( Jr 32. 40; I Jo 2. 19, 27; Ap 14.12; I Pe 1.5; I Jo
5.13).
A justificação, a adoção e a santificação são bênçãos capitais imerecidas
provenientes do incondicional amor de Deus. Ao pecador inábil, totalmente desprovido de
méritos, de condições pessoais, de livre agência, de capacidade própria para salvar-se,
revertendo o quadro que lhe é totalmente desfavorável, cabe apenas a sincera gratidão ao
Redentor expressa na adoração constante, na humilde submissão e no vivo testemunho. As
imensas graças da redenção e da santificação são matrizes geradoras de incontáveis bênçãos
temporais, sinais sensíveis e visíveis de que a realidade eterna já se faz presente na vida e
na história de cada servo de Cristo. Ei-las, conforme o ensino do Breve Catecismo:
a- Certeza do amor de Deus
O amor de Deus não contém nada, absolutamente nada, de sexualidade, de
sentimentalidade, de afinidade condicional, de preferencialismo psicológico, de seletismo
passional. Nenhum filho eleito é excluído do amor do Pai por defeitos internos de natureza
psíquica ou externos de ordem física, social, racial ou cultural. Deus ama
incondicionalmente. Fundamentado e apoiado na incondicionalidade do ágape divino, o
redimido tem certeza de que é sincera e absolutamente amado por seu Redentor em todos os
momentos de sua existência, em quaisquer circunstâncias de sua vida. Tal amor é sentido,
experienciado e usufruído pelo cristão autêntico em decorrência de sua presença no seu
íntimo e de suas manifestações concretas em seu ser e no mundo circundante. O Espírito
Santo, que habita o crente, dá-lhe a consciência da amorosa companhia de Deus. O Pai que
nos adotou, justificou-nos e nos santifica não nos abandona, não nos atira na bastardia, não
nos joga na solidão. Não há filho de Deus na bastardia e na solidão, o que representa
imensuráveis bêncãos num mundo de ingratidões, infidelidade, desamor e traições.
b- Paz de consciência
A paz de consciência é uma característica da nova criatura cujo ser se revestiu de
espiritualidade. Nele o espiritual predomina, em quaisquer circunstâncias, sobre o carnal.
Embora pecador, sujeito aos mesmos desejos e carências de todos os homens, possui, por
dádiva divina, a vida eterna, a presença do Consolador, o perdão dos pecados, o amor do
Pai, o dom da fé, a graça da esperança. Quando o sentimento de culpa e de pecado
atormenta-lhe a consciência, recorre a Deus em confissão sincera e recebe o alívio do
perdão. Sua consciência de filho da promessa é imperturbável em virtude da submissão
irrestrita a Jesus Cristo e da direção firme e santa do Espírito de Deus.
c- Alegria no Espírito Santo
O Espírito Santo, atuando no mecanismo psicossomático do organismo, produz no
regenerado gozo, prazer e alegria espirituais, gerando um estado e manifestações jubilosas
BREVE CATECISMO
completamente diversos e acima do hilarismo e do hedonismo sensórios. A alegria, dom do
Espírito, é uma condição natural do servo de Deus, que não tem motivo para acalentar
tristezas em seu coração, pois é ovelha de um Pastor, que não lhe deixa faltar coisa alguma.
d- Aumento da graça
A santificação, operação continuada do Espírito na vida do crente, aumentalhe,
progressiva e profundamente, a consciência, o sentimento e a experiência de
comunhão, cada vez mais íntima, com Deus. O amor de Deus é imutável; não progride e
nem regride. Porém, o nosso amor a ele, pela graça da santificação, evolui na medida do
crescimento espiritual, pois fomos eleitos, adotados, justificados, e estamos sendo
santificados para atingirmos a estatura de pessoas humanas reais e ideais, conforme
predetermina e requer o Criador.
e- Perseverança na graça
A obra de Deus é completa e permanente em nós. A adoção, a justificação e
a redenção são irreversíveis. A imutabilidade, a perfeição e o infinito amor de Deus em
Cristo Jesus garantem a perseverança dos escolhidos e salvos. “Não é o crente que não
perde a salvação; é o Salvador que não perde o Salvo”(O. Figueiredo em “Perseverança dos
Santos, Certeza da Salvação”, pág. 4). A perseverança fundamenta-se na eleição e se firma
do poder de Deus, proprietário exclusivo do salvo, transformador da vontade do regenerado
e doador da nova e eterna existência. Cristo vive em nós( Gl 2. 20) para vivermos
eternamente nele. E mais, é Deus quem opera no salvo tanto o querer como o realizar( Fl 2.
13). Perseveramos porque o Pai, que nos elegeu, não ab-roga adoção de filhos em Jesus
Cristo, não anula a justificação, não reverte a regeneração ao estágio anterior. No Pai eterno
e soberano o filho está absoluta e permanentemente seguro, e sua vontade é expressão cada
vez mais consciente da vontade de seu Redentor.
BREVE CATECISMO
A MORTE DO JUSTO
Pergunta 37. “Quais são as bênçãos que os crentes recebem de Cristo na hora
da morte?
Resposta: As almas dos crentes, na hora da morte, são aperfeiçoadas em
santidade, e imediatamente entram na glória( Lc 23. 43 16. 23; Fp 1. 23; II Co 5.6-8); e
seus corpos, estando ainda unidos a Cristo( I Ts 4.14), descansam na sepultura até à
ressurreição”( Rm 8.23; I Ts 4.14).
Morte, fim e princípio
Helenismo. O misticismo grego, órfico e pitagórico, sistematizado por Platão,
impregnava o pensamento grego da crença dicotômica de que a matéria, má em si mesma,
era a fonte de toda malignidade da existência física. A psique( alma), por outro lado,
sendo essencialmente imaterial, proveniente de um plano superior, o reino e a fonte das
idéias e da luz, pensavam os helenos, não pertencia ao universo física e com ele não se
identificava e não se interagia. O corpo, elemento inteiramente passivo, funcionava como
cárcere, e dos mais terríveis, da alma. A morte, em decorrência de tal filosofia, era mais
desejável que o nascimento, especialmente para os que morriam, depois de uma
existência virtuosa, com a honra dos sábios, com o laurel dos heróis ou com a glória dos
mártires. Do conceito de antagonismo radical entre “psique e soma” surgiram idéias
influenciadoras do pensamento cristão, embora antibíblicas, heréticas. Eis slgumas:
a- O corpo funciona como meio purgatorial da alma. Privá-lo dos prazeres e dos
desejos sensórios e martirizá-lo é o melhor caminho da purificação.
b- As qualidades intelectivas e racionais do homem são “faculdades da alma”, não
funções cerebrais. O homem é um ser dicotômico, não uma unidade( psicossoma),
constitui-se de corpo e alma, não idênticos, não unívocos, não associáveis.
d- A alma tem de lutar muito para se manter limpa num corpo sujo, pecaminoso,
concupiscente, além de limitador e escravizante.
e- As transmigrações por meio de sucessivas reencarnações constituem processos
necessários de aperfeiçoamento da alma. As reencarnações começam num estágio inferior
e terminam num superior, ponto em que o espírito atinge a “perfeição”.
f- Tanto a genialidade como a anormalidade são heranças de vidas pregressas. De
tudo isso se retira uma absurda conclusão: o corpo imundo corrompe a alma; a alma
corrompida purifica-se no corpo imundo.
Pessimismo. Eclesiastes, literatura sapiencial, tem uma posição pessimista da
vida, certamente por causa das perversão reinante e dos sofrimentos naturais, existenciais,
acidentais e contingenciais de todos os seres humanos( Ec 4. 1-3; 7. 1- 8), chegando a
dizer: “O dia da morte é melhor do que o dia do nascimento”( Ec 7.1). Neste caso, a
morte é o fim de uma existência inglória depois de liquidada pelos padecimentos
constantes, vencida pelas derrotas, enfraquecida pelas doenças ou debilitada pela
senectude.
Materialismo. O materialista atém-se exclusivamente ao material, estimulante
dos sentidos. Entende que a existência é puramente animal, biológica, e que se deve
extrair da vida o máximo possível de prazeres, pois a morte é o fim de tudo: “Comamos e
BREVE CATECISMO
bebamos, que amanhã morreremos”( I Co 15.32). O materialismo produz a mais
traumatizante desesperança no coração dos miseráveis, dos idosos, dos enfermos
terminais incrédulos.
Morte, vencida.
A morte, salário do pecado, a mais temível inimiga do homem, foi derrotada por
Cristo na ressurreição, nada mais podendo contra os regenerados. A morte física, terrível
para Jesus Cristo, o seu vencedor, passou a ser, para o redimido, uma separação
momentânea entre o corpo, destinado à ressurreição, e o espírito, recolhido por Jesus
Cristo na comunidade celeste, a Igreja triunfante. O pecado, que durou do nascimento à
morte, desapareceu. O espírito, justificado, permanece com o Salvador em sua glória. O
corpo, aguardando a ressurreição, levantar-se-á incorruptível, recebendo de volta o seu
espírito. A morte física não mata o crente: não liquida a sua alma, não extermina o seu
corpo. No corpo ressurreto, segundo a promessa, a imortalidade se efetivará
integralmente, e o homem, exatamente como o Criador o quer, será uma perfeitíssima e
santa unidade pneumossomática diante do Redentor. O salvo não teme a morte; nela a
vida real tem o seu verdadeiro começo e sua realização final.
As bênçãos, pois, que o servo de Deus recebe na morte são:
a- A vitória inicial sobre a morte em Cristo Jesus pela preservação da alma no seio
de Abraão, onde se aguarda o triunfo final pela ressurreição do corpo, ainda dominado
pelos poderes tartáricos.
b- O fim de seu estado pecaminoso. Nenhuma herança pecaminosa o redimido
leva para a eternidade; nenhuma restrição, penalidade ou castigo, além da desagradável
consequência da morte biológica, que separa o corpo da alma por determinado tempo,
sofrerá o resgatado e justificado por Jesus Cristo.
c- A saída de um mundo posto no maligno, repleto de fadigas, sofrimentos e
constantes angústias.
d- O encontro e permanência com o seu Redentor.
e- A esperança de retomada de seu corpo revestido de incorruptibilidade, sem as
marcas da mortalidade e do pecado.
Morte, glória do justo; juízo do ímpio.
BREVE CATECISMO
BÊNÇÃOS NA RESSURREIÇÃO
Pergunta 38. “Quais são as bênçãos que os crentes recebem de Cristo na
ressurreição?
Resposta: Na ressurreição, os crentes, sendo ressuscitados em glória( I Co 15. 42,
43), serão publicamente reconhecidos e absolvidos no dia do juízo( Mt 10. 32; 25. 33,
34), e tornados perfeitamente felizes no pleno deleite de Deus( Sl 16. 11; I Co 2. 9), por
toda a eternidade”( I Ts 4.17).
A morte física
A morte é um juízo permanente para os injustos. Estes, sofrendo os danos na e da
presente existência, ainda sofrerão, e com imensurável intensidade, na vida ressurreta,
pois, alienados de Deus e privados dos benefícios da graça, injustificados e irregenerados,
permanecerão eternamente na companhia de Satanás e seus anjos. A ressurreição dos
réprobos é para julgamento e condenação ao suplício eterno( Ap 20. 13-15; Mt 13.42; Mc
9. 42- 48). Para os injustos mortos, já no desagradável estado intermediário, a espera da
ressurreição lhes é horrível expectação.
Os justos vivos aguardam a morte física com a serenidade dos que confiam no
vencedor dos poderes tartáreos, Jesus Cristo. Os redimidos que partiram e estão,
desincorporados, na sala de espera do reino eterno com o Salvador, aguardam felizes o
glorioso dia da ressurreição, quando a unidade psicossomática, corpo-alma, livre da
contaminação e das deformadoras e degradantes conseqüências do pecado, se
restabelecerá para sempre. Então o ser humano, como Deus o criou e o deseja, louvará,
em pleno gozo, continua e incessantemente o seu Criador. Assim, a penalidade da morte,
imposta a todos os homens, tendo caráter temporário para os justos, reverter-se-lhe-á em
permanente glória no juízo final.
Os Santos Ressurretos
A morte põe fim ao atual corpo com todas as suas degenerações causadas pelo
pecado e pelo curso natural da bioexistência marcada pelo ciclo vital: nascimento,
crescimento, maturidade, reprodução, envelhecimento, falecimento. Deus, pelo milagre
da ressurreição, recriará o homem que, na peregrinação terrena, se encontrou com Jesus
Cristo, sendo por ele justificado, adotado, regenerado e agraciado com a herança da
possessão eterna. O ressurreto, servo de Deus, não levará para a vida eterna o mesmo
corpo com o qual foi sepultado. Levantar-se-á imortal, incorruptível, transformado,
aperfeiçoado, engrandecido, embelezado e glorificado. As doenças mortais, os
assassinatos, as execuções e os acidentes fatais agridem e deformam o corpo antes de
levá-lo a óbito. Depois ele passa por radical decomposição e se reincorpora ao solo de
onde os seus elementos biofísicos procederam. Do domínio da morte o Redentor faz
emergir um novo corpo, não exatamente com os mesmos componentes celulares, mas
com a mesma natureza, agora livre da malignidade intrínseca do pecado original e de
todas as más intenções. A bondade e a santidade serão marcas características e indeléveis
de seu estado ressurreto. Eis como Paulo descreve essa incrível transformação: “Semeiase
o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em
glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita
corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual”( I Co 15. 42-44). O
BREVE CATECISMO
presente corpo é natural; o ressurreto será espiritual, não somente espiritualizado, isto é,
o ressurreto entra definitivamente no universo espiritual, mas com um corpo adaptado ao
novo estado.
Reconhecido e identificado
A espiritualidade essencial e a dimensionalidade metafísica do corpo ressurreto
não alterarão os sinais identificadores, fisiológicos e psicológicos, do salvo glorificado
aos olhos inconcupiscentes de sua nova família, na qual todos serão igualmente íntimos.
O amor seletivo e o passional não mais existirão. Por outro lado, Deus identificará os
eleitos redimidos da multidão ressurreta, separando os justos dos ímpios, as ovelhas dos
bodes. Aos resgatados o Salvador dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! entrai na posse do
reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”( Mt 25. 34). E aos réprobos
sentenciará: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e
seus anjos”( Mt 25. 41).
Eternamente com Deus
A vida ressurreta será plena, santa e definitiva. Jamais haverá queda, pois o
tentador estará na prisão do hades para sempre e as tentações não mais penetrarão as
mentes regeneradas, purificadas e incorruptíveis dos redimidos. A convivência com Deus
se fundamentará no amor perfeito, na obediência natural, na reverência normal de filhos e
servos, no gozo da fraternidade celeste, na alegria da perfeição moral, da satisfação
espiritual, da realização completa e final dos ideais definitivos do ser humano: a
comunhão com Deus e com os irmãos em Cristo.
BREVE CATECISMO
O DEVER DA OBEDIÊNCIA
Pergunta 39. “Qual é o dever que Deus exige do homem?
Resposta: O dever que Deus exige do homem é a obediência à sua vontade
revelada”( Dt 29. 29; Mq 6. 8; I Sm 15. 22).
BÍBLIA, AUTORIDADE MÁXIMA
A Reforma estabeleceu o primado da autoridade da Palavra de Deus sobre a do
magistério eclesiástico, a da Igreja, a do Sumo Pontífice, a da tradição e a dos concílios.
A A declaração confessional da supremacia da Bíblia sobre quaisquer autoridades
religiosas permanece no protestantismo reformado, embora, e com mais freqüência, de
maneira liturgicamente declaratória e formal: “Aceito as Escrituras Sagradas do Velho e
do Novo Testamentos como única regra de fé e norma de conduta”. Em matéria de fé e de
moral, para os reformados, a palavra autoritativa e diretiva é a das Escrituras, não a de
qualquer autoridade individual ou conciliar. Firmamo-nos na doutrinação reformada
assim expressa na Confissão de Fé de Westminster: “A autoridade( Jo 5. 39) da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de
qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus( a mesma verdade) que é o seu
Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus”( I Ts 2.13; Gl
1.11,12)(1). “Todas as dúvidas doutrinárias, todos os conflitos de natureza teológica,
todos as questões emergentes ou procedentes dos concílios devem ser submetidos à
autoridade final e ao supremo arbítrio da Escritura Sagrada pela qual o Espírito Santo nos
ministra a competente e suficiente verdade revelada: “O Juiz Supremo, pelo qual todas as
controvérsias religiosas têm de ser determinados, e por quem serão examinados todos os
decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de
homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar,
não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura”( Mt 22.29, 31, 32; At 28.
25; Lc 10. 26)(2).
Suficiência das Escrituras
A Igreja, filha e proclamadora da Escritura, não tem autoridade para acrescentarlhe
nada, nem por meio de um suposto mandatário eclesiástico, que se julgue
representante de Cristo na terra, nem por qualquer líder carismático, independentemente
de sua procedência e de suas “boas intenções”. Para a fé reformada, o Espírito Santo é o
intérprete da Bíblia e esta, a reveladora do Verbo encarnado de Deus, o Salvador dos
eleitos. Fora da Bíblia não há revelação. O que ela não diz ou não comprova não se há de
tomar como instrução divina e objeto de crença. Nossa crença emana da revelação
registrada nas Escrituras, fundamento da Igreja e base de cada um de seus membros.
Sábia, firme e prudente é a posição da Confissão de Fé de Westminster: “Todo o conselho
de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e
vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser lógica e
claramente deduzido dela( Mc 6. 5-7). À Escritura nada se acrescentará em tempo algum,
nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens( Mt 15. 6);
reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação do Espírito de Deus para a
salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra( Jo 6. 45), e que há algumas
circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e
BREVE CATECISMO
sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência
cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas”( I Co 11.13,
14)(3).
Cremos que os eleitos regenerados, alvos e objetos da graça divina, não entenderão e nem
pregarão erroneamente a Palavra de Deus porque neles habita o Espírito Santo, que os
ilumina para o justo entendimento da revelação e os habilita para o testemunho e o ensino
do Evangelho. Eleito redimido herético não existe. Eleição e heresia são incompatíveis,
pois o escolhido é aquele que ouve a voz do verdadeiro Pastor e a distingue,
inconfundivelmente, daquela gerada e pronunciada por falsos pastores, e isto em virtude,
não de seus conhecimentos prévios, de sua apreensão pessoal ou percepção psicológica,
mas da iluminação e do testemunho interno do Espírito Santo.
Estrita obediência
O regenerado submete-se ao comando e à instrução divina por meio das Escrituras
Sagradas, e exclusivamente por elas, sem quaisquer condicionamentos como, por
exemplo: ordenações e censuras da Igreja, hábito adquirido por sistemática repetição,
tradição familiar, promessa de retorno em bênçãos materiais e sociais, temor do inferno,
fuga do juízo final, necessidade terápica de se crer em alguma coisa, proposta ou pessoas.
O crente subordina-se a Deus pela obediência irrestrita às instruções e às ordenanças das
Escrituras em conseqüência de sua nova natureza regenerada, da condição de filho
adotado de Deus, da harmonização da criatura com o Criador, da justificação em Jesus
Cristo, da dádiva do Espírito Santo, que nele habita e opera. A obediência à Palavra de
Deus, para o salvo, é virtude natural e espontânea, faz parte de sua existência regenerada,
de sua nova dimensão espiritual em Cristo Jesus.
(1) Confissão de Fé de Westminster, cap. I, item 4.
(2) Confissão de Fé de Westminster, cap. I, item 10.
(3) Confissão de Fé de Westminster, cap. I, item 6.
BREVE CATECISMO
A LEI MORAL
Pergunta 40. “Que revelou Deus primeiramente ao homem como regra de sua
obediência?
Resposta: A regra que Deus revelou primeiramente ao homem para sua
obediência foi a lei moral”( Rm 2.14, 15; 10. 5).
Princípios morais externos e internos
Deus criou o homem dotado de racionalidade, de sentimentalidade, de cognição,
de volição, de discernimento do dever e do direito, de opção entre o certo e o errado, de
capacidade avaliadora e autojulgadora de seus atos e dos procedimentos alheios. As
virtudes necessárias para geração, aferição e efetivação dos feitos morais são partes
naturais, constitutivas e normativas de todo ser humano: Amor e misericórdia, indignação
e justiça, paixão e razão, tolerância e fidelidade, emoção e racionalidade. O homem, pois,
foi equipado para assumir responsabilidades pessoais de todas as suas ações voluntárias,
depois de avaliadas e julgadas por princípios internos, emocionais e racionais, e por
valores externos, representados por meio de códigos, leis e símbolos convencionais ou
normas impositivas. No homem livre os padrões intrínsecos e os modelos extrínsecos
conjugam-se para o julgamento final de cada procedimento comportamental. O escravo,
inibido e dominado, age por comando senhorial, fato inibidor de seu juízo interno e
eliminador de qualquer atitude responsável. A escravidão abate-lhe a personalidade,
corrompe-lhe o caráter além de subtrair-lhe a liberdade e aviltar-lhe a humanidade. O
senhor escravizante pode ser um patrão, o dinheiro, o sexo, os vícios. O ser moral livre é
aquele capaz de, antes de agir, conscientemente escolher, avaliar, ajuizar e prever as
consequências do seus feitos e atitudes morais.
Deus criou o homem com todo o condicionamento interno para tomar decisões e
lhe deu um princípio visível e concreto de proibição, a Árvore da Ciência do Bem e do
Mal, estabelecendo diante dele as fronteiras entre o permitido e o proibido: limitações
permanentes e extensivas a todos os seres humanos em todos os tempos. Quebrado o
princípio externo pela desobediência, rompeu-se o pacto entre o Criador e a criatura, e o
homem ficou sem governo e sem parâmetros direcionais de comportamento, mas
conservou, embora corrompida, a capacidade interna de discernimento entre o bem e o
mal: “O homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal”( Gn 3.22).
Os judeus, povo eleito, norteavam seus procedimentos comportamentais pelo que
estabelecia o código legal da “Torah”, dado por Deus, no qual se prescreviam rígidas e
minuciosas regras e doutrinas religiosas, cerimoniais e morais. Pecado contra Deus,
portanto, era a transgressão de qualquer mandamento de sua lei expressa e escrita. Os
gentios, no entanto, ficaram sem qualquer estereótipo legal ou forum externum de
abalizamento e arbítrio de seus atos pecaminosos ou não. Em tese, não poderiam ser
acusados de pecadores, pois sem lei não há delito( nullum crimen sine lege). Paulo,
porém, não os exclui do julgamento, pois há neles, como também nos judeus, o forum
internum da lei moral, originário da própria natureza racional e ética daquele que foi
criado à imagem e semelhança de Deus e que conserva, mesmo com alguma precariedade
em decorrência da queda, fundamentos psíquicos e racionais de espiritualidade,
BREVE CATECISMO
racionalidade e moralidade. Ouçamos o apóstolo dos gentios: “Porque para Deus não há
acepção de pessoas. Assim, pois, todos os que pecaram sem lei, também sem lei
perecerão; e todos os que com lei pecaram, mediante lei serão julgados. Porque os
simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de
ser justificados. Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem por natureza de
conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram
a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e
os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se; no dia em que Deus,
por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu
evangelho”( Rm 2.11-16). Paulo entende que Deus não deixou nenhum homem sem lei e,
portanto, ninguém escapará do juízo final, alegando ausência de normas padronizadoras
de julgamento. Todos os seres humanos são dotados de iluminação interna, a consciência;
de capacitação, a ciência; de experiência acumulada por herança e por aquisição:
equipamentos naturais e culturais para o norteamento e ajuizamento de seus atos morais.
Ninguém pode e poderá alegar inocência diante do Eterno Juiz, pois todos são
transgressores da lei, que o Supremo Legislador implantou no coração, na mente e na
consciência dos homens. O homem é um ser moral e espiritual por origem e por natureza
e, por isso, responsável por seus atos, bons ou maus, e por credulidade ou incredulidade,
obediência ou desobediência. Ele possui, por beneplácito divino na criação, dupla
dimensão: uma física, que o situa na temporalidade, e outra espiritual, que o insere na
transcendência metafísica da eternidade e, no caso do eleito, confere-lhe a identificação
com o seu Salvador, Jesus Cristo.
BREVE CATECISMO
RESUMO DA LEI MORAL
Pergunta 41. “Onde está a lei moral resumidamente compreendida?
Resposta: A lei moral está resumidamente compreendida nos Dez Mandamentos”
(Mt 19. 17-19).
O Sistema Legal
A Lei de Deus confere significado ao conteúdo e rege a estrutura dos cinco
primeiros livros das Escrituras, o Pentateuco. A tal conjunto de normas os judeus
designaram “Torah”, palavra que significa ensino ou instrução de Deus para o seu povo.
Todas as ordenanças, porém, ou derivam do decálogo, complementam-no, ou com ele se
harmonizam, mesmo em se tratando de preceitos cerimoniais, aqueles que ordenam o culto,
e de regras comportamentais antecedentes. A revelação da lei sinaítica estabelece a unidade
dos fatos revelados precedentes e conseqüentes. Sinai é a baliza doutrinária do velho pacto.
O sistema legal de Israel, especialmente o decálogo, comunicado por Deus a Moisés,
tem aspectos peculiares, que o diferenciam dos códigos legais contemporâneos de outros
povos. Esses formularam suas leis em forma casuística, com previsão de conseqüências ou
penalidades. As disposições decalogais são todas apodíticas e imperativas tanto as cláusulas
negativas como as positivas. Aliás, há somente dois mandamentos de formulação positiva,
o que estabelece as relações na ordem social( honra aos pais), e o que determina o dia de
descanso( sábado) dedicado ao culto, à reflexão, à meditação e à recordação de todos os
feitos miraculosos da libertação do cativeiro egípcio, da peregrinação no deserto, da
presença de Deus com o seu povo em todas as agruras do êxodo.
O conjunto de leis, ou código legal de Israel, divide-se em três partes, cada uma
tratando de questões específicas, mas todas unificadas sob o princípio básico e norteador da
autoridade divina expressa no enunciado das “Dez Palavras” mandamentais: “Eu sou Javé
teu Deus”(Ex 20.2; Dt 5.6 cf. Lv 18. 5, 30: 19.2, 4, 12, 14, 16, 18, 25, 28, 30, 31, 32, 34,
37; 20. 7, 8, 24, 26 e outros). Eis os três conjuntos do código judaico: Leis civis, leis
cerimoniais, leis morais e sociais.
Compete-nos, segundo especificação da pergunta em apreço, destacar o aspecto
moral do decálogo, pois a moralidade e a ética estão claramente contidas em cada
mandamento que trata das relações do homem com seu próximo. Não podemos nos
esquecer que os quatro primeiros mandamentos legislam sobre as relações do súdito com o
seu Rei, isto é, do salvo com o seu Salvador no contexto do povo eleito e separado para a
obediência, a proclamação e a adoração; e os seis últimos regulamentam as relações com o
próximo, a fraternidade geral, a familiaridade e o respeito aos bens alheios, morais e
patrimoniais.
Princípios morais
O princípio basilar da moralidade requerida por Deus é a estrita obediência à sua
Palavra, que não somente contém ordenanças, mas também instruções, ensinos,
recomendações e orientações. A observância prática de tudo o que as Escrituras ordenam e
ensinam é a expressão concreta e produtiva do amor do ex-escravo ao seu Libertador, o
Deus que o tirou com mão forte e braço estendido da escravidão faraônica. Amor a Deus,
portanto, se traduz em obediência, submissão e respeito. E da relação pessoal submissa,
respeitosa e íntima com Deus nasce a relação serviçal e fraternal com o próximo. Quem
BREVE CATECISMO
ama a Deus não executa os seus próprios desejos ou preferências pessoais, mas aquilo que
procede dos imperativos revelados do Rei amado e satisfaz ou realiza a sua soberana
vontade.
Estribado no princípio lógico de que “O oposto de cada proibição é uma permissão;
e o oposto de cada permissão é uma proibição”, o Catecismo Maior de Westminster estuda
cada mandamento sob os títulos do que é proibido e do que é permitido. Em resposta à
pergunta 99: “Que regras se devem observar para a correta compreensão dos dez
mandamentos?”, o Catecismo Maior diz, no item 4º: “Que onde um dever é ordenado, o
pecado contrário é proibido; e onde um pecado é proibido, o dever contrário é ordenado;
assim, onde uma promessa está anexa, a ameaça está inclusa; e onde uma ameaça está
anexa, a promessa contrária está inclusa”. Seguindo tal pressuposto lógico, podemos
afirmar que o mesmo mandamento que proíbe um ato ilícito, determina ou recomenda o
oposto, por ser naturalmente lícito. O mandamento que desautoriza a mentira
consequentemente autoriza a verdade.
É dever moral do servo de Deus cumprir e fazer cumprir os mandamentos nos
limites de seus domínios: os pais, em sua família; os patrões, em suas empresas; os
governos, em seus estados. Quem não exige cumprimento de si mesmo, não pode exigir dos
outros. Os fariseus receberam a condenação de Cristo por agirem desta maneira.
Rigorosamente, a ética bíblica do Velho Testamento consiste na submissão do súdito ao Rei
dos reis, na reverência laudatória do salvo ao seu Salvador. As normas legais a serem
obedecidas são dádivas de Javé exclusivamente ao seu povo mediante o pacto do Sinai.
São mandamentos dados aos salvos, retirados do Egito e colocados sob o governo do Deus
Redentor. A lei, portanto, manifesta inequivocamente a graça de Deus para com o seu povo,
objeto de sua misericordiosa escolha, de sua inexplicável eleição.
A ética cristã origina-se na autoridade divina e se estabelece na Escritura, “nossa
única regra de fé e norma de conduta”.
BREVE CATECISMO
RESUMO DO DECÁLOGO - O AMOR
Pergunta 42. “Qual é o resumo dos Dez Mandamentos?
Resposta: O resumo dos Dez Mandamentos é: amar ao Senhor nosso Deus de
todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todos as nossas forças e todo o nosso
entendimento; e ao nosso próximo como a nós mesmos”( Mt 22. 37-40).
AMOR E LEI
Os princípios externos impositivos e impeditivos, por mais nobres que sejam, são
inaplicáveis a um coração irregenerado, dominado por orgulho, cobiça, concupiscência e
ódio. A lei, como obrigação geral, pode inibir os malfeitores, coibir as ações perversas,
impedir os atos delituosos não pela qualidade moral de suas proposições, pela nobreza de
seus objetivos, pela santidade de suas vindicações, pela genuinidade de sua procedência,
mas pelas sanções penais impostas, pelas restrições à liberdade do infrator e pelas
conseqüências permanentes de sua aplicação. Para que um mandamento perca o seu
caráter coercitivo e atemorizante é necessário que faça parte integrante do caráter e da
personalidade do cidadão, seja-lhe norma natural e existencial de atitudes éticas e
comportamentais. As regras estabelecidas e escritas do decálogo são úteis para que o
povo de Deus saiba distinguir o certo e o errado, o justo e o injusto, o santo e o
pecaminoso, o que Deus requer de seu povo e o que nele condena. O fato, entretanto, de
tais imperativos legais visar ações e atos e julgar os pecados efetivamente consumados,
deixa fora o fundamental, o essencial: o foro íntimo, as más intenções, as consciências
corrompidas, nada podendo fazer para evitar o aparecimento de religiosos hipócritas,
santos à vista dos fiéis e pecadores sujos diante de Deus. Assim foram os fariseus antigos
e são os modernos. Jesus, o Mestre dos mestres, transporta os princípios decalogais
externos para o interior do novo israelita, o cristão, fazendo a lei julgar e condenar a
concepção mental do pecado: “Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos
digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou
com ela”( Tm 5.27,28).
O Mandamento do Amor
Jesus transfere as ordenanças e os preceitos morais e éticos do código legal,
determinantes dos comportamentos adequados e dos procedimentos corretos, dos
estereótipos gravados em tábuas de pedra, para o coração dos regenerados. O bom cristão
não se origina da boa lei, mas a boa lei flui naturalmente do bom cristão do mesmo modo
como a árvore boa produz frutos bons. O que gera e controla a moralidade do servo de
Cristo é o novo nascimento, fato procedente da graça divina, geradora de sua nova
natureza, da adequação de sua vida, vontade e desejos aos propósitos do Redentor, da
harmonia de seu espírito ao Espírito de Deus, da irmanação de seu ser aos demais seres
humanos do corpo de Cristo, a Igreja. Desta maneira, seus procedimentos
comportamentais, tanto os do campo social como os da área espiritual, vêm de seu
interior renovado, habitação do Espírito Santo, jamais de condicionamentos impostos por
obrigação legislativa. Conhecimento da lei revelada, sim; liberdade de cumprí-la
espontaneamente, também. Escravidão a ela, nunca.
BREVE CATECISMO
Nascido pela misericórdia de Deus em Cristo Jesus, o regenerado, produto e
expressão do verdadeiro amor, torna-se habilitado para o ágape bidimensional:
verticalmente voltado para o Salvador e horizontalmente, para o próximo. Despido de
quaisquer condicionamentos, o servo de Cristo não ama a Deus para ser amado: ama
porque é filho do amor divino; não ama o próximo em resposta ao seu amor e nem por
recompensa amorosa da pessoa amada; ama-o por livre manifestação de sua alma
submetida ao Redentor e, consequentemente, voltada para o seu irmão. Tudo, obra da
graça. Tamanho amor não se limita aos sentimentos e às paixões; abrange a totalidade do
regenerado, imagem e semelhança de Deus, conforme as ordenanças do divino Mestre:
a- Amar a Deus de todo o coração: amá-lo com todas as potencialidades
essenciais,
vitais e virtuosas do ser.
b- Amar a Deus de toda a alma: amá-lo com todo o complexo sentimental,
emocional e espiritual; amor contundente, envolvente, irrestrito, apaixonado.
c- Amar a Deus de todo o entendimento : amá-lo com a inteligência, com o
raciocínio, com o pensamento, com a memória , com a razão, com a ciência e
com as artes. Em ressumo: amá-lo perfeita e completamente.
d- Amar o próximo com a si mesmo: eliminar as fronteiras entre o ego e o tu,
entre o meu e o teu, entre os meus e os outros. Somente assim podemos ser “um” em
Jesus Cristo na corporalidade eclesial. A matéria prima de nossa união com Deus e com o
próximo é o amor, base executiva e compreensiva da lei e dos profetas( Cf Mt 22. 37-40).
BREVE CATECISMO
PREFÁCIO DO DECÁLOGO
Pergunta 43. “Qual é o prefácio dos Dez Mandamentos?
Resposta: O prefácio dos Dez Mandamentos está nestas palavras: “Eu sou o
Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”( Ex 20.2 cf Dt 5.6).
NATUREZA DO DECÁLOGO
a- Os judeus entendem que a declaração acima se incorpora ao texto
mandamental do pacto sinaítico, sendo, portanto, um mandamento. A Igreja em geral e a
Reforma em particular, não interpretam assim; colocam-na como prefácio dos Dez
Mandamentos. Os catecismos de Westminster, nesta e em todas as outras questões,
refletem a posição reformada.
b- Rigorosamente falando, o decálogo não foi dado em forma de lei institucional
para o povo judeu em fase de organização nacional, mas como tratado de suserania
pactual, em que a autoridade maior e final não se transfere para a lei outorgada, à qual se
submete o próprio outorgante. Trata-se, na verdade, de um contrato de aliança entre um
Senhor(Kyrios) soberano e seus escravos( douloi) resgatados do cativeiro egípcio. Os
termos do pacto são formulados em proposições curtas, objetivas e inquestionáveis,
fáceis de serem compreendidas, memorizadas e ensinadas aos pósteros.
c- A declaração de senhorio absoluto do Libertador de Israel: “Eu sou o Senhor(
Javé) teu Deus(Helohim)” transformou-se na fundamental confissão de fé judaica: “O
senhor nosso Deus é o único Senhor”( Dt 6.4). Esta declaração credal reforçava e até
radicalizava os conceitos monolátrico e teocrático dos judeus bem como apelava para o
amor exclusivo a Javé, Salvador e Mantenedor dos eleitos( ver Dt 6.4-9).
EU SOU O SENHOR TEU DEUS
Deus não afirma ser propriedade de Israel, uma divindade criada por homens e
adotada pelos peregrinos do Êxodo. Com esta expressão queria dizer, e de maneira
indiscutivelmente enfática, que era o Rei divino de todos os libertos, vocacionados e
escolhidos, colocados diante dele para obediência e adoração. E mais, que sua relação
com os súditos, todos vassalos qualificados, seria por regência direta, não por meio de
mediatários. Ele mesma se relacionaria com todos os escolhidos, como fizera até então,
tabernaculando com eles. Os mandamentos, portanto, eram parâmetros morais, éticos e
espirituais para melhor execução da vontade real, nunca meios de comunhão, de
aproximação, de perfeição ou salvação. Lembremos que Deus, antes da lei, resgatou
Israel da escravidão; reuniu-o em torno do Tabernáculo, símbolo de sua presença;
firmou com ele aliança de relações bilaterais abrangentes e de mútua fidelidade.
Estabelecido o relacionamento pactual, o Rei, agora reinando sobre a sua nação
particular e peculiar, dotou-a com os primados comportamentais mediante as cláusulas
decalogais. A lei, portanto, é um indiscutível sinal da graça divina, concedida para
ensino e orientação dos salvos organizados em sociedade teocrática, não para os
perdidos, os excluídos do pacto. Os mandamentos são princípios comportamentais dos
eleitos pactuados com Deus; não foram dados como meios de redenção. O Redentor foi,
é e será sempre e insubstituivelmente o “Ryrios” de todos os seus servos, agora
encarnado em Jesus Cristo, o mentor da nova aliança, sustentador, realizador e
cumpridor do pacto sinaítico. Aquele “Eu sou”( Ego eimi) do prólogo decalogal
BREVE CATECISMO
encarnou-se no Filho do Homem, fez-se Emanuel com autoridade para reformular,
aprofundar e universalizar todos os preceitos mandamentais da velha aliança, inserindoos
no corpo eclesial e no interior de cada regenerado.
QUE TE TIREI DO EGITO
Deus não baseou as proposições pactuais apenas em promessas, realizáveis sob a
condição da fidelidade; fundamentou-as e atestou-as nas e com as provas de sua
presença e de seus feitos libertadores. Podemos sintetizar o pensamento do Suserano do
pacto numa frase: Eu sou e serei, porque já fiz e farei. As promessas cumpridas pelas
obras realizadas são a garantia e os requisitos alegados por Deus para firmar com seu
povo uma aliança de caráter perpétuo e relações mútuas diretas e permanentes. O
Libertador, pela aliança com os libertados, deseja ser o Senhor de todos, mais na relação
de Pai e filhos do que na de Rei e súditos. Como a fidelidade do Pactuador faz parte de
sua essência, inerente à sua imaculada pessoa, também a dos pactuados deve ser natural,
espontânea, procedente da eleição, da filiação, do amor e da gratidão, nunca
exclusivamente da obrigação imposta ou do temor de sanções. E mais, Israel deveria
lembrar-se sempre de que a sua liberdade e a sua nacionalidade eram dádivas do
Salvador, não conquista humana; tornou-se povo de Deus por escolha divina
incondicional e imerecida.
O que Javé fez com e por Israel, Cristo faz com e por sua Igreja e nela em cada
um de nós: liberta-nos do pecado; tira-nos das trevas; coloca-nos na maravilhosa luz do
reino eterno( I Pe 2.9,10).
BREVE CATECISMO
ENSINO DO PREFÁCIO DECALOGAL
Pergunta 44. “Que nos ensina o prefácio dos dez mandamentos?
Resposta: O prefácio dos dez mandamentos nos ensina que temos obrigação de
guardar todos os mandamentos de Deus, por ser ele o Senhor nosso Deus e nosso
Redentor”( Dt. 11. 1).
MANDAMENTO E MISERICÓRDIA
Os mandamentos são indicadores da estrada que o eleito deve percorrer na
execução diária da vontade divina. O percurso existencial do crente, para ser correto,
adequado e sem riscos fatais, obrigatoriamente se estrutura nos seguintes componentes
conjunturais e absolutamente essenciais:
a- Moralidade. O servo de Deus, por natureza, por princípios estabelecidos nas
Escrituras, por sua condição de filho do Pai celeste e por interação no corpo dos
redimidos vive moral e eticamente, tudo conforme os preceitos preordenados e ordenados
por seu Redentor. O filho de Deus anda nos caminhos de Deus. O bem para o crente é
mais que opção, é essência, natureza, qualidade, dever, obrigação.
b- Serviçalidade e submissão. O servo de Deus( doulos) não vive para si mesmo,
não é proprietário de seu próprio ser, não determina o seu destino, não gera seus dons e
suas virtudes, não é dono de seus bens morais e materiais, não é senhor absoluto de sua
produção artesanal, profissional, artística e intelectual: tudo recebe de Deus; tudo realiza
sob o comando divino; tudo se destina à glória do Remidor. A vida do servo não lhe
pertence; é patrimônio de seu Senhor. Submeter e servir não são expressões de sua “boa
vontade”, mas deveres e obrigações normais e naturais de um escravo. Deus, porém, é
Senhor e Pai ao mesmo tempo. Ser-lhe escravo significa, portanto, servitude filial. Os que
a Deus se submetem são verdadeiramente libertos da terrível dominação do mundo, do
pecado e do tentador.
c- Espiritualidade. O homem é bidimensional em sua composição:
c.1- Natural. Como ser natural, e organicamente falando, não se difere dos animais
superiores quanto à funcionalidade biofísica e às carências vitais de sobrevivência como:
proteção, reprodução, alimentação, associação e hábitat. Embora o seu organismo se
assemelhe ao de muitos outros viventes, mesmo em alguns estereótipos, distancia-se, e
muito, dos irracionais em virtude das características próprias de racionalidade, psiquismo,
sentimentalidade, criatividade, virtuosidade e intelectualidade. O seu cérebro é um
computador incrivelmente complexo, multifuncional, perfeitíssimo.
c.2- Espiritual. Deus, no ato criador, vitalizou o homem com o vento de sua boca,
isto é, com seu “Ruch”, capacitando-o a relacionar-se com o Pai celeste e com ele
interagir-se. O pecado rompeu o liame entre o ser criado e seu Criador, mas conservou
traços ou sinais de sua espiritualidade expressos na sua religiosidade e no seu senso
universal de moralidade: conhecedor do bem e do mal. O homem, portanto, dotado de
espiritualidade, conservando resquícios profundos de seu estado original de “Imago Dei”,
tem os elementos indispensáveis, dotados por Deus, para ser reconciliado com a
divindade, voltando à comunhão com o seu Senhor. E isto acontece em Jesus: Ele, o Pai e
o salvo são um( Jo 17.21). Desta maneira, e para que se objetive a unidade: Filho-PaiBREVE
CATECISMO
servo, o regenerado não pode ter mais de um Senhor, e efetivamente não tem. O redimido
cumpre por ordenação e por natureza o imperativo de Cristo: “Ao Senhor teu Deus
adorarás e só a ele darás culto”( Mt 4.10).
Deus único. Os israelitas, de que os cristãos são herdeiros, professavam e
praticavam a teocentria e a monolatria: O Senhor é o único Rei e o único Deus; a ele, e
exclusivamente a ele: submissão, reverência, obediência, serviço, adoração.
Único Redentor. Deus, para ter um povo e estabelecer com ele a aliança,
salvou-o da escravidão egípcia com mão forte e braço estendido. Primeiro a remissão,
depois o pacto. A graça é que gera a aliança da qual decorrem os mandamentos; não é a
lei que possibilita e conquista a graça. Para ser Rei de Israel, Deus foi antes o seu
Salvador, pois ele reina direta, espiritual e eficazmente sobre os salvos. O monoteísmo
judaico se mantém no cristianismo: religião de um único Deus, a Santíssima Trindade:
Pai, Filho e Espírito Santo. Para o cristão há somente um Deus e um só Mediador entre
ele e os homens, Jesus Cristo, o Homem( I Tm 2.5). O prefácio do Decálogo ensinava aos
judeus a submissão a um Salvador exclusiva e único, que se tornou o Rei-Pai do povo
liberto. A mesma doutrina se transmite à Igreja: Deus em Cristo nos libertou da
escravidão do pecado e nos transportou para o reino de seu Filho, Jesus Cristo, Rei e
cabeça da Igreja.
O Homem volta a ser, em Cristo Jesus, imagem e semelhança de seu Criador,
reconciliado com ele e a ele submisso.
BREVE CATECISMO
PRIMEIRO MANDAMENTO
Pergunta 45. “Qual é o primeiro mandamento?
Resposta: O primeiro mandamento é: Não terás outros deuses diante de mim”( Ex
20.3).
NORMAS DE INTERPRETAÇÃO
Os teólogos de Westminster, autores e redatores do Breve Catecismo, adotaram
uma norma interpretativa e expositiva para todos os mandamentos, estabelecendo o
seguinte esquema: Das exigências, das proibições, das razões anexas. Ater-nos-emos
mais à transcrição dos comentários exarados em perguntas e respostas do próprio
catecismo e menos às nossas opiniões pessoais. Tal procedimento se adotará para cada
mandamento. O primeiro mandamento não possui razões anexas, mas um texto sobre a
expressão “diante de mim”.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 46: “Que exige o primeiro mandamento?
Resposta: O primeiro mandamento exige de nós o conhecer e reconhecer a Deus
como único Deus verdadeiro, e nosso Deus( I Cr 28.9; Dt 26. 17), e como tal adorá-lo e
glorificá-lo”( Sl 95. 6, 7; Mt 4. 10; Sl 29. 2).
Três coisas Deus exige dos seus eleitos:
a- Conhecimento correto. O crente precisa conhecer o Ser divino na unidade
trinitária do Pai, do Filho e do Espírito Santo, único Deus verdadeiro. O referido
conhecimento não lhe virá por vias racionais, experienciais ou emotivas, mas por
revelação, e esta codificada exclusivamente nas Escrituras, compreensíveis,
particularmente aos escolhidos, mediante condução e iluminação do Espírito Santo. Fora
da revelação bíblica, não há perfeito conhecimento do Deus único.
b- Reconhecimento. Ainda por iluminação e testemunho interno do Espírito
Santo, o salvo reconhece, no Deus que conheceu por meio das Escrituras, seu único
Senhor, Salvador e Rei, e isto em virtude de sua adoção como filho regenerado, que o
capacita à justa compreensão de seu Redentor e à interação com seu Pai celeste.
c- Correta adoração. Deus exige de seus adoradores que o adorem em espírito e
em verdade de maneira privativa e exclusiva. O culto, porém, em Israel não se expressava
como o povo o queria e o desejava, mas como Deus o estabeleceu e o requer. Culto é o
serviço do servo; portanto, tem de ser conforme as normas e a vontade de seu Senhor, que
o planejou em seus mínimos detalhes, estabeleceu-lhe a estrutura e os meios sacrificiais,
organizou e ordenou o seu ministério. Não é o servo que coloca Deus diante de si e
escolhe o que lhe é bom, conveniente e agradável; Deus é quem convoca o redimido ao
culto, à adoração e ao louvor e determina a postura e comportamento litúrgicos do
adorador na sua soberana, augusta e santa presença.
PROIBIÇÕES
Pergunta 47: “Que proíbe o primeiro mandamento?
Resposta: O primeiro mandamento proíbe negar( Sl 14. 1), deixar de adorar ou
glorificar ao verdadeiro Deus, como Deus( Rm 1. 20,21,25), e nosso Deus( Sl 18.11), e
dar a qualquer outro a adoração e a glória que só a ele são devidas”( Rm 1. 25).
BREVE CATECISMO
A negação ou rejeição da monolatria litúrgica, da parte dos que governam e dos
que são governados, e qualquer tipo de polilatria, adoração ou veneração de outros
deuses, mentalizados ou iconificados, todos inexistentes e, consequentemente,
inoperantes, são comportamentos proibidos no primeiro mandamento. Deus é único, sem
superior, sem igual, sem competidor, sem mediadores no céu, sem procuradores ou
representantes na terra.
DIANTE DE MIM
Pergunta 48: “Que se nos ensina, especialmente, pelas palavras “diante de
mim”, no primeiro mandamento?”
Resposta: As palavras “diante de mim”, no primeiro mandamento, nos ensinam
que Deus, que vê todas as coisas, toma conhecimento, e muito se ofende, do pecado de
ter-se em seu lugar outro deus”( I Cr 28.9; Sl 44. 20, 21).
A expressão: “Diante de mim” significa:
a- Entre Deus e o homem, o maior e mais nobre de todos os seres, imagem e
semelhança do Criador, não se colocará qualquer mediador ou divindade. O pacto
estabeleceu relação direta do Redentor com seus redimidos.
b- Deus, o esposo, requer fidelidade absoluta de sua esposa, não admitindo, em
hipótese alguma, traição, mesmo sendo por infidelidade mental.
c- Ter outros deuses diante de Javé não somente implicava em condenável
politeísmo e crassa idolatria mas, e especialmente, submeter-se à soberania de outros
povos cujos poderes divinos emanavam de seus respectivos deuses como, por exemplo,
Amon do Egito, Marduk da Babilônia, Baal dos cananitas. Tais deuses eram respeitados
como “kyrios”. O “Kyrios” de Israel, pelos termos da aliança, só poderia ser Javé.
BREVE CATECISMO
SEGUNDO MANDAMENTO
IDOLATRIA
Pergunta 49. “Qual é o segundo mandamento?
Resposta: O segundo mandamento é: “Não farás para ti imagens de escultura,
nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu, e do que há em baixo na terra, nem
de coisa alguma do que haja nas águas, debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás
culto; porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus zeloso, que vinga a iniquidade dos pais
nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem; e que usa de
misericórdia para com milhares daqueles que me amam e que guardam os meus
preceitos”( Ex 20. 4-6).
Este mandamento proíbe qualquer ícone, “figura alguma”, do céu, da terra e do
inferno, que se destine à objetivação de quaisquer divindades; são desvios litúrgicos
intoleráveis. Deus, por outro lado, sendo Espírito, não quer e não pode ser evocado por
meio de figuras icônicas, pintadas ou esculpidas, de minerais, vegetais, corpos celestes,
animais e humanas. Eis, a respeito, a exortação deuteronômica: “Guardai, pois,
cuidadosamente as vossas almas, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor
vosso Deus vos falou, em Horebe, no meio do fogo; para que não vos corrompais e vos
façais alguma imagem esculpida na forma de ídolo, semelhança de homem ou de
mulher(negrito nosso); semelhança de algum animal que há na terra; semelhança de
algum volátil que voa pelos céus; semelhança de algum animal que rasteja sobre a terra;
semelhança de algum peixe que há nas águas debaixo da terra. Guarda-te; não levantes os
olhos para os céus e, vendo o sol, a lua e as estrelas, a saber, todo o exército dos céus, não
sejas seduzido a inclinar-te perante eles e dês culto àquelas coisas que o Senhor teu Deus
repartiu a todos os povos debaixo de todos os céus”( Dt 4.15-19). Em suma, qualquer
ídolo de qualquer espécie ou natureza fica proibido por Deus em decorrência de sua
ineficácia e intolerabilidade.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 50: “Que Exige o segundo mandamento?
Resposta: O segundo mandamento exige que recebamos, observemos e
guardemos puros e íntegros todo o culto e ordenanças religiosas que Deus instituiu em
sua palavra”( Dt 12. 32; Mt 28.20; Dt 32.46).
Deus, aos instituir o culto, estabeleceu símbolos e tipos, mas não ícones; jamais
ordenou, e nem os judeus fizeram isso, a veneração ou adoração dos querubins, da arca,
das tábuas da lei, do altar, da vara de Aarão, do maná escondido ou de quaisquer objetos
do templo. Não podemos confundir os símbolos e os tipos com ídolos tanto no velho
como no novo Israel. Temos símbolos cristãos extraordinariamente ricos como a cruz, a
sarça, o pombo, o peixe, o barco, a candeia, o candelabro, a videira. Símbolos, sim;
ídolos, nunca.
PROIBIÇÕES
Pergunta 51: “Que proíbe o segundo mandamento?
Resposta: “ O segundo mandamento proíbe adorar a Deus por meio de imagens(
Dt 4. 15-19; At 17. 29), ou de qualquer outra maneira não prescrita em sua Palavra”( Dt
12. 30-32).
BREVE CATECISMO
Imagens icônicas, pintadas ou esculpidas, nos lares, no templo, nos objetos
pessoais ou nas jóias estão impedidas pelas Escrituras porque são representações da
divindade e exercem função mediatária na adoração a Deus, que é Espírito, não podendo
ser identificado por e em qualquer objeto ou ser da natureza, inclusive o humano, e por
nenhuma figura mitológica.
RAZÕES ANEXAS
Pergunta 52: “Quais são as razões anexas ao segundo mandamento?
Resposta: As razões anexas ao segundo mandamento são a soberania de Deus
sobre nós( Sl 95. 2,3), a sua propriedade em nós( Sl 45. 11) e o zelo que ele tem pelo seu
próprio culto”( Ex 34. 14).
Eis as razões anexas:
a- Soberania de Deus. Como absoluto soberano sobre os seus eleitos, Deus exige
adoração direta e pessoal, eliminando todos os desnecessários e inconvenientes
intermediários.
b- Senhor de seu povo. Deus é proprietário da comunidade eleita e de cada um de
seus membros, exercendo sobre todos autoridade imediata e absoluta. O culto da e na
Igreja é resultado da ação onipresente do Rei e Salvador. Israel jamais imaginou adorar
um Deus ausente, incapaz e impotente.
c- Um Deus zeloso. Sendo zeloso, conforme afirma no próprio mandamento,
Deus não tolera idolatria, uma forma de adultério espiritual, iniquidade insuportável. Os
que verdadeiramente amam ao Deus zeloso, adoram-no em espírito e em verdade,
excluindo totalmente do culto a iconolatria, a santolatria, a crucilatria, a mariolatria e
outras latrias.
BREVE CATECISMO
TERCEIRO MANDAMENTO
O NOME DE DEUS EM VÃO
Pergunta 53: “Qual é o terceiro mandamento?
Resposta: O terceiro mandamento é: “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus
em vão, porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar em vão o nome do
Senhor seu Deus”( Ex 20. 7).
O nome de Deus em vão
A quebra deste mandamento consiste em usar o nome divino, que é revestido de
suprema e imensurável respeitabilidade, honra, dignidade e santidade, tanto no universo
físico como no espiritual, sem o devido respeito, a reverência adequada, a obediência
exigida e a submissão de servo.
O nome identifica a pessoa e esta por ele se qualifica. Quem não tem nome
também não possui identidade moral, social, histórica, cívica e civil. O nome,
determinante revelador da individualidade, concede ao nominado historicidade, tornandoo
significativo e socialmente compreensivo, além de inseri-lo na nominata universal da
humanidade, isto é, determinar-lhe a existência objetiva, identificada, qualificada e
expressiva no conjunto geral das civilizações. O nome e o ser nomeado são inseparáveis;
desrespeitar um é desonrar o outro. Tratar, conscientemente, com leviandade,
insinceridade e irreverência o augusto nome de Deus é ofendê-lo profundamente. Ele não
aceita o indevido uso de seu nome, nem nas chamadas “inocentes brincadeiras”. Com o
nome de Deus não se brinca.
EXIGÊNCIAS
Pergunta: “Que exige o terceiro mandamento?
Resposta: O terceiro mandamento exige o santo e reverente uso dos nomes(Sl 29.
2), títulos e atributos( Ap 15. 3, 4), ordenanças( Ml 1. 14), palavras( Sl 138. 2) e obras de
Deus”( Sl 1o7. 21, 22).
O nome, em si mesmo e isolado, fica despido de conteúdo moral. A pessoa que o
possui, porém, se digna e respeitada, fá-lo digno e reverenciado. Dignidade, honra e
santidade maximizam-se em Deus por causa da excelência pessoal da divindade.
Portanto, todos os seus atos e atributos, por serem corretos, elevados, santos e justos,
merecem respeitoso tratamento e submisso acatamento de todos os homens,
especialmente dos eleitos, filhos da graça, herdeiros da promessa. Tudo o que é de Deus
ou dele procede é nobre, verdadeiro, perfeito, construtivo, elevado e essencialmente bom.
Os crentes sinceros respeitam, acatam e seguem as Escrituras porque sabem serem a
revelação de Deus e de sua vontade para todos os seres humanos, mas especificamente
eficazes na vida dos escolhidos. Acatar e obedecer a Palavra de Deus é honrar e respeitar
o seu glorioso nome, exaltá-lo entre os homens e santificá-lo na terra.
PROIBIÇÕES
Pergunta: “Que proíbe o terceiro mandamento?
Resposta: O terceiro mandamento proíbe toda profanação ou abuso de quaisquer
coisas por meio das quais Deus se faz conhecer”( Ml 2.2; Is 5.12).
Todas as instituições e ordenações divinas devem ser respeitadas por causa da
santa procedência, da necessidade de suas existências, dos benefícios espirituais que
BREVE CATECISMO
geram ou possibilitam para os filhos eleitos do Pai. Tomam o nome de Deus em vão e o
profanam aqueles que tratam com desrespeito, recebem com leviandade e infidelidade os
sacramentos e demais ordenanças do Redentor como, por exemplo: O batismo, a Santa
Ceia, os mandamentos, as Escrituras, a oração, o culto, o matrimônio, quando realizado
pela ou perante a Igreja de Cristo. O descumprimento das promessas ou compromissos no
ato do casamento, visando a sua efetivação em nome de Deus, representa claríssima e
evidente quebra do terceiro mandamento. A negação vivencial, consciente ou não, da
palavra empenhada pelo confessante na pública profissão de fé, mediante a qual a Igreja
lhe ministra o batismo ou admite-o na comunhão da comunidade eclesial é, sem a menor
dúvida, profanação da ordenança divina estabelecida no terceiro mandamento. O membro
da comunidade eclesial, por outro lado, que corrompe a família ou profana a Igreja,
nobilíssimas instituições divinas, toma o nome do Senhor seu Deus em vão.
RAZÕES ANEXAS
Pergunta 56: “Qual é a razão anexa ao terceiro mandamento?
Resposta: A razão anexa ao terceiro mandamento é que, embora os transgressores
deste mandamento escapem do castigo dos homens, o Senhor nosso Deus não os deixará
escapar de seu justo juízo” ( Dt 28. 58,59).
Depois de conscientemente fazer-se um voto, uma promessa ou um compromisso
com Deus ou tomá-lo por testemunha, não se há de alegar inocência como justificativa de
desobediência. Deus não aceita tal alegação por ser infundada, mentirosa e hipócrita.
Trate seu Pai celeste com honestidade, fidelidade e sinceridade, pois assim é
tratado por ele.
BREVE CATECISMO
QUARTO MANDAMENTO
O DIA DE DESCANSO
Pergunta 57: “Qual é o quarto mandamento?
Resposta: O quarto mandamento é: “Lembra-te de santificar o dia de sábado.
Trabalharás seis dias, e farás neles tudo o que tens para fazer. O sétimo dia, porém, é o
sábado do Senhor teu Deus. Não farás nesse dia obra alguma, nem tu, nem o teu filho,
nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o peregrino que
vive das tuas portas para dentro. Porque o Senhor fez em seis dias os céus, a terra e o mar,
e tudo o que neles há, e descansou no sétimo dia. Por isso o Senhor abençoou o dia
sétimo e o santificou”( Ex 20. 8-11).
EXIGÊNCIAS
Pergunta 58: “Que exige o quarto mandamento?
Resposta: O quarto mandamento exige que consagremos a Deus os tempos
determinados em sua Palavra, particularmente um dia inteiro em cada sete, para ser um
dia de santo descanso a ele dedicado”( Lv 19.30; Dt 5.2-7; Is 56.2-7).
DO SÁBADO PARA O DOMINGO
Pergunta 59: “Qual dos sete dias Deus designou para ser o sábado(descanso)
semanal?
Resposta: Desde o princípio do mundo até à ressurreição de Cristo, Deus
designou o sétimo dia da semana para o descanso semanal( Gn 2.3 Lc 23.56); e a partir de
então, prevaleceu o primeiro dia da semana para continuar sempre até ao fim do mundo,
que é o sábado cristão(domingo)( At 20.7; I Co 16.1,2 Jo 20.19-26).
DO MODO DE SANTIFICAÇÃO
Pergunta 60: De que modo se deve santificar o sábado( domingo)?
Resposta: Deve-se santificar o sábado( = domingo) com um santo repouso por
todo aquele dia, mesmo das ocupações e recreações temporais que são permitidas nos
outros dias( Lv 23.3; Ex 16. 25-29; Jr 17.21,22); empregando todo o tempo em exercícios
públicos e particulares de adoração a Deus( Sl 92.1,2; Lc 4.16; Is 58. 13; At 20. 7, exceto
o tempo suficiente para as obras de pura necessidade e misericórdia”( Mt 12. 12).
PROIBIÇÕES
Pergunta 61: Que proíbe o quarto mandamento?
Resposta: O quarto mandamento proíbe a omissão ou a negligência no
cumprimento dos deveres exigidos( Ex 22. 26; Ml 1. 13; Am 8. 5), e a profanação deste
dia por meio de ociosidade, ou fazer aquilo que é em si mesmo pecaminoso( Ez 23. 38),
ou por desnecessários pensamentos, palavras ou obras acerca de nossas ocupações e
recreações temporais”( Is 58. 13; Jr 17. 24, 27).
RAZÕES ANEXAS
Pergunta 62: “Quais são as razões anexas ao quarto mandamento?
Resposta: As razões anexas ao quarto mandamento são: a permissão de Deus de
fazermos uso dos seis dias da semana para os nossos interesses temporais( Ex 31. 15, 16);
o reclamar ele para si mesmo a propriedade especial do dia sétimo(Lv 23. 3), o seu
próprio exemplo( Ex 31. 17), e a bênção que ele conferiu ao dia de descanso”( Gn 2.3).
BREVE CATECISMO
REFLEXÕES SOBRE O SÁBADO
01- Deus fez separação entre luz e trevas, dia e noite, somente no quarto dia da
criação( Gn 1. 14-19). Portanto, os dias criacionais não são rigorosamente idênticos aos
semanais.
02- Deus descansou depois da conclusão, e perfeita, da obra da criação, mas
não descansa das obras da regência, da providência e da redenção( Sl 121; 23; Jo 5. 17).
03- Deus somente descansou no final da obra, depois de completá-la com
perfeição absoluta e ver que tudo era muito bom. Também o homem só pode descansar se
cumprir a sua tarefa semanal: “Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.” Quem
transfere serviço de uma semana para a seguinte, ab-roga a ordenança sabática.
04- Os que guardam semana inglesa de cinco dias, quebram o quarto
mandamento, pois a ordem é trabalhar seis dias, imitando Deus na criação, que concluiu
cada tarefa diária, no tempo da criação, terminando tudo em seis dias.
05- Quando alguém trabalha para nós no dia de descanso, quebramos o
preceito sabático: “Não farás nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem
o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para
dentro”( Ex. 20.10). Como, nos tempos modernos, os operadores da energia elétrica, da
água, do telefone, dos transportes coletivos, da segurança, do tráfego, da rede
farmacêutica, do sistema de saúde, trabalham para a coletividade e, consequentemente,
para nós, viramos transgressores irremediáveis do sábado. Não há como cumpri-lo.
06- O mandamento sabático em Deuteronômio tem como causa a escravidão
do Egito, não o descanso divino ao término da criação( Dt 5. 15). Aqui o aspecto social
supera o religioso ou litúrgico.
07- O novo Israel, retirado da escravidão por Jesus Cristo, tem um novo dia, o
Dia do Senhor ( Domingo), tempo da ressurreição de Cristo e garantia da nossa. Em
Cristo tudo se fez novo: Nova criação, novo dia, novo mandamento( Jo 13.34), nova
aliança(Hb 12.24).
08- Cristo é o Senhor de todos os dias, de todas as terras e de todos os povos.
Guardar o sábado judaico é menosprezar o universal e definitivo em Cristo Jesus para
continuar com o particular e transitório em Moisés. O Pai recomenda-nos ouvir o seu
Filho, e este, além de não nos recomendar a guarda do sábado, ainda deliberadamente o
quebrou, sofrendo a censura farisaica(Mc 2.23-28; Lc 6.1-5; Jo 5.10-18).
BREVE CATECISMO
QUINTO MANDAMENTO
HONRA AOS PAIS
Pergunta 63: “Qual é o quinto mandamento?
Resposta: O quinto mandamento é: “Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres
uma longa vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te há de dar”( Ex 20.12).
Num mundo em que a mulher vivia em completa subalternidade, primeiramente
submissa ao pai, depois ao marido, sem nenhum direito, mas sobrecarregada de deveres e
despida de qualquer autoridade, é surpreendente a inclusão da mãe como objeto de honra
do filho. Tal ordenança significa que Deus reconhece a igualdade autoritativa e gerencial
do pai e da mãe perante os filhos, estabelecendo, por semelhante preceito, um governo
familiar patri-matriarcal. A unidade conjugal, em todos os aspectos, no quinto
mandamento se confirma. A mãe em nada é inferior ao pai, pois os filhos procedem da
união dos dois e por ambos são criados, mantidos e educados. A mesma honra ordenada
ao pai também se tributa à mãe, pois marido e mulher, no povo eleito, são uma só carne
diante de Deus.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 64: “Que exige o quinto mandamento?
Resposta: O quinto mandamento exige a conservação da honra e o desempenho
dos deveres pertencentes a cada um em suas diferentes condições e relações, como
superiores, inferiores ou iguais”( Ef 5.21,22; 6.1, 5, 9; Rm 13. 1; 12. 10).
Pais, no entendimento escriturístico e em consonância com a cultura de Israel, não
são exclusivamente os genitores, mas todos os que exercem algum tipo de autoridade
sobre a nova geração, especialmente a moral e a espiritual. Governar, no sistema
patriarcal e em regime teocrático, significava exercer o poder paternal e sacerdotal sobre o
clã. Foi, certamente, firmados em tal princípio que os teólogos de Westminster ampliaram
o conceito de paternidade para que sua abrangência incluísse quaisquer autoridades
superiores, por natureza, por vocação e por ofício, aos comandados. O governo ditatorial
é incompatível com o patriarcal; o primeiro é imposto, o segundo emerge com a família, o
clã medular, fonte de origem, base preservadora e força mantenedora da tribo. O chefe de
estado e seus ministros, administradores da “família Dei”, todos os ancestrais, sacerdotes,
líderes tribais e familiares eram considerados pais por ordenação divina e, como tais,
respeitados, acatados e estimados.
PROIBIÇÕES
Pergunta 65: Que proíbe o quinto mandamento?
Resposta: “O quinto mandamento proíbe o negligenciarmos ou fazermos alguma
coisa contra a honra e o dever que pertencem a cada um em suas diferentes condições e
relações”( Rm 13.7,8).
Respeitar e honrar os superiores são deveres dos servos de Deus, pois todas as
autoridades são revestidas de poder pelo onipotente Rei dos reis, Senhor universal de tudo
e de todos.
RAZÃO ANEXA
Pergunta 66: “Qual é a razão anexa ao quinto mandamento?
BREVE CATECISMO
Resposta: A razão anexa ao quinto mandamento é: uma promessa de longa vida e
prosperidade (tanto quanto sirva para a glória de Deus e o próprio bem do homem) a
todos aqueles que guardam este mandamento”( Ef 6. 2, 3).
LONGA VIDA:
a- A terra mencionada é a da promessa, que Israel receberia, e efetivamente recebeu,
mas não antes de muitas lutas e batalhas crudelíssimas. Fica claro, portanto, que o
respeito exigido por Deus dos filhos aos seus pais, genitores e governantes civis e
eclesiásticos, era o princípio fundamental da unidade tribal e nacional. O desrespeito e a
irreverência das gerações emergentes às autoridades constituídas por Deus acarretariam a
destruição da unidade tribal e, por via de conseqüência, a perda da nacionalidade. O
enfraquecimento da família pela indisciplina filial traria como danoso resultado a
debilitação do povo eleito, deixando-o como presa fácil de seus numerosos inimigos
internos e externos.
b- O filho que desonrasse seus pais por maldição era punido com a pena de morte(
Lv 20.9; Ex 21.17). O crime de leza-paternidade causava o encurtamento da vida.
c- O outro aspecto, que não deve ser ignorado, é que o filho, numa economia
patriarcal, não tinha como sobreviver dignamente fora da estrutura socioeconômica da
família. Invoquemos aqui a situação do filho mais novo da Parábola do Filho Pródigo:
Longe do lar paterno, sofreu abandono, discriminação e privações e passou fome. A única
saída foi retornar ao núcleo familiar e submeter-se à autoridade paterna.
Os princípios fundamentais do quinto mandamento permanecem: ofende a Deus o
filho que desrespeita ou abandona os seus pais, causando a desorganização familiar e
contribuindo para o enfraquecimento social e moral da sociedade.
BREVE CATECISMO
SEXTO MANDAMENTO
NÃO MATARÁS
Pergunta 67: “Qual é o sexto mandamento?
Resposta: O sexto mandamento é: “Não matarás”( Ex 20.13).
O sexto mandamento, interpretado à luz das leis civis e penais de Israel( Lv,
capítulos 18, 19, 20), proíbe ao cidadão o assassinato e o suicídio, mas deixa ao estado
teocrático o direito de aplicar a pena de morte nos casos previstos em lei. Por exemplo, os
crimes de adultério e de sacrifício humano a Moloque, dentre muitos outros, eram
punidos, inapelavelmente, com a pena capital( Lv 20. 10; Lv 20. 2- 5). O homem não
podia tirar a sua própria vida ou a do próximo; pois a justiça era exclusiva prerrogativa
do poder público, executor das ordenanças divinas.
Os crimes de guerra, em se tratando de “guerras santas”, aquelas ordenadas e
comandadas por Javé, e muitas aconteceram, também ficavam fora do que preceitua o
sexto mandamento. Em suma: o indivíduo não tinha o direito de matar; a pena de morte,
sendo o caso, competia privativamente ao estado.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 68: Que exige o sexto mandamento?
Resposta: O sexto mandamento exige todos os esforços lícitos para preservar a
nossa própria vida( Ef 5.29; 10.23) e a de nossos semelhantes”( Sl 82. 3, 4; Jó 29. 13; I Rs
18. 4).
Qualquer ato consciente lesivo ao corpo ou ao espírito, nosso ou de nosso
semelhante, pode ser considerado como ação efetiva de suicídio ou homicídio. Jesus
afirma que a ira contra o próximo e o juízo maldoso de desqualificação mental de um
irmão é quebra do sexto mandamento( Mt 5. 21, 22). Cumpre-nos a defesa da própria
vida e a de nosso próximo. Por exemplo, um marido, sabendo que é portador do vírus
HIV, oculto esse fato de sua esposa, acabando por infetá-la, descumpre, certamente, o
sexto mandamento, e de maneira muito cruel.
O incrédulo não manifesto é um suicida; aquele, porém, que se expressa prática,
ideológica ou dialeticamente, além de matar a própria alma, ainda assassina
espiritualmente, o que é pior, os seus seguidores; e há numerosos missionários do pecado
e da morte eterna.
PROIBIÇÕES
Pergunta 69: “Que proíbe o sexto mandamento?
Resposta: O sexto mandamento proíbe o tirar a nossa própria vida( At 16. 28), ou
a de nosso próximo, injustamente( Gn 9. 6), e tudo aquilo que para isso concorre”( Mt 5.
22; I Jo 3. 15; Gl 5. 15; Pv 24. 11, 12 cf Ex 21. 18 - 32).
SOBRE O SUICÍDIO
O que o mandamento condena é o suicídio consciente, praticado por atitude
covarde, por demasiado apego aos bens morais e materiais, por fanatismo exacerbado. Há
suicídio de natureza patológica pelo qual o suicida não pode ser responsabilizado, pois
não toma consciência de sua tresloucada atitude.
BREVE CATECISMO
Alguns tipos de suicídio
a- Apego aos bens morais e materiais: Pessoas há, como Jó, que perdem tudo:
saúde, riqueza, família, mas rejeitam a proposta de apostasia e a de suicídio. Outras, nas
mesmas circunstâncias, perdem a confiança em Deus e se matam, pois os seus corações
estão postos na materialidade perecível: riquezas, família, amor próprio.
b- Fanatismo: O mundo conheceu os kamikases japoneses da segunda guerra
mundial, os fanáticos vietnamitas que se queimavam em praça pública, e ainda conhece
os revolucionários que se deixam exterminar em carros-bombas, nos freqüentes atentados
em todo mundo, impulsionados por fanatismos nacionalistas, estimulados por objetivos
ideológicos.
c- Psicopatologia: Há pessoas que, por herança genética reforçada por desvios
educacionais de formação, possuem tendências mórbidas ao suicídio. Estas, se não
passarem por adequados e sérios tratamentos, exterminarão a própria vida.
Algumas circunstâncias traumatizantes ou lesões cerebrais profundas podem
descontrolar psiquicamente os indivíduos frágeis ou fragilizados, levando-os,
eventualmente, ao suicídio. A psicose desvia a conduta, retira a capacidade perceptiva da
realidade, anula o autocontrole. A um psicopata não se lhe atribui responsabilidade. O ato
inconsciente originário de estado patológico é, pela natureza de sua condição, inocente,
despido de qualquer conteúdo pecaminoso.
Estão incluídas, certamente, no sexto mandamento as categorias “a” e “b”;
excluída, no entanto, a “c”. Portanto, nem todos os suicidas quebram a lei de Deus.
Conheci membros da Igreja que, por circunstâncias patológicas, suicidaram-se. Podemos
conscientemente afirmar que se perderam?
BREVE CATECISMO
SÉTIMO MANDAMENTO
ADULTÉRIO
Pergunta 70: “Qual é o sétimo mandamento?
Resposta: O sétimo mandamento é: Não adulterarás.” ( Ex 20.14).
ADULTÉRIO, FORNICAÇÃO E PROSTITUIÇÃO
Os três ilícitos sexuais mencionados não são rigorosamente idênticos, embora
todos os delitos por eles expressos estão sob juízo e condenação do sétimo mandamento.
Separemo-los conforme seus respectivos significados:
a- Adultério(moicheia): Relação sexual ilícita entre duas pessoas casadas ou
entre uma casada e outra solteira, maculando o tálamo conjugal, destruindo a unidade
matrimonial, estabelecendo a infidelidade, ferindo a ordenação divina de união
indissolúvel entre marido e mulher.
b- Fornicação( porneia): Prática sexual de pessoas solteiras ou viúvas antes
e fora do casamento. O sexo pré-matrimonial, especialmente entre adolescentes, passou a
ser procedimento comum nos tempos modernos. Compete à Igreja, guardiã, pela prática e
pelo ensino, das ordenanças divinas, instruir a sua juventude e coibir-lhe, firmemente, a
prostituição. A fornicação degrada moralmente o fornicário, coloca em dúvida sua futura
fidelidade conjugal, dificulta-lhe a formação do lar, necessidade psicológica do ser
humano, base sólida da geração da família, da educação dos filhos, da estruturação da
personalidade, do equilíbrio social.
c- Prostituição(sodomia). A prostituição abrange três aspectos da ilicitude
sexual:
c.1- Prostituição sagrada. Era praticada nos tempos veto e
neotestamentários por sacerdotes e sacerdotisas dos cultos pagãos ligados aos ciclos
estacionais, aos mistérios da reprodução animal, à fertilidade e à germinação das
sementes. Acreditava-se que o coito efetivado no altar dos deuses promovia a fecundação
de todos os seres da natureza, trazendo de volta a vida, que havia desaparecido, no fim de
cada inverno. Sem o esperma da divindade masculina a matriz da vida natural,
representada no óvulo da prostituta sagrada, não seria fecundado e, portanto, a vida
pereceria. Esse tipo de culto transformou-se em orgias sexuais inomináveis, proibidas,
certamente, no sétimo mandamento.
c.2- Prostituição venal: comercialização do sexo, venalização do
corpo, transformação dos prazeres sexuais em objetos de consumo com tabelas de preços
e cotações no mercado sexual, onde a concupiscência, a lascívia, o cabritismo e a
despudorada pornografia degradam o ser humano, profanam-lhe a imagem, destinada à
dignidade e à pureza, aviltam-lhe a personalidade e a honra. A sociedade, cada vez mais
pecaminosa e permissiva, tolera a prostituição, hétero e homossexual, como opção de
vida, como profissão, admitindo e justificando os chamados “profissionais do sexo”.
Condenável é a prostituição; condenados estão os seus agentes, os seus operários,
os seus beneficiários. Somente a misericórdia de Deus pode retirar um prostituto do seu
antro horrível de perdição.
BREVE CATECISMO
EXIGÊNCIAS
Pergunta 71: Que exige o sétimo mandamento?
Resposta: “O sétimo mandamento exige a preservação de nossa própria
castidade( I Ts 4.4, 5), e do nosso próximo( I Co 7. 2; Ef 5.11, 12), no nosso coração( Mt
5.28), nas palavras( Ef 4. 29; Cl 4. 6) e na conduta”( I Pe 3.2).
O Cristão regenerado, sendo nova criatura, não pode ser corrupto. A regeneração é
incompatível com a corrupção. Toda expressão verbal, toda manifestação e toda a ação
concreta de depravação moral e sexual tiveram antes sua origem, amadurecimento e
acalento na mente e na consciência do depravado. Um coração corrupto produz
corrupção. A regeneração, mudando a natureza do pecador, não elimina os pensamentos
pecaminosos, mas lhes estabelece rigorosa censura consciente pela iluminação do
Espírito Santo, que habita o regenerado.
PROIBIÇÕES
Pergunta 72: “Que proíbe o sétimo mandamento?
Resposta: “O sétimo mandamento proíbe todos os pensamentos( Mt 5.28),
palavras( Ef 5.4) e ações impuras”(Ef 5.3).
Duas coisas precisam ser ressaltadas:
Primeira: a proibição, em termos mandamentais, tem caráter absoluto, e o que é
absolutamente proibido não pode ser absolutamente permitido ou tolerado. O que Deus
impede o homem não pode liberar sem conseqüências graves.
Segunda: O ato sexual impuro( adultério, fornicação, prostituição) recebe a
condenação divina antes da concretização, ainda no estágio mental de elaboração,
seguido ou não de efetivação fatual( Mt 5. 28). A pornografia imaginada, que não se
oculta de Deus, é tão pecaminosa quanto a efetivada.
BREVE CATECISMO
OITAVO MANDAMENTO
FURTO
Pergunta 73: “Qual é o oitavo mandamento?
Resposta: O oitavo mandamento é: Não furtarás(Ex 20.5).
Este mandamento proíbe: o furto, o roubo, o latrocínio, a defraudação, o peculato,
o estelionato e todos os demais ilícitos nos campos produtivos, mercantis, financeiros,
gerenciais e administrativos tanto nos âmbitos individuais como nos coletivos, privados
e públicos. Qualquer ato, portanto, lesivo ao próximo ou à sociedade, está sob
condenação divina.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 74: “Que exige o oitavo mandamento?
Resposta: O oitavo mandamento exige que procuremos o lícito adiantamento das
riquezas e do estado exterior, tanto o nosso( II Ts 3. 10-12; Rm 12. 17; Pv 27. 23) como o
de nosso próximo”( Lv 25. 35; Fp 2.4; Pv 13.4; Pv 20.4; Pv 24.30-34).
LICITUDE COMERCIAL
A licitude deve ser o lema do verdadeiro cristão. A riqueza que nasce do esforço
honesto é, certamente, abençoada por Deus, pois não se constitui de bens maculados com
o suor, a lágrima e o sangue do semelhante explorado ou enganado.
No tempo em que o mandamento foi promulgado a economia se fundamentava
quase exclusivamente na empresa doméstica( tribo ou clã). Todos os membros da família
trabalhavam para o bem comum, sem salário individual e sem a sofisticada divisão de
trabalho dos dias atuais. A possibilidade do enriquecimento honesto era maior. Nas
transações intertribais, baseadas no mercado de trocas diretas, a palavra do chefe do clã,
supremo fiador ou realizador de todos os atos mercantis, possuía real credibilidade por
ser tida como lei irrevogável: Palavra empenhada; palavra cumprida. Nas guerras tribais,
porém, e havia muitas, a pilhagem era norma geral no mundo gentílico e tolerada em
Israel.
As estruturas empresariais e mercantis modernas dificultam o exercício da retidão.
A competitividade, não raro, firma-se ora na diminuição dos salários ora no rebaixamento
da qualidade, quando não se estriba nos iníquos e famigerados cartéis, no uso indevido de
patentes, na falsificação de “griffes” e marcas, no contrabando, na sonegação fiscal. Há
pessoas, cultural e psicologicamente inescrupulosas, que amealham fortunas explorando o
governo, a sociedade consumista, as pessoas físicas, os seus operários, ao mesmo tempo
que mantêm, perante o público, “propalada honestidade”. A defraudação é como o vírus
HIV: mina a defesa do organismo social incuravelmente. E as vítimas maiores são os
trabalhadores de renda mínima, os pobres e os miseráveis, cada vez mais miserados,
atirados ao martírio da pobreza absoluta.
BREVE CATECISMO
O indivíduo e a empresa que trabalham com operosa honestidade promovem o
bem próprio e o comum ou social. Poucos, no entanto, procedem assim; e os que o fazem
estão sendo levados ao sacrifício pelos corruptos transvestidos de honestos.
PROIBIÇÕES
Pergunta 75: “Que proíbe o oitavo mandamento?
Resposta: O oitavo mandamento proíbe tudo o que impede ou pode impedir,
injustamente, o adiantamento da riqueza ou o bem-estar exterior, tanto nosso( I Tm 5. 8)
como do nosso próximo”( Ef 4.28; Pv 21.6; II Ts 3. 7- 10).
Autolesão
O indivíduo pode roubar de si mesmo, quebrando o oitavo mandamento, sendo:
preguiçoso; malandro; malbaratador de seus bens, recursos e salário; viciado em bebidas
alcoólicas, drogas e jogos de azar; farrista e fornicário. Tal indivíduo, se casado, sacrifica
a família com suas desonestidades.
Lesão do próximo
Além dos delitos já mencionados, o furto poderá efetivar-se quando:
a- O patrão, ou empresa, não assalaria adequadamente o trabalhador, revertendo a
diferença salarial em lucro( Tg 5. 4). Salários baixos têm sido causas de muitos
enriquecimentos, iniquidades condenadas por Deus e proibidas no oitavo mandamento.
O empregador crente está obrigado pelo seu Salvador a remunerar dignamente os
seus empregados.
b- O trabalhador que, recebendo salário justo, não produz o que pode e o que
deve. Tais empregados frequentemente levam a empresa à perda de competitividade em
razão do alto preço de seus produtos e até à falência.
O trabalhador cristão tem de fazer jus ao seu salário; trabalhar com honestidade e
operosidade.
Tanto a instituição patronal, que lesa os seus empregados, como os funcionários
ou operários de baixa produtividade por negligência, quebram o oitavo mandamento.
BREVE CATECISMO
NONO MANDAMENTO
FALSO TESTEMUNHO
Pergunta 76: “qual é o nono mandamento?
Resposta: “O nono mandamento é: “Não dirás falso testemunho contra o teu
próximo”( Ex 20.6).
O PESO DO TESTEMUNHO
Na sociedade tribal vetotestamentária, simples por natureza, a justiça era direta e
imediata. O depoimento de duas testemunhas podia significar execução sumária do réu ou
simples assassinato, se os testemunhos fossem falsos. Eis porque os acusadores deveriam
ser os carrascos, assumindo a responsabilidade de “justiceiros públicos”, se as alegações
testemunhais fossem verdadeiras ou de “criminosos comuns”, “cúmplices de sangue”, se
falsos os depoimentos. Assim prescreve a legislação complementar: “Por depoimento de
duas ou três testemunhas será morto o que houver de morrer; por depoimento de uma só
testemunha não morrerá. A mão das testemunhas será a primeira contra ele, para matálo”(
Dt 17. 6,7). Testemunhar falsamente, no contexto social em que o nono mandamento
foi outorgado, eqüivalia à quebra do sexto mandamento, isto é, matar, e com os
agravantes da premeditação, da falsidade e da perversidade.
Falsas testemunhas podiam acusar seus desafetos pessoais ou serem “compradas”
para o indigno papel de traidores contratados. Foi por meio de duas testemunhas malignas
e venais que Jezabel, oficialmente, matou Nabote( I Rs 21. 10-13). Com testemunhos
falsos, embora por verbalizações de algumas verdades incompletas, os judeus levaram o
imaculado Cordeiro de Deus aos tribunais, onde foi condenado à morte por crucificação.
O falso testemunho é terrível, mesmo hoje, com todos os recursos técnicos da perícia
criminal, da sindicância e das inquirições.
Temos de reconhecer que, por constatação, em certas áreas metropolitanas impera
a “lei do silêncio”. O crime organizado não admite denúncias. Na perpetração do
homicídio, se alguém reconhecer o criminoso e for reconhecido por ele, fatalmente
morrerá, imediata ou posteriormente ao crime. No império da marginalidade e da
delinqüência o medo cega e ensurdece as pessoas. Diante de quadros delituosos e perante
as vítimas de matadores, a omissão: “Ninguém sabe, ninguém viu”. É sempre um risco
depor contra criminosos, mas omitir-se implica em desproteger a sociedade e cometer o
delito da conivência. O servo de Cristo tem compromisso com a verdade. Inquirido pela
polícia ou convocado a depor em tribunal, certamente não mentirá e, muito menos,
perjurará.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 77: “Que exige o nono mandamento?
Resposta: O nono mandamento exige a manutenção e promoção da verdade entre
os homens(Zc 8. 16) e a manutenção de nossa boa reputação(I Pe 3. 16; At 25. 10) e a de
nosso próximo(III Jo 12), especialmente quando somos chamados a dar testemunho”(Pv
14. 5, 25).
O crente não somente tem o dever, a responsabilidade e a incumbência de
testemunhar a retidão, a justiça e o bem, mas também lhe cabe a impostergável obrigação
BREVE CATECISMO
de promover, como missionário de Cristo, a veracidade e a honestidade dos atos, dos
tratos, dos testemunhos e dos comportamentos. Somente assim manterá a própria honra e
preservará a do próximo, especialmente no contexto da sociedade eclesial em que vive e
na qual se expressa como servo regenerado e se realiza como herdeiro da promessa.
PROIBIÇÕES
Pergunta 78: “Que proíbe o nono mandamento?
Resposta: O nono mandamento proíbe tudo o que é prejudicial à verdade( Pv 19.
5; Pv 6. 16 -19), ou injurioso, tanto à nossa reputação como à de nosso próximo”( Lc 3.
14; Sl 15. 3).
A mentira não é somente incompatível com a verdade, é a sua negação, a sua
destruição. Todo bem se constrói com a verdade e se destrói com a mentira. A verdade é
de natureza divina; a mentira é original e essencialmente demoníaca. Cristo é a verdade;
o Diabo é a mentira. Viver e proferir a verdade significa agir conforme a vontade de
Deus, mas encarnar a mentira, verbalizá-la e usufruir-se dela é ser maligno, agente da
malignidade, militante de Satanás. A palavra do crente redimido tem de ser sim, sim; não,
não( Tg 5.12). Assim como o seu Senhor é a verdade, ele, criado à sua imagem e salvo
em Cristo Jesus, deve ser verdadeiro em tudo e em quaisquer circunstâncias. O falso
testemunho declarado, a omissão da realidade fatual ou o falseamento da verdade são
impróprios a um servo de Deus e contraditórios à realidade cristã.
Qualquer mentira é falso testemunho. E não há mentira inocente, conveniente ou
necessária. Em todas as circunstâncias cabe a verdade. O Diabo, no entanto, tenta
convencer-nos de que há situações em que a mentira é melhor que a verdade, pois com
ela, alega-se, o bem pode ser promovido; o mal, evitado. Pura e sutil armadilha! Jamais a
mentira em lugar da verdade! A mentira é sempre má; a verdade é sempre boa.
BREVE CATECISMO
DÉCIMO MANDAMENTO
A COBIÇA
Pergunta 79: “Qual é o décimo mandamento?
Resposta: O décimo mandamento é: “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não
desejarás a sua mulher, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu
jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”( Ex 20.17).
A MALIGNIDADE DA COBIÇA
A cobiça é um desejo intenso, extremo, egoísta, ganancioso, desordenado e
descontrolado; mais amplo e mais profundo, quanto à malignidade, que o furto ou o roubo.
Este se restringe ao campo da matéria, aquelo abrange todas as áreas dos bens humanos:
físicos, sociais, morais, culturais e espirituais. A cobiça, um tipo de patologia psíquica,
gera: o egoísmo, a desonestidade, a infidelidade, a avareza, a corrupção, o materialismo, a
carnalidade. No caso de Eva, por exemplo, a cobiça de “status”, de proeminência, de
elevação, de entronização e divinização do ego, causou-lhe a desobediência e a infidelidade
a Deus. A cobiça limita-se com a inveja; uma é continuação da outra e ambas conjugadas
induzem à prática pecaminosa: Eva invejou, cobiçou e furtou na tentativa de realizar, por
meios imorais, os seus sonhos egoístas. Caim invejou, cobiçou a posição espiritual do
irmão e procurou concretizar os seus maus intentos eliminando o suposto concorrente. Davi
cobiçou e, por meios criminosos, conquistou a mulher cobiçada. A inveja e a cobiça são
parceiras malignas, madrastas e algozes do bem. O furto, quando levado a efeito por
extrema cobiça, é mais danoso ao caráter do praticante e mais perverso que aquele praticado
por necessidade imediata ou por carência irremediável.
“NÃO COBIÇARÁS A CASA DO TEU PRÓXIMO”
A palavra “casa” incluía todo o conjunto, unitário mas complexo, dos bens
familiares dos quais o marido era o proprietário, representante máximo e gestor
incontestável. O bem maior e mais valioso do patrimônio patriarcal era a esposa. Seguindo
a ordem de importância, Deuteronômio coloca a mulher em primeiro lugar( Dt 5. 21).
Porém, em se tratando de pessoa da mesma raça, ela fazia parte da unidade do clã como
carne da mesma carne e osso dos mesmos ossos do consorte. Portanto, ela “pertencia” ao
marido, mas de maneira essencialmente diversa do senhorio que ele exercia sobre os seus
escravos e o seu patrimônio material. O mandamento, ao destacar o que não pode ser
cobiçado( mulher, escravos, animais, móveis e imóveis), estabelece uma escala de valores e
de importância na ordem decrescente, ocupando a esposa degrau superior. Ela não
representava um simples objeto, mas valiosíssimo patrimônio que, por sua beleza, como a
de Bate-Seba( II Sm 11.1ss) ou virtuosidade, como a descrita em Provérbios( Pv 31. 10ss),
podia ser cobiçada.
EXIGÊNCIAS
Pergunta 80: “Que exige o décimo mandamento?
Resposta: O décimo mandamento exige pleno contentamento com a nossa própria
condição(Hb 13. 5), bem como disposição caridosa para com o nosso próximo e tudo o que
lhe pertence”( Rm 12. 15; Fp 2. 4; I Co 13. 4-6).
Quatro objetivos o verdadeiro servo de Deus, na expressão de sua fé, demonstra:
BREVE CATECISMO
1º- Qualificação adequada. Objetivo: desenvolver suas potencialidades, pendores e
dons; é o estágio da profissionalização.
2º- Trabalho honrado e incansável, almejando a produtividade e a criatividade.
3º- Poupança: não esbanjando o produto de seu esforço, procurando transformá-lo
em moradia, alimentação, indumentária, saúde e educação.
4º- Respeito: contentando-se com o que Deus lhe concedeu, vivendo nos limites de
suas posses, não cobiçando o patrimônio alheio.
PROIBIÇÕES
Pergunta 81: “Que proíbe o décimo mandamento?
Resposta: O décimo mandamento proíbe todo descontentamento com a nossa
própria condição( I Co 10. 10), toda inveja ou pesar à vista da prosperidade de nosso
próximo(Gl 5. 26) e toda tendência e afeições desordenadas a alguma coisa que lhe
pertença”( Cl 3. 5).
Contentar-se com o que se tem não significa deixar de lutar, honestamente, para
adquirir mais, mas agradecer a Deus o que dele já recebeu, viver sem preocupações,
confiante em seu Senhor, eliminar as ansiedades próprias do invejosos, dos cobiçosos, dos
avarentos. Os desejos sinceros de progredir e de possuir são legítimos. Pecaminosa é a
cobiça. Esta, sim, macula a consciência e os pensamentos, corrompe os atos, deprava o
caráter.
BREVE CATECISMO
INFIDELIDADE
Pergunta 82: “Será alguém capaz de guardar perfeitamente os mandamentos de
Deus?
Resposta: Nenhum mero homem, desde a queda, é capaz, nesta vida, de guardar
perfeitamente os mandamentos de Deus( I Rs 8. 46; I Jo 1.8; I Jo 2. 6); ao contrário,
diariamente os quebra por pensamentos( Gn 8.21), palavras(Tg 3. 8) e obras”( Tg 3. 2).
LEI, GRAÇA E JUÍZO
A lei não foi concedida para transformar pecadores em justos mediante o seu estrito
e perfeito cumprimento. Neste caso, a salvação seria conquista humana. Uma pessoa
internamente má, mas externamente praticante da lei, teria como recompensa de seus atos
formais a salvação? Legalistas presunçosos e hipócritas entrariam no céu? Deus julgaria o
homem por suas “virtudes manifestas” e não por sua consciência perversa e reprimida por
força mandamental ou condicionada por interesses redentores legalistas? A lei é uma
dádiva aos eleitos de Deus, depois de libertos da escravidão faraônica, com três objetivos
essenciais:
1º - Estabelecer e estreitar os relacionamentos entre o Rei eterno e seus súditos por
meio de parâmetros morais, sociais e cerimoniais ou litúrgicos. Primeiro a eleição e a
vocação, depois a regência, a disciplina e a espiritualização.
2º - Organizar e manter um povo especial, submetido ao governo direto de Deus,
com o objetivo de revelar o Salvador de Israel como Redentor do Mundo. Por meio dos
seus eleitos Deus entra na história e ocupa um espaço governamental visível no nosso
universo. A lei serviu para que se tomasse consciência de que o Senhor da eternidade está
presente na humanidade de maneira concreta, real e objetiva. A lei explicita: Deus é Rei de
Israel. A universalização de seu domínio era apenas questão de tempo, vindo a realizar-se
plenamente em Cristo Jesus, o Messias universal.
3º - Criar e preservar uma comunidade de servos, adoradores reais, que prestasse
culto exclusivamente a Javé, seu Libertador da servidão egípcia e Rei entronizado no meio
de seu povo. O mesmo Deus que ditou o decálogo, estabeleceu a liturgia, o sacerdócio e os
sacrifícios. Entendemos por lei, Torah, o conjunto das ordenanças divinas: códigos,
estatutos, princípios, regras, padrões e normas.
Deus reinava sobre os seus escolhidos por intermédio de: a- Ungidos reais e
sacerdotais. b- Leis morais e cerimoniais. Somente a nação eleita possuía a graça e a
bênção do governo divino, que a gerenciava do trono e do altar pelos respectivos papéis
de Rei e Salvador.
Salvação pela lei, se fosse possível, redundaria em dois equívocos: a- Um de Deus,
confiando ao homem frágil e inábil instrumentos para que ele, por si mesmo, retornasse à
condição anterior à queda, readquirindo sua filiação e refazendo as relações paternais
rompidas. b- Outro do homem, supondo que, por meio de regulamentos bons e santos ele
pudesse tornar-se justo e, por sua justiça meritória, fosse restaurado à comunhão com Deus.
Não, Deus, como ensina Paulo, deu-nos a lei, não para que ela eliminasse nosso pecado,
mas para que o manifestasse com toda a sua rudeza, conseqüências perversas,
inescapabilidade e malignidade. Confrontado com a justiça divina mediante a retidão da lei
BREVE CATECISMO
o homem não tem outra atitude senão a de declarar com o conservo Paulo: “Mas eu não
teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei(itálico nosso); pois não teria eu
conhecido a cobiça, se a lei não dissesse: “Não cobiçarás”( Rm 7.7). “O pecado, para
revelar-se como pecado, por meio de coisa boa, causou-me a morte; afim de que pelo
mandamento se mostrasse sobremaneira maligno( itálico nosso). Porque bem sabemos que
a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem
mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e, sim, o que
detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz
isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na
minha carne, não habita bem nenhum; pois o querer o bem está em mim; não, porém, o
efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas se
faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e, sim, o pecado que habita em mim.
Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim” ( Rm 7. 13b-
21).
Nada se tem de acrescentar à doutrinação paulina sobre os ministérios mosaico e
cristão: Onde abunda o rigor da lei superabunda a misericórdia do perdão. Pela lei a justiça
divina se manifesta; pelo perdão o seu infinito amor se revela. A lei descobre o pecado; a
graça o elimina na cruz. Moisés, pela lei, indica a absoluta impotência do homem; Cristo,
por sua encarnação, paixão, morte, ressurreição e exaltação patenteia o poder soberano de
Deus para salvar o perdido eleito.
BREVE CATECISMO
GRAVIDADE DO PECADO
Pergunta 83: “São igualmente odiosas todas as transgressões da lei?
Resposta: Alguns pecados, em si mesmos, e em razão de diversos agravantes, são
mais odiosos à vista de Deus do que outros”( Sl 19. 13; Jo 19. 11).
PECADO E PECADOS
Sobre o pecado e os pecados necessário se faz entender o seguinte:
a- O pecado original e os réprobos. Não se pode confundir o “pecado”, chamado
de original, aquele que nos arremessou no abismo da alienação de Deus, do qual nenhum
ser humano, a não ser Jesus Cristo, está isento, com “pecados” individualizados,
resultantes de transgressões da lei de Deus. Toda a humanidade caiu em Adão e Eva e, em
conseqüência, foi expulsa da presença de Deus e entregue a um estado deplorável de
pecaminosidade e alienação: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha
mãe”( Sl 51. 5). “Todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está
escrito: Não há justo, nem sequer um”( Rm 3. 9b, 10). “Pois todos pecaram e carecem da
glória de Deus”( Rm 3. 23). O homem, uma vez perdido, entregue à própria sorte, o grau
de perversidade dos atos pecaminosos não lhe alteram, para menos ou para mais, a
condição depravada e alienante e em nada modifica sua relação com Deus, efetivamente
rompida. Os réprobos, tanto aquele que jamais imaginou matar alguém, como aquele que
apenas pensou em fazê-lo, ou aquele que, premeditando, efetivou o crime, e de maneira
cruel e bárbara, estão igualmente perdidos, todos na mesmíssima situação: filhos da ira
divina, criaturas sem lei, entregues a si mesmos, fora do governo espiritual de Deus. O
réprobo não tem consciência de pecado, leve ou grave, mas pode ter “conhecimento” de
culpa em virtude das leis repressivas e punitivas da sociedade em que vive. Tal
conhecimento pode criar nele temor, medo, fuga, contenção das índoles más ou
ocultamento de crimes, nunca, porém, “consciência de pecado” ou de ofensa ao Criador.
Portanto, transgressões maiores ou menores, mais odiosas ou menos odiosas não existem
para ele, um eternamente perdido.
b- O pecado e os escolhidos. Diferente é a situação dos eleitos aos quais Deus
convence sempre, por meio do Espírito Santo, do pecado, da justiça e do juízo. As
normas de sua conduta e de sua fé estão estabelecidas exclusivamente na palavra revelada
de Deus, as Escrituras Sagradas do Velho e do Novo Testamentos. A lei é uma dádiva do
Redentor aos seus redimidos, e específicamente a eles. O eleito sabe que, sendo pecador
justificado e aceito como filho de Deus, comete delitos pecaminosos, que podem ser mais
ofensivos ou não ao seu Salvador. As ordenanças divinas nada dizem ao réprobo, não
disciplinam sua alma perdida, mas são luzes para o caminho do justo, padrões de sua
moralidade, normas de seu relacionamento bilateral com Deus e com o próximo,
julgamentos de seus atos. O salvo sente-se permanentemente condenado pela lei, mas
sempre perdoado por Jesus Cristo, o Senhor a quem pertence por adoção. A lei mostra o
pecado e prescreve a condenação; o Espírito gera no condenado o arrependimento, a
confissão; Cristo encrava na cruz a dívida, mata o pecado, e concede o perdão ao
BREVE CATECISMO
confessante arrependido. A lei cumpre o papel de diagnosticar o mal, de indicar o tumor
maligno; Jesus Cristo, o médico de nossas almas, faz o trabalho de cirurgião, erradica-o; o
Espírito Santo exerce a função de clínico geral no tratamento pós-operatório para a
recuperação completa do paciente e sua readaptação à nova vida. A lei revela o estado
pecaminoso do eleito e deixa à luz de sua consciência a insuficiência humana de
livramento, a incapacidade de autojustificação, a impossibilidade de eliminação, perante o
juízo divino, de sua culpabilidade. A única solução, oferecida por Deus, é Jesus Cristo, ao
qual a Torah conduz, como aio. Lei e graça, portanto, são cooperantes indispensáveis,
como antecedentes e conseqüentes, na “ordo salutis”: Arrependimento, conversão,
regeneração, santificação.
PECADOS GRAVES
Podemos alistar os pecados graves em duas categorias:
a- Os ofensivos a Deus como, por exemplo, “o tomar o nome de Deus em vão”.
Ele não aceita alegação de inocência daqueles que lhe tomam o nome em vão, usando-o
de maneira desrespeitosa ou levianamente, vulgarizando o que é nobre, santo, e excelso;
e a “blasfêmia contra o Espírito Santo”, pecado imperdoável.
b- Os ofensivos e danosos ao irmão( Mt 5. 22) e ao próximo, os que causam
efeitos na vida e na consciência dos mais jovens e dos neófitos na fé. O adultério de um
ministro é muito mais grave e odioso, que o de uma pessoa inexperiente, imatura e sem
cargo de liderança na comunidade.
Todo pecado separa o homem de Deus, mas há atos pecaminosos de
conseqüências sociais, morais e espirituais mais intensamente periculosos e perigosos
para a comunidade que outros, quer observado sob o ângulo do pecado em si, quer sob a
qualidade e a responsabilidade do praticante.
BREVE CATECISMO
CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO
Pergunta 84: Que merece cada pecado?
Resposta: Cada pecado merece a ira e a maldição de Deus, tanto nesta vida como
na vindoura”( Gl 3. 10; Mt 25. 41).
PUNIÇÃO DO PECADO
O pecado original causou as seguintes punições: a queda, a quebra de relações
filiais da criatura com o seu Criador, os sofrimentos naturais, as crises existenciais, a
morte física, a morte espiritual ou alienação completa de Deus, os sofrimentos eternos no
hades. O primeiro pecado, rompimento do pacto de obras, lançou o homem num estado
deplorável de degeneração moral e espiritual, matriz de todos os delitos mentais e fatuais,
inconscientes e conscientes. Da humanidade caída, e consequentemente punida, Deus
retira uma parcela por livre eleição de sua misericórdia, os seus eleitos; para estes decreta
a reconciliação e a efetiva em seu Filho amado, Jesus Cristo, o Verbo encarnado, e, por
adoção, admite-os como filhos, anula-lhes o castigo da bastardia, livra-os da morte
espiritual e das penas eternas, mas não os exclui da humanidade e não os exime dos
padecimentos gerais de que todos os seres humanos estão sujeitos: distúrbios naturais,
carências, doenças, acidentes, dores físicas e morais, envelhecimento, morte física. De
tais conseqüências imediatas e contingenciais os redimidos não escapam. Delas nem o
Filho de Deus esteve isento, pois, como integrante da humanidade, cumpria-lhe
experienciá-las real e verdadeiramente. O regenerado, como participante da raça humana,
é solidário com ela na existência biofísica e histórica, sujeito às mesmas paixões, às
mesmas variações circunstanciais, às mesmas patologias, às mesmas limitações, às
mesmas restrições. Os castigos do pecado original, impostos aos homens e à criação
atingem, portanto, injustos e justos. Aos regenerados, porém, Deus concede paz interior,
certeza da redenção e convicta esperança de livramento futuro da morte espiritual e das
penalidades eternas.
Há três variações importantes do pecado:
a- O pecado original, base e fonte dos pecados atuais, eliminador do sistema de
defesa espiritual do homem, causador de fraquezas morais, criador de propensões
maléficas e gerador de ações pecaminosas. Do pecado original nenhum ser humano está
isento, exceto Jesus Cristo.
b- O pecado dos réprobos. O pecado original assume poder absoluto sobre os
réprobos, domina-lhes a mente, a consciência, as emoções, os sentimentos e as paixões,
levando-os, de maneira geral e irreversível, aos desvios extremos:
b.a- Do politeísmo e da idolatria: “Inculcando-se por sábios, tornaram-se
loucos, e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança de homem corruptível,
bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso Deus entregou tais homens à
imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações, para desonrarem os seus
corpos entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém”( Rm 1.22- 25).
BREVE CATECISMO
b.b- Da imoralidade e da depravação: Os ímpios são imundamente
concupiscentes, transformando a sexualidade em desregradas torpezas: “Por causa disso
os entregou Deus a paixões infames; porque até as suas mulheres mudaram o modo
natural de suas relações íntimas por outro contrário à natureza. Semelhantemente os
homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamam mutuamente em sua
sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a
merecida punição do seu erro”( Rm 1. 26, 27).
b.c- Da intratabilidade e do egocentrismo: “Cheios de toda injustiça, malícia,
avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo
difamadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de
males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem
misericórdia. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os
que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim
procedem”(Rm 1.29- 32).
Os irregenerados não eleitos estão e ficarão perdidos independentemente do grau
de maldade e periculosidade de cada ato pecaminoso, pois a perversão lhes é própria em
decorrência da absoluta dominação do pecado e da contumaz rejeição do governo divino.
Em se tratando do regenerado, filho da promessa e da graça, Deus se preocupa
com suas ações benéficas ou delituosas, levando em conta o maior ou menor mérito ou
demérito de cada uma. O próprio crente sabe que há pecados decorrentes de suas
fraquezas, mas outros procedem da malignidade intrínseca de seu ser em forma de
infidelidades, desobediência, depravação, incredulidade, desamor e até, embora raros, em
impulsos agressivos e violentos. O Espírito Santo, no entanto, coloca em seu coração e
mente o arrependimento sincero e a confissão honesta. E Deus, seu Pai benigno, perdoalhe
as culpas confessadas, não por simples benevolência, mas porque foram expiadas na
cruz por e em Jesus Cristo.
BREVE CATECISMO
LIVRAMENTO
Pergunta 85: “Que exige Deus de nós para que possamos escapar à sua ira e
maldição em que temos incorrido pelo pecado?
Resposta: “Para escaparmos à ira e maldição de Deus, em que temos incorrido pelo
pecado, Deus exige de nós fé em Jesus Cristo e arrependimento para a vida( At 20.21; Mc
1. 15; Jo 3. 18), com o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais Cristo nos
comunica as bênçãos da redenção”.
HABILITADOS PARA A SALVAÇÃO
Somente os escolhidos estão habilitados à fé, ao arrependimento, à conversão, à
regeneração, à adoção, à redenção, à glorificação em Cristo Jesus. Deus outorga aos seus
eleitos, por livre e soberana eleição, o potencial condicionante à recepção da graça:
capacidade de ouvir, compreender e aceitar a Palavra de Deus; os dons do amor, da
esperança e da fé salvadora; o irresistível desejo de cultuar o Salvador; a realização
espiritual efetivada na convivência fraternal da Igreja; a comunhão com Deus e a interação
com os irmãos em Cristo; o impulso missionário, incontrolável vontade de testemunhar de
Cristo e falar das boas novas do Evangelho; a santificação progressiva. Todas as virtudes
teologais e morais do redimido parecem emergir de sua vontade, emanar de sua razão, mas,
na verdade, são frutos “naturais” de sua natureza diferenciada da dos réprobos em virtude
de sua eleição, que o “fecunda” para a “germinação” em Cristo. A mensagem redentora
encontra guarida na mente e no coração do escolhido, onde produz os imediatos efeitos da
aceitação, do arrependimento e da regeneração, enquanto a mesma palavra, e até, quem
sabe, pelo mesmo pregador, não penetra regeneradoramente o ímpio reprovado, podendo
mesma causar-lhe, o que freqüentemente ocorre, repulsa à pregação, ao pregador, ao objeto
da proclamação, Deus. Tais resultados contrários, perfeitamente constatáveis, deixa-nos
clara a doutrina bíblica da divisão da humanidade em duas partes distintas e irreconciliáveis
por natureza, essência e destinações diversas: o povo eleito de Deus, salvo em Jesus Cristo,
e os reprovados, os que não aceitam e jamais aceitarão a revelação integral das Escrituras, a
salvação privativa em Cristo Jesus, o culto exclusivo à Trindade, Deus- Pai, Filho e Espírito
Santo. Dentro da própria Igreja visível, institucional e militante, pode haver réprobos em
forma de joio ou bode. Estes, se não fosse a proteção divina, causariam irrecuperáveis
danos aos escolhidos pois, sendo hipócritas, mostram impressionante “santidade externa” e
realização de milagres, inclusive em “nome de Jesus”. Deus, porém, não permite que seus
escolhidos sejam enganados.
Na verdade, ninguém pode vangloriar-se de sua própria salvação. O reino eterno é
dádiva absolutamente graciosa de Deus. Não há nada no homem, interna, externa, moral e
espiritualmente falando, que exerça influência ou tenha papel condicionante na
incondicional escolha divina do preordenado à redenção. Quaisquer valores- estético, ético,
caritativo e piedoso- são incapazes de suscitar em Deus sentimentos de amor, simpatia, ou
preferência por este ou aquele ser humana. As escolhas e as opções do homem são todas
condicionais e condicionadas. A condicionalidade é característica de todas as ações e
decisões do pecador. A incondicionalidade é da essência divina que se expressa em todos os
seus atos criadores, regenciais e salvadores. O próprio culto, que nas religiões pagãs era
BREVE CATECISMO
realização humana, tendo por finalidade ou aplacar a ira dos deuses ou conquistar-lhe os
beneplácitos e as benesses, em Israel e na Igreja é instituição do Salvador.
CAPACITAÇÃO DO ELEITO
Deus, segundo o exclusivo conselho de sua soberana vontade, não somente elege
todos os que se salvam em Jesus Cristo, mas também os transforma, por capacitação, em
receptáculos da graça. No título anterior mencionamos os elementos capacitantes
promovidos e outorgados por Deus. Explicitemo-los: O eleito recebe do Redentor: ouvido
para ouvir; mente para compreender, aceitar e praticar; coração para receber e conservar os
graciosos oferecimentos divinos:
a- A Palavra revelada nas Escrituras do Velho e do Novo Testamentos como
norma exclusiva de fé e padrão universal de comportamento
b- O dom da fé salvadora pela qual o eleito apropria-se da graça: “Pela graça sois
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”( Ef 2.8).
c- Os dons carismáticos essenciais: O amor, a fé e a esperança( I Co 13.13) sem os
quais o testemunho cristão não se efetiva. Não confundir o amor, ágape, dom da graça, com
outros tipos de amor, emergentes das emoções, das paixões e dos sentimentos humanos,
condicionados e alimentados pela reciprocidade dos semelhantes. O amor de Deus cria e
promove o amor humano, mas não depende da resposta amorosa do homem para existir e
manifestar-se, pois a incondicionalidade lhe é intrínseca.
d- O arrependimento, a conversão, a regeneração e a santificação. Sem a
misericórdia de Deus o pecador não se arrepende, não se converte, não se regenera, não se
santifica, pois é ele quem efetua no seu eleito tanto o querer como o realizar, segundo a sua
vontade e não a nossa( Fp 2. 13).
BREVE CATECISMO
O DOM DA FÉ
Pergunta 86: “o que é fé em Jesus Cristo”?
Resposta: Fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora( Hb 10. 39), pela qual o
recebemos( Jo 1. 2) confiamos só nele para a salvação( Fp 3. 9), como ele nos é
oferecido no Evangelho”( Jo 6. 40).
O DOM DA FÉ
Há vários tipos gerais de fé assim agrupados: Fé racional, fé psicológica, fé
carismática.
01- Fé racional.
Fé racional, aquela que, com base no conhecimento, na comprovação e na
experiência, própria ou alheia, nos leva à crença e à aceitação do objeto crido, fato ou
pessoa. A credibilidade verificada e testada é o antecedente necessário à fé racional. Um
cônjuge precisa gerar credibilidade e confiança no consorte; e assim, um passa a crer no
outro, na sua fidelidade e no seu amor. Eu sei que o avião voa; é conduzido por aviadores
capazes e experientes; tem transportado milhares de pessoas. Estas informações
produziram em mim a convicção de que o transporte aéreo é confiável.
Crenças existem sem qualquer efeito real e existencial na vida do crédulo. Há
pessoas que crêem racionalmente em Deus, (Pai, Filho e Espírito Santo), nas Escrituras
Sagradas, na eternidade da alma, na ressurreição do corpo, no juízo final, em Jesus Cristo,
na Igreja. Por assentimento mental professam a existência e a validade dos fatos
religiosos, e até podem ter algum procedimento místico, mas não se deixam conduzir
pelas verdades que intelectualmente conhecem e mentalmente reconhecem. Não há
nenhuma espiritualidade ou carismatismo na fé racional, pois resulta da aceitação, mais
por assimilação ambiental e tradicional que por reflexão, da informativa e formativa
cultura religiosa do meio em que se vive.
02- Fé psicológica.
A fé psicológica pode emergir de dois princípios bem conhecidos:
02.1- Da estrita confiança. O paciente, e o termo é apropriado, que crê no seu
médico, nele confia, dando o primeiro e importantíssimo passo para sua cura. Todo ser
humano tem necessidade psicológica de confiar em alguma coisa ou em alguém, mas a
confiança existe à margem da crença. Um psicólogo pode levar um cliente a ser-lhe um
dependente submisso ou criar nele o poder de auto-estima para libertação pessoal. A
psique é o lema do barco da vida: se o eu não o comanda, outro o comandará. Não
havendo nem um eu e nem um tu na direção, o ser humano se perde no imponderável mar
da existência.
02.2- Da indução emocional. Uma pessoa, depois de adquirir credibilidade
religiosa, exerce influência sob os crédulos e pode operar neles milagres de natureza
psíquica, inclusive psicoses com patologias neurológicas, psicofísicas e até biofísicas.
Nenhum poder é mais inibidor da racionalidade e mais fanatizador que o religioso. A
massa mística se deixa conduzir e escravizar-se por líderes carismáticos nem sempre
muito escrupulosos. O povo, especialmente o sofrido, é facilmente manipulável pela
credulidade. Hoje, muitos se convertem para ficarem sadíos, ricos e felizes, porque lhes
BREVE CATECISMO
pregam que o Pai celeste concede saúde, felicidade e prosperidade aos seus verdadeiros
filhos. Renúncia e servitude? Nem pensar! A fé emocional procura efeitos imediatos e
“concretos”, relegando a crença na promessa de realização futura, depois da ressurreição
dos mortos e glorificação dos redimidos em Cristo Jesus, ao esquecimento.
03- Fé carismática.
A fé carismática é dom de Deus, comunicada pela revelação expressa nas
Escrituras Sagradas e apropriada pelo regenerado mediante a iluminação e o testemunho
interno do Espírito Santo . Ela se manifesta no Novo Testamento como:
03.1- Carisma individual( I Co 12.9). Não se sabe exatamente o que é e o que
produz semelhante dom, mas Paulo afirma que nem todos os crentes o possuem. Talvez
seja o dom de remover obstáculos, de resolver problemas difíceis individuais e
comunitários. Seria, pois, a fé de que fala Jesus Cristo, conferidora do poder de exorcizar
os demônios( Mt 17. 19, 20)?
03.2- Carisma de convicção e de certeza. Convicção de que Deus existe,
efetivamente agiu redentoramente, revelou-se ao seu povo, atua sobre ele, e cumprirá as
promessas feitas. Certeza da salvação, não somente com base na comprovada fidelidade
do Salvador, mas por meio de um convencimento íntimo de eterna filiação, operado pelo
Espírito Santo no ser de cada eleito ( Rm 8. 15). O crente sabe, por revelação, que Deus é
quem opera tudo em todos. Somos salvos e agimos como tais pela misericórdia de Deus,
não pelas nossas deliberações conscientes e atos volitivos( Cf Hb 11. 1- 3 ss)
03.3- Carisma da fé salvadora: “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não
vem de vós, é dom de Deus( Ef 2.8). “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com
Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos
igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes”( Rm 5. 1, 2). Não existe
regenerado sem o dom da fé salvadora; Ela é a habilitação do eleito para ouvir,
compreender, aceitar, incorporar e praticar a mensagem redentora e, por meio dela,
receber o Salvador, submeter-se a ele e segui-lo incondicionalmente. Ao réprobo Deus
não agracia com o misterioso e maravilhoso do dom da fé salvadora.
“Sem fé é impossível agradar a Deus”( Hb 11. 6).
BREVE CATECISMO
ARREPENDIMENTO
Pergunta 87: “O que é arrependimento para a vida?
Resposta: O arrependimento para a vida é uma graça salvadora(At 11.18), pela
qual o pecador, tendo uma verdadeira consciência de seu pecado(At 2. 37) e percepção da
misericórdia de Deus em Cristo(Jl 2. 13), se enche de tristeza e de aversão pelos seus
pecados, abandona-os e volta para Deus(II Co 7.11; Jr 31. 18, 19; At 26. 18), inteiramente
resolvido a prestar-lhe nova obediência”( Sl 119. 59).
NATUREZA DO ARREPENDIMENTO
O arrependimento, antecedente da conversão, sendo conseqüência da atuação da
graça salvadora no interior do homem, não pode ser confundido com:
a- Remorso: tristeza causada por um bem que se deixou de fazer a uma pessoa
que dele carecia, ou por um mal que se praticou contra uma pessoa amada, causando-lhe
constrangimento, tristeza e sofrimento. Geralmente, os mais ingratos filhos são os que
mais choram, e até desesperadamente, quando seus pais falecem.
b- Lastimação: falso arrependimento do criminoso preso e condenado. Enquanto
ocultou o crime e homiziou-se da justiça nada lhe conturbava a mente criminosa. Tal tipo
de “arrependimento” somente acontece, quando o ato delituoso traz pesadas
conseqüências punitivas ao infrator. Na liberdade: meliante e facínora consciente e até
profissional; na prisão: arrependido e vítima social.
c- Indução emocional. A metodologia arminianista de evangelização, por meio
de apelos psicologicamente elaborados e executados, introduzida por Charles Finney(
1792 - 1875), tem sua “eficiência” avaliada pelo número de “arrependimentos” e
conseqüentes “conversões” que produz. O evangelismo de resultado imediato baseia-se
em dois princípios e em algumas técnicas.
Os princípios são: 01- Condicionantes: a- O pregador, pessoa com reconhecido
domínio de auditório, fama de piedoso evangelista, portador de um relatório pessoal de
abundantes “decisões”, orador capaz de fazer aflorarem sentimentos e emoções. b-
Clima propício criado pelo “culto de evangelização”, tudo visando o “candidato à
conversão”. 02- Condicionado: O ouvinte, pecador fragilizado diante da majestade de
Deus e da justiça divina.
As técnicas: 01- Personalizar a condição de todos os seres humanos no pronome
“você”. O que é geral passa a ser pessoal, e o peso da responsabilidade aumenta. 02-
Mostrar que “você” tem sido derrotado nas lutas da vida; fracassos, falhas, frustrações,
irrealizações e decepções sociais, morais, econômicas, amorosas e espirituais. 03- Deixar
claro que “você” está perdido; perdeu-se por culpa próprio, mas quem “vai” pode e deve
“voltar”. 04- Aceitar Jesus Cristo como Salvador. Tal aceitação, porém, tem de ser
manifesta inequivocamente pelo gesto físico-mental de vir à frente, responder às
perguntas do pregador, declarar-se arrependido, receber a oração de perdão com
imposição das mãos pelo mensageiro. Tal tipo de arrependimento induzido tem
levado muitos, a grande maioria, a se “arrependerem” do “arrependimento”, passado o
impacto da emoção estimulada por condicionamentos psicologicamente planejados.
BREVE CATECISMO
O arrependimento real é a fronteira, estrita na duração e eterna nos efeitos, entre
a velha e a nova criatura, entre a morte e a vida, entre a perdição e a salvação, entre a
bastardia e a filiação, entre a tristeza pelo pecado e a alegria do perdão. O
arrependimento( metanoia) acontece no momento exato em que a graça divina opera no
eleito a mudança de natureza. Ele, que estava voltado para o mundo, escravo do pecado, é
tomado pela mão divina, confrontado com sua miséria, virado de frente para Jesus Cristo.
Diante de sua miserabilidade, inadimplência e perdição, sente profunda tristeza,
arrepende-se, confessa, recebe o perdão, experimenta o indizível gozo de tornar-se filho
de Deus, servo de Cristo.
Caminho para o arrependimento: Conhecimento de Deus pelas Escrituras;
convencimento do estado pecaminoso pelo Espírito Santo; recepção do dom da fé
salvadora.
Caminho do arrependimento: Conversão; regeneração, santificação. A
conversão não é conseqüência do arrependimento, mas seqüência. “Metanoia”, na
verdade, é o conjunto: arrependimento-conversão, resultando no novo nascimento ou
regeneração.
Resumo do arrependimento, segundo o Breve Catecismo: Graça salvadora;
consciência do pecado; percepção da misericórdia de Deus em Cristo; tristeza e aversão
pelo pecado; abandono da vida pecaminosa; volta para Deus; submissão à vontade do
Salvador.
O arrependimento para a vida é único, mas de conseqüências permanentes. E,
como integrante de um conjunto de bênçãos - arrependimento, conversão, regeneração,
santificação- condiciona o regenerado ao arrependimento de cada pecado fatual. Sem a
“metanoia” inicial e essencial as verdadeiras pinitências posteriores não ocorrerão.
BREVE CATECISMO
MEIOS DE GRAÇA
Pergunta 88: “quais são os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos
comunica as bênçãos da redenção?
Resposta: Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as
bênçãos da redenção são as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os sacramentos e a
oração( At 2.41, 42; Mt 28. 19, 20), os quais todos se tornam eficazes aos eleitos para a
salvação”.
MEIOS DE GRAÇA: ORDENANÇAS
A Igreja, como serva de Deus, vive, orienta-se e missiona com base exclusiva nas
ordenanças divinas: A Palavra, os sacramentos e a oração. Deus fez nascer, preserva e
desenvolve o novo Israel, Corpo de Cristo, usando instrumentos externos, visíveis, para
criação, execução e manutenção de seus propósitos redentores. O conteúdo, porém, dos
“meios exteriores de graça” não reside na materialidade e concretude, mas na graça
interna, invisível, que tipificam ou representam. O meio de graça não tem qualquer poder
próprio( ex opere operato) à parte do objetivo ministério do Espírito Santo. Deus elegeu
“meios de graça”, conforme os seus insondáveis propósitos, não como substitutos de sua
ação direta e pessoal na revelação e na redenção, mas como instrumentos concretos,
verificáveis, testemunháveis e memoráveis de sua obra redentora contínua e permanente
no mundo. Não há como negar a eficácia da Palavra, a necessidade dos sacramentos e da
oração na vida da Igreja.
MEIOS ORDINÁRIOS E MEIOS DE GRAÇA
Meios ordinários: São memoriais, não apenas vestígios, da atuação direta de
Deus na criação, na redenção, na providência e na eleição de seu povo. A subjetividade
dos planos divinos torna-se palpável e inteligível, até onde ao homem lhe é permitido
conhecer, pelos “meios” históricos utilizados. A intervenção do Criador e Redentor no
universo, físico e humano, deixa marcas e signos indeléveis e significativos. Exemplos de
meios ordinários, verdadeiros marcos dos atos redentores de um Deus pessoal, onipotente
e onipresente: a- No Velho Testamento: A árvore do conhecimento do bem e do mal; o
arco-íris; a circuncisão; o tabernáculo; a arca; o altar; os sacrifícios; o templo; o êxodo; a
lei; o povo eleito; o sábado. Este último tipifica a misericórdia de Deus. b- No Novo
Testamento: A encarnação do Verbo; os sinais messiânicos; a cruz; o túmulo vazio; a
ressurreição memorizada no Domingo; o pentecostes; a Igreja. Como o Sábado foi
símbolo da vitória de Deus na criação( Ex 20. 8 - 11) e da libertação de seu povo( Dt 5.
12 - 15), o Domingo é o sinal permanente, na Igreja, da vitória final de Cristo sobre o
pecado e a morte bem como de sua glorificação.
Meios de graça: não são apenas “pegadas” históricas da presença e ação de Deus,
mas ordenanças divinas à Igreja. Cristo ordenou:
a- O conhecimento da Palavra de Deus e a submissão a ela( Jo 5. 39 cf 5. 24; 8.
31, 32; Mt 13. 16 - 23; 28. 20; Mc 16. 15).
b- O Batismo ( Mt 28. 19). Como não podia haver judeu incircunciso, não pode
existir cristão sem batismo.
BREVE CATECISMO
c- A Ceia ( Mc 14.22- 26 cf Mt 16.26- 30; Lc 22. 19- 23). Cada elemento
eucarístico é seguido de uma ordem imperativa do divino Mestre: Tomai, comei...;
bebei...
d- A Oração: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação”( Mc 14.38 Cf I Ts
5. 17; Hb 13. 18). Jesus não somente foi o Mestre da oração, mas também Homem de
oração. Deixou-nos um modelo extraordinariamente conciso e profundo: o Pai Nosso( Mt
6. 9- 13).
Como vivia a Igreja primitiva, praticante dos meios de graça, devemos viver: “E
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”(
At 2. 42).
O sacramentalismo
Para a Igreja reformada a redenção é comunicada unicamente pela Palavra de
Deus( Solum Verbum Dei) aos eleitos agraciados com o dom da fé salvadora( sola fide) e
operada por Cristo Jesus no Calvário. Para o catolicismo romano a graça é comunicada ao
fiel por meios sacramentais: O clero ordenado( Sacramento da Ordem); a penitência,
também um sacramento; a eucaristia, composta de elementos mais que sacramentais, pois
o pão( Hóstia) e o vinho transubstanciam-se em corpo real, alma e divindade de Cristo de
quem o fiel se apropria por deglutição. Substituída pelos sacramentos, pelo clero e pela
tradição, as Escrituras ocupam, no romanismo, papel secundário e, no que se refere à
salvação e ao perdão, inoperante.
O Meio de Graça essencial, para as Igrejas reformadas, é a inspirada Palavra de
Deus, aplicada redentora e santificadoramente em cada crente pela Terceira Pessoa da
Trindade. O “Verbum Dei”, criador, redentor e santificador, é precedente e conseqüente
da redenção, pois, instrumentalizada pelo Espírito, leva o pecador a Cristo, mostra-lhe o
pecado e, depois de redimido, promove-lhe a santificação.
BREVE CATECISMO
EFICÁCIA DA PALAVRA
Pergunta 89: Como a palavra se torna eficaz para a salvação?
Resposta: O Espírito de Deus torna a leitura, especialmente a pregação da
Palavra, meios eficazes para convencer e converter os pecadores( Sl 19. 7; Sl 119. 130;
Hb 4. 12), para os edificar em santidade e conforto, por meio da fé para a salvação”( I Ts
1. 6; Rm 1. 16; Rm 16. 25; At 20. 32).
O VERBO DE DEUS
A palavra do homem expressa o seu pensamento, comunica a sua vontade,
manifesta o seu caráter, sendo-lhe o principal meio de comunicação e interação
ideológica, social e sentimental com o semelhante. A Palavra de Deus é tudo isto e muito
mais: é força criadora, poder regencial, ordem legislativa universal, mensagem redentora.
Ela, portanto, cria, ordena, promove, dirige, preserva, transforma, redime e santifica. O
Criador, por sua Palavra, do inexistente fez surgir o existente físico; converteu o caos em
ordem; do inerme retirou a vida; da queda chama os eleitos. Esta Palavra dinâmica, vital,
poderosa, imperativa, criadora, governadora, preservadora, redentora e consoladora, sem
frivolidades, sem fraquezas, sem falsidades, ilimitada, imaculada, absolutamente
verdadeira e santa encarnou-se em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne, tornou-se um
de nós, habita conosco e é o nosso único meio relacional com o reino celeste e o Pai
eterno, nosso Criador. A Palavra de Deus expressa nas Escrituras aponta para o Messias e
nos encaminha para ele. Em Cristo, portanto, a Palavra revela-se plena e
satisfatoriamente, edifica-nos e nos santifica, habilita-nos e nos fortalece para o
testemunho cristão e a pregação do Evangelho. “Palavras e obras de Jesus são
inseparáveis. Sua Palavra é operante, age em milagres( Mt 8. 16; Lc 7.14; Mc 1. 25; 4.
39). Permanecer na sua Palavra eqüivale a permanecer nele mesmo( Jo 8. 31). A Palavra,
portanto, não se dá paralela a Jesus, ao lado de Jesus, mas confunde-se com ele,
manifesta-se na sua pessoa e no próprio fato histórico da sua vinda: a união fundamental
do Verbo e do ato, do falar e do agir”( Von Allmen, Jean Jacques, Vocabulário Bíblico,
ASTE, SP, 1ª Ed., 1963, pág. 241). Tanto a Escritura( o escrito) como a mensagem
profética vetotestamentária, criada e ordenada por Deus e a pregação neotestamentária
firmada na revelação dos registros sagrados, são comunicadas, explicadas e aplicadas pelo
Espírito Santo: “Sabendo, primeiramente, isto, que nenhuma profecia da Escritura
provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana, entretanto homens [ santos] falaram da parte de Deus movidos pelo
Espírito Santo”( II Pe 1. 20, 21). Ler a Bíblia ou escutar mensagem emanada
exclusivamente dela significa ouvir a Palavra de Deus. E quem a ouve não permanece o
mesmo, pois ela não retorna vazia( Is 55. 11).
O ESPÍRITO E A PALAVRA
a- Inspirador das Escrituras. O Espírito inspirou os profetas e todos os
comunicadores das Escrituras veto e neotestamentárias. Conhecendo e aceitando a
inspiração dos textos sacros revelados e a sua indiscutível eficácia instrutiva, diretiva,
disciplinar e edificadora, Paulo podia ensinar: “Toda Escritura é inspirada por Deus(
Theopneustos) e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na
BREVE CATECISMO
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra”( II Tm 3. 16, 17).
b- Rabino da Palavra. A transmissão e compreensão de tudo que realizou e
ensinou nosso Senhor Jesus Cristo compete, por delegação direta de Deus, à Segunda
Pessoa da Trindade: “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu
nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”(
Jo 14. 26 cf 15. 26). O Espírito não gera a Palavra, pois esta se encarna e expressa-se no
Verbo, o Salvador, que produz tanto o fato redentor como a Palavra da vida eterna( Jo
6.68). A Igreja ouve o Pai, ouvindo o Filho pela comunicação do Espírito; e a quem ele
não ensinar ou não iluminar para o devido entendimento, não compreenderá as Escrituras,
e não as compreendendo, não será guiado por elas.
c- Ministro do convencimento. Os eleitos chegarão à crença, ao arrependimento,
à conversão, à regeneração e à santificação pelo convencimento do Espírito, atuando pela
Palavra de Deus. Os réprobos terão plena consciência da reprovação divina e da justa
condenação mediante as Escrituras divinamente inspiradas pelo Paráclito a eles pregadas:
“Quando ele vier convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado,
porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do
juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado”( Jo 16. 8- 11).
A Palavra escrita ou pregada, quando dinamizada e efetivada pelo Espírito coloca
justos e injustos perante Jesus Cristo, os primeiros para serem justificados, os segundos
para receberem a condenação. As Escrituras, pois, deixa todos os homens em situação de
imputabilidade e de juízo na presença do Supremo Juiz.
BREVE CATECISMO
O PODER DA PALAVRA
Pergunta 90: “Como se deve ler e ouvir a Palavra a fim de que ela se torne
eficaz para a salvação?
Resposta: Para que a Palavra se torne eficaz para a salvação, devemos ouvi-la
com diligência( Pv 8.34), preparação( Lc 8. 18; I Pe 2. 1,2) e oração( Sl 119. 18), recebêla
com fé( Hb 4.2) e amor( II Ts 2. 10), guardá-la em nossos corações( Sl 119. 11) e
praticá-la em nossas vidas”( Lc 8. 15; Tg 1. 25).
QUANDO E COMO A PALAVRA É EFICAZ
A Escritura é eficaz em si mesma, pois é o registro da poderosa Palavra de Deus.
Virtudes, obras, esforços ou iniciativas humanas não estabelecem condições ou meios
para viabilização ou eficácia salvadora e santificadora da Palavra de Deus. O homem não
coopera para Deus operar; ele somente coopera depois que Deus opera. Pela eleição, ato
da exclusiva vontade e do soberano beneplácito de Deus, o escolhido fica condicionado a
ouvir e entender a sua Palavra, a crer em Jesus Cristo, o Verbo encarnado, a entregar-se
ao Salvador, a submeter-se a ele, a segui-lo e a servi-lo. A graça irresistível e eficaz da
eleição condiciona o eleito à fé e, por esta, à aceitação das Escrituras, à submissão a Jesus
Cristo e nele a redenção e a justificação.
LEITORES E OUVINTES DA PALAVRA
Há dois tipos de leitores e ouvintes da Palavra de Deus: Os ímpios e os eleitos.
01- Os ímpios. Estes, quando inseridos numa cultura cristã e por causa da
intensa divulgação das Escrituras, lêem a Bíblia, levados por motivos diversos: a-
Tradição cristã, mas de um cristianismo que não se fundamenta nas Escrituras e nem
aceita a suficiência de Cristo como único meio de salvação. b- Questões litúrgicas. A
leitura bíblica, para muitos, não vai além de textos selecionados e condicionados a datas
comemorativas e aos momentos da celebração litúrgica. c- Bitola ideológica. Há leitores
e ouvintes que lêem a Bíblia orientados por pregadores e dirigentes de facções heréticas
firmadas em doutrinas retiradas de textos isolados, o que causa visões e compreensões
parciais, inadequadas e defeituosas da revelação bíblica. d- Exibição cultural. Tem sido
moda citar textos bíblicos como exibição de cultura geral ou demonstração de que se
domina o universo da cultura cristã. c- Apoio e comprovação. Muitos escritores e
oradores das áreas moral, social, jurídica e política citam textos sacros em defesa de
opiniões, conceitos, princípios e teses. e- Magia. Magos e adivinhos não somente
recomendam textos bíblicos mas tentam transformá-los em “objetos mánticos”, em
“amuletos da sorte”.
A Bíblia lida à moda dos ímpios ou pregada por falsos profetas é salvadoramente
inoperante e espiritualmente ineficaz.
02- Os eleitos. Aos eleitos Deus confere a graça de, guiados pelo Espírito Santo,
serem salvos por e em Jesus Cristo e desenvolverem a salvação: “desenvolvei a vossa
salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade”( Fp 2. 12b, 13). O caminho da conversão e do
desenvolvimento da salvação ou santificação é a Palavra de Deus. Desta maneira, a
BREVE CATECISMO
resposta à pergunta 90 do Breve Catecismo, certamente, tem como destinatário o eleito
redimido, não o réprobo.
Postura de quem lê e de quem ouve. O Catecismo estabelece os seguintes
critérios para se ouvirem e lerem-se as Escrituras: a- Diligência: insistência, persistência
e sistematização. O coração do verdadeiro crente tem necessidade da Palavra de Deus
como o seu pulmão necessita de oxigênio. b- preparação e oração. A Bíblia deve ser lida
devocionalmente, pois Deus por ela fala ao seu servo submisso e disposto a ouvir e a
atender o seu Senhor. Ela, quando lida com espírito de oração, penetra fundo consoladora,
edificadora e santificadoramente a vida e a alma do filho de Deus. c- com fé e amor.
“Sem fé é impossível agradar a Deus”. O regenerado é equipado pelo Espírito de fé
salvadora, fé psicológica e amor( ágape). Ele crê no Deus que lhe fala pelas Escrituras,
tem certeza, por iluminação espiritual, que a Bíblia é realmente a Palavra de Deus,
revelação da vontade do Criador e Salvador à humanidade. Ele não lê para questionar,
mas para obedecer. Por outro lado, o seu amor a Deus supera, e muito, quaisquer outros
tipos de amor ou formas de amar. d- Retenção do que se lê. O crente sincero vai
incorporando as lições bíblicas em seu ser e, desta maneira, crescendo em santificação,
em coinonia e em diaconia na Igreja de Cristo: “Guardo no coração as tuas palavras, para
não pecar contra ti”( Sl 119. 11). e- Prática. O servo de Cristo não lê a Palavra por
diletantismo, por obrigação ou por necessidade circunstancial; ele procura nela
norteamento para sua vida espiritual e parâmetros para o seu comportamento moral. Em
suma: Ele vive e pratica a Palavra de Deus.
BREVE CATECISMO
SACRAMENTOS, MEIOS DE GRAÇA
Pergunta 91: “Como os sacramentos se tornam meios eficazes da salvação?
Resposta: Os sacramentos tornam-se meios eficazes da salvação, não por alguma
virtude que eles ou aqueles que os ministram tenham, mas somente pela bênção de Cristo e
pela obra do seu Espírito naqueles que pela fé os recebem”( I Pe 3. 21; At 8. 13, 23; I Co 3.
7; 6. 11; 12. 13).
Origem do termo Sacramento
A palavra sacramento não se deriva das Escrituras; vem do latim, sacramentum,
termo de natureza jurídica, usado, principalmente, em duas situações: a- Nome dato ao
depósito que se fazia em juízo, sob juramento de respeito e acatamento da decisão final da
corte, para iniciar-se e resolver, juridicamente, um litígio. O vencedor da causa pleiteada
recebia o montante depositado. b- Designava o juramento público que o soldado fazia de
estrita obediência ao seu comandante e de devotamento cívico. Sacramentum, por analogia
do reino de Cristo com o reinado secular e do comando militar com o das milícias cristãs
pelo supremo comandante, Jesus Cristo, passou a significar, logo nos primórdios da Igreja,
o juramento de fidelidade a Cristo e de compromisso com a Igreja feito pelo batizando ou
pelo comungante. Depois de transferido do secular para o eclesiástico, o termo foi usado
por Jerônimo, na Vulgata, para traduzir o grego mysterion; daí se deriva o conceito de
mistérios sacramentais.
Pergunta 92: O QUE É UM SACRAMENTO?
Resposta: “Um sacramento é uma santa ordenança, instituída por Cristo, na qual,
por sinais sensíveis, Cristo e as bênçãos do novo pacto são representados( Mt 26. 26-28; Mt
28. 19), selados e aplicados aos crentes”( Rm 4. 11).
Sacramento é uma ordenança explícita, indiscutível, imperativa, permanente e
universal de nosso Senhor Jesus Cristo. Não se concebe o cristianismo sem o batismo e a
Santa Ceia. Ninguém ingressa no Corpo de Cristo, a Igreja, sem o sacramento ou ordenança
do batismo. Nele nenhum fiel normalmente permanece, dispensando a comunhão
eucarística. Os sacramentos, portanto, são ordenanças de Cristo fundamentalmente
indispensáveis tanto na origem como na existência da Igreja e de cada um de seus
membros.
SOMENTE DOIS SACRAMENTOS
Pergunta 93: “”Quais são os sacramentos do Novo Testamento?
Resposta: “Os sacramentos do Novo Testamento são o Batismo( Mt 28. 19) e a
Ceia do Senhor”( I Co 11. 23).
O romanismo acrescentou às duas ordenanças do divino Mestre mais cinco
sacramentos, ordenanças da Igreja, não de Cristo: Confirmação, Ordenação, Matrimônio,
Penitência e Extrema Unção. Não há fundamento bíblico consistente para tais acréscimos
sacramentais.
Os sacramentos neotestamentários são herdeiros e substitutos das ordenanças
vetotestamentárias: a Circuncisão e a Páscoa. Os significados e os objetivos assemelhamse.
As poucas diferenças são mais de extensão e de adequação que de conteúdo: As
ordenanças da antiga aliança eram restritas; as da nova são universais. Eram ambas
BREVE CATECISMO
cruentas; as do nova são incruentas. As da velha eram típicas, embora comunicassem
graça; as da nova são representações ou signos fatuais da graça realizada em e por Cristo
Jesus. “Mutatis mutandis”, o Batismo sucedeu a Circuncisão; a Ceia do Senhor é
sucedânea da Páscoa.
DEFINIÇÃO DE SACRAMENTO
Podemos definir um sacramento assim: Sacramento é uma ordenança instituída por
Cristo contendo:
a- A palavra ordenatória e autoritativa de Cristo.
b- Os elementos físicos, separados e consagrados, que dão visibilidade ao ato
sacramental
c- A graça invisível, existente no interior do participante, colocada pelo Espírito
Santo, que os elementos visíveis representam.
d- A presença de Cristo em cada celebração, efetivada na Igreja reunida e irmanada
pela força aglutinadora do Espírito Santo.
Doutrina reformada dos sacramentos
O sacramento, no pensamento reformado, significa:
a- Sinal visível da graça invisível. Os elementos materiais do sacramento
simbolizam ou representam a operação da graça interna realizada pelo Espírito Santo e por
eles simbolizada, sinalizada e marcada memorativamente. A graça invisível de que os
sacramentos são sinais visíveis é que fornece conteúdo significativo aos procedimentos
rituais e aos elementos eucarísticos. Estes não têm poder ou eficácia em si mesmos( ex
opere operato), como entende o romanismo.
b- Os sacramentos, Batismo e Ceia, são sinais do novo pacto, o da graça, firmado
por Jesus Cristo com a Igreja, corpo dos eleitos.
c- A autoridade e a eficácia dos sacramentos residem no seu instituidor, o Filho de
Deus, e no poder da sua Palavra. A expressa ordenança de Cristo qualifica, santifica,
dignifica o sacramento e indica os propósitos finais do fato sacramental ordenado.
BREVE CATECISMO
BATISMO
Pergunta 94: “O que é Batismo?
Resposta: Batismo é um sacramento no qual o lavar com água em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo( Mt 28. 19) significa e sela a nossa união com Cristo, a
participação das bênçãos do pacto da graça( Gl 3. 27; Rm 6. 3 e a promessa de
pertencermos ao Senhor”( Rm 6. 4).
DEFINIÇÃO
Batismo, segundo a fé reformada, é o “sinal visível da graça invisível”. Deus
opera, pela morte vicária de seu Filho, a regeneração de todos os eleitos que ao Cordeiro se
unem e a ele se submetem. A marca externa da obra interna do Espírito é o batismo, meio
material de simbolizar a regeneração, essencialmente espiritual.
EFICÁCIA BATISMAL
A eficácia mística beatificadora do batismo como meio de graça procede
fundamental e privativamente de Deus. O efeito regenerador procede da causa, a graça
eficiente, não de seu símbolo, a lustração batismal. A sua eficiência, portanto, depende:
a- Da graça interna operada no batizando pelo Espírito Santo. Sem arrependimento,
conversão e regeneração, signos internos, o sinal externo será aplicado inútil e
inoperantemente, pois em si mesmo é salvadoramente ineficaz.
b- O valor do batismo reside, por outro lado, na ordenança do divino Mestre.
Cumprindo o mandato de Cristo, a Igreja batiza os que professam a fé cristã pela confissão
formal e pelo testemunho.
c- A autoridade do batismo provém do fato de ele ser ministrado em nome( ou para
o nome) da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. A Igreja, cumprindo o mandato de Cristo,
batiza o arrependido confesso para Deus, não para si mesma.
d- O batismo, como ato histórico, é um rito sacramental de iniciação na Igreja
visível institucional. Todos os batizados tornam-se membros da sociedade eclesial, mas
somente os regenerados são partícipes da Igreja invisível, do verdadeiro reino de Cristo.
Coisa semelhante acontecia com a circuncisão: todos os israelitas eram circuncidados para
se tornarem integrantes do “povo de Deus”, mas nem todos os circuncisos fizerem parte do
Israel espiritual. A porta de ingresso na Igreja peregrina é o batismo, mas por ela têm
passado muitos irregenerados.
DOUTRINAS BATISMAIS
Há, pelo menos, três correntes doutrinárias do batismo:
01- Auto-eficácia. O catolicismo romano defende a tese do “ex opere operato” , isto
é, o batismo opera por si mesmo, pois a “divina instituição” sacralizou o ato e os elementos
utilizados. O sacramento batismal tem, segundo o romanismo, o poder de,
independentemente de quem o ministra, “lavar” o pecado original e perdoar todos os
pecados atuais. Para a teologia sacramental romana, o batismo é o sacramento básico da
salvação. Os demais são conseqüentes. Resumindo: o romanismo professa a doutrina da
“regeneração batismal”.
02- Eficácia pela fé pessoal. Para uma parte das igrejas históricas e para a maioria
dos “evangélicos”, todos sob influência arminiana, a eficácia do batismo reside na “fé
pessoal madura” do batizando, ficando a salvação dependente da vontade, da razão e da
BREVE CATECISMO
decisão humanas. Deus opera se o pecador cooperar. Neste caso, Deus não escolhe o
homem; este que escolhe Deus por meio da fé racional. Então, a salvação já não é mais pela
graça, mas pelas obras da fé consciente. O antipedobatismo é consequência lógica da
doutrina da salvação pela fé racional, privilégio de quem raciocina e não de quem é objeto
da misericórdia de Deus.
02- Sinal do pacto. Para a Igreja reformada o batismo é sinal da nova aliança
estabelecida conosco por Cristo Jesus assim como a circuncisão era o signo da velha
aliança. Cristo não o instituiu como meio de purificação, de ressurreição, de perdão ou de
justificação, mas com o objetivo de selar ou assinalar os realmente regenerados. O batismo
sem a graça remidora internamente operante é totalmente despido de significado,
completamente inválido.
OS QUE DEVEM SER BATIZADOS
Pergunta 95: “A quem o Batismo deve ser ministrado?
Resposta: “O Batismo não deve ser ministrado àqueles que estão fora da Igreja
visível, enquanto não professarem sua fé em Cristo e obediência a ele( At 2. 41), mas os
filhos daqueles que são membros da Igreja visível devem ser batizados”( Gn 17.7, 10; Gl
3.17, 18, 29; At 2. 38, 39).
Como sinal do pacto, não tendo qualquer função regeneradora, não dependente da
fé racional, mas da graça de Deus, sendo uma ordenança de ingresso na Igreja de Cristo,
um “sinal visível da graça invisível”, uma transferência da cidadania do mundo para a
celeste, o batismo deve ser ligitimamente aplicado:
a- Ao adulto que publicamente professar sua fé em Jesus Cristo.
b- Aos filhos de pais crentes em plena comunhão com a Igreja, declarando-os
pertencentes à comunidade visível de seus genitores.
c- Aos deficientes mentais, despidos de domínio próprio, filhos de crentes professos
da Igreja. Esses, incapazes de atingir a maturidade, serão sempre dependentes e, portanto,
permanecerão como membros menores. Incapazes de “discernirem” o corpo, os deficientes
mentais não participam da Ceia do Senhor.
Pelo batismo o oficiante declara o batizado membro da Igreja militante, ligado à
instituição eclesial terrena; à Igreja invisível, à comunhão eterna dos santos, somente Deus
pode ligá-lo, e ele o faz sem qualquer ingerência humana quer pela razão quer por atos
meritórios.
BREVE CATECISMO
CEIA DO SENHOR
DEFINIÇÃO
Pergunta 96: “O que é Ceia do Senhor?
Resposta: A Ceia do Senhor é um sacramento no qual, dando-se e recebendo pão
e vinho, conforme a instituição de Cristo, se anuncia a sua morte( Mt 26. 26, 27; I Co 11.
26); e aqueles que participam dignamente tornam-se, não de uma maneira corporal e
carnal, mas pela fé, participantes do seu corpo e do seu sangue, com todas as suas
bênçãos para o seu alimento espiritual e crescimento em graça”( I Co 10. 16; Ef 3. 17).
A mesma definição do batismo vale para a Ceia do Senhor: “Sinal visível da
graça invisível”. Ela atualiza e fixa na mente da Igreja o fato de que a morte vicária de
Cristo, sua ressurreição e exaltação, foram e são atos e obras geradores da expiação e da
redenção, responsáveis pela essência, existência e ministérios da universal comunhão dos
santos e, dentro dela, da salvação, santificação e espiritualidade de cada crente. A Ceia,
portanto, é muito mais que simples liturgia comemorativa da paixão de Cristo, mais
significativa e profunda que qualquer pomposo ritual celebrativo de sua morte. A
ordenança: “Fazei isto em memória( anamnesis) de mim” significa: a- Trazer à lembrança
dos redimidos todos os acontecimentos históricos da remissão: encarnação, vida,
ministério, paixão, morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. b- Fazer emergir
do ser da Igreja e do interior de cada um de seus membros, revivendo-a e reavivando-a, a
bênção intrínseca e interna da redenção: definitiva conquista do Cordeiro e graça
indelevelmente eterna de todos os salvos. c- Lembrar que a Igreja nasceu de Cristo, o
Segundo Adão, como a velha humanidade surgiu do primeiro Adão. Cada celebração
eucarística comemora, pois, a concepção e o nascimento da Igreja. Na cruz com Cristo ela
padeceu. Da cruz, desceu com ele ao túmulo, ao “sheol”. Do túmulo, com ele ressurgiu
para a vida eterna. Tudo isto vem à tona em cada celebração da Santa Ceia.
CRISTOCENTRISMO EUCARÍSTICO
Cristo é o centro da Santa Ceia. À vista do cristocentrismo eucarístico, a Igreja
precisa conscientizar-se de que a Ceia é: a- Uma instituição direta e pessoal de Cristo.
O papel apostólico foi apenas e exclusivamente preparatório. b- Uma comunhão dos
regenerados. Os que foram retirados do escravidão egípcia, depois de atravessarem o
Mar Vermelho, símbolo do batismo, participaram da Páscoa. Os pecadores, libertos do
pecado, são batizados, tornam-se comungantes do corpo de Cristo. c- Uma dádiva de
Cristo. O próprio Cristo partiu o pão e distribuiu o vinho, concedendo à Igreja a bênção
de repetir a cerimônia, sempre em sua presença e sob seu mandato. O crente não engole o
Cristo físico no pão; recebe Cristo, pão vivo que desceu do céu para trazer vida eterna
ao mundo.
PRESENÇA DE CRISTO NA EUCARISTIA
a- Ceia, uma dádiva de Cristo. A Ceia é a celebração da dádiva de Cristo,
doação de si mesmo, aos eleitos, não uma oferta da Igreja a Deus. Não é a Igreja que
oferece Cristo em holocausto com o objetivo de aplacar a ira divina e obter o perdão, é
Cristo que se entregou a si mesmo em resgate de muitos.
b- Presença real física. Cristo não está nem consubstanciado( presença real com
ou sob) nos elementos eucarísticos, segundo o pensamento luterano, e nem
BREVE CATECISMO
transubstanciado( presença real, física.) em cada um dos elementos sacramentais,
conforme o ensino romano.
c- Presença real espiritual de Cristo. A sua presença real é a única razão de ser,
de existir e de se expressar da Igreja, inexistente na ausência de seu Cabeça, Cristo. A
Santa Ceia, cerne e centro do Culto, somente se reveste de realidade, veracidade,
autenticidade, efetividade e espiritualidade por causa da presença gestora, dinamizadora e
santificadora do Senhor da Igreja. Sem a presença real de Cristo a Ceia não passará de
formalismo ritual, sem significado espiritual e sem conteúdo sacramental.
OS COMUNGANTES
Pergunta 97: “Que se exige para participar dignamente da Ceia do Senhor?
Resposta: Exige-se daqueles que desejam participar dignamente da Ceia do
Senhor que se examinem sobre o seu conhecimento em discernir o corpo do Senhor( I Co
11. 28, 29), sobre a sua fé para se alimentarem dele( Jo 6.53 - 56), sobre o seu
arrependimento( Zc 12. 10), amor( I Jo 4. 19; Gl 5. 6) e nova obediência( Rm 6. 4, 17-22)
para não suceder que, vindo indignamente, comam e bebam para si a condenação”( I Co
11. 27).
Os que devem comungar: Todos os membros professos e em plena comunhão
com a Igreja.
Os que não devem comungar: 01- As crianças, embora batizadas e filhas de pais
crentes, por serem: a- Incapazes de auto-exame: “Examine-se, pois, o homem a si
mesmo, e assim coma do pão e beba do vinho”( I Co 11. 28). b- Impossibilitadas de
discernir o corpo: “Quem come e bebe, sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si”(
I Co 11. 29). 02- Os disciplinados, suspensos da comunhão pelo Conselho, até o fim da
suspensão disciplinar ou prova testemunhal de arrependimento. 03- Os deficientes
mentais realmente incapazes de raciocínio e discernimento.
A Santa Ceia, além de poderoso meio de graça, representa o engajamento
consciente e ativo de cada membro no corpo místico de Cristo, a Igreja, em peregrinação
à Jerusalém celeste.
BREVE CATECISMO
ORAÇÃO
Pergunta 98: “O que é oração?
Resposta: Oração é um oferecimento dos nossos desejos a Deus( Sl 62. 8; Sl 10. 17), por
coisas conformes com a sua vontade( I Jo 5. 14; Mt 26.39; Jo 6. 38), em nome de Cristo( Jo
16. 23), com a confissão dos nossos pecados( Dn 9. 4), e um agradecido reconhecimento
das suas misericórdias”( Fp 4.6).
DEFINIÇÃO
A definição expressa pela resposta é, sem dúvida, pertinente, mas incompleta: parte
do princípio de que o homem pode tomar a iniciativa de:
a- Oferecer a Deus os seus desejos, aqueles que se conformem à sua vontade.
b- Acompanhar a oferta dos desejos de “confissão de pecados”; certamente pecados
de desejos impuros e de atos indignos.
c- Reconhecer agradecidamente as misericórdias de Deus.
d- Orar em nome de Cristo.
Semelhante definição tem o mérito de se firmar na oferta, na confissão e na
gratidão, mas comete o equívoco de não explicitar com clareza a petição ou a súplica e
ainda estabelece o conceito de iniciativa unilateral do homem para Deus, quando, na
verdade, é Deus, e exclusivamente ele, que se chega ao homem por meio de Jesus Cristo.
Cremos ser mais completa a definição de Von Allmen: “ Oração é a partilha voluntária que
Deus faz conosco de sua vontade, de seu poder e de seu amor por meio da palavra
humana”( Von Almen, Jean- Jacques: Vocabulário Bíblico, ASTE, 1ª Ed., pág. 235). Esta
partilha voluntária é privativa do regenerado e decorre da obra do Espírito Santo no seu
interior.
ORAÇÃO, GRAÇA E MEIO DE GRAÇA
A oração, por ser fruto e conseqüência da redenção, deve ser entendida como
indiscutível meio de graça tanto quanto a Palavra de Deus e os sacramentos. Nenhum ser
humano, a não ser Jesus Cristo, tem condição e habilidade para, por si mesmo, relacionar-se
com Deus e com ele dialogar por meio da oração. A condição primária da relação filho-pai
é a filiação, o que não depende do filho, mas do pai; e quanto mais eficaz é o elo relacional
descendente pai-filho na geração e na formação, mais profundo e emocional é o vínculo
ascendente filho-pai. Entendemos ser isto o que pretendeu ensinar-nos o apóstolo Paulo,
falando da relação “ filho terreno e Pai celeste: “ Recebestes o espírito de adoção, baseados
no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos
filhos de Deus”( Rm 8. 15b, 16). Podemos afirmar que as causas da oração encontram-se,
original e essencialmente, no Deus soberano que, por seu beneplácito, elegeu-nos,
justificou-nos, redimiu-nos em Cristo Jesus e nos santifica. A oração verdadeira emerge
privativamente da alma do eleito regenerado. A reza do ímpio não passa de maquinação
religiosa, um tipo de “esforço humano” com objetivo de:
a- Submeter a vontade divina à sua.
b- Fazer de Deus um doador de bens e benefícios.
c- Criar uma felicidade aqui com garantia de continuidade no além.
A verdadeira oração, entendemos, não se fundamenta nos desejos, nas necessidades,
no misticismo e nos anseios humanos, mas na filiação. Somente o filho pode gritar: Aba,
Pai! O direito, o privilégio e a bênção de ser filho de Deus em e por Cristo Jesus gera no
BREVE CATECISMO
regenerado, como manifestação natural de seu ser, a oração, isto é, o espontâneo e
interativo relacionamento entre o salvo e o Salvador. Colocado por ato redentor gracioso no
regaço do Redentor, o redimido fica, ao mesmo tempo, em situação de privilégio e
subordinação: com o direito de adorar, louvar, pedir, requerer e interceder, mas também
com o dever de submissão, obediência, acatamento e serviço. Os que o Pai não elege, não
vocaciona, não salva e não entrega ao Filho são incapazes de orar verdadeiramente.
A oração da Igreja, corpo de Cristo, e a de cada um de seus autênticos membros é
produzida pelo Espírito: “ Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa
fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós
sobremaneira com gemidos inexprimíveis”( Rm 8. 26). Esta realidade, apenas
experienciada pelo servo real, leva-nos a concluir:
a- A oração verdadeira é poderosa, mas o seu poder não procede do salvo, mas do
Espírito que nele habita( Cf Rm 8. 9-17).
b- O homem é incapaz de “produzir” a verdadeira oração, mesmo em língua
estranha, pois ela é racionalmente inexprimível. O filho redimido somente fala ao
seu Pai celeste por meio do Espírito, jamais por via racional. A oração brota da
alma do crente como a luz emana do sol.
c- A oração é uma graça de todos os eleitos, pois em todos habita o Espírito que a
produz e a destina ao Pai por meio de Cristo, Senhor da Igreja.
d- Não é o homem que “move” ou “comove” Deus pela força da prece; é Deus que
“move” e “comove” os seus eleitos por meio da misteriosa graça da oração.
BREVE CATECISMO
FUNDAMENTOS DA ORAÇÃO
Pergunta 99: “Que regra Deus nos deu para o nosso direcionamento em
oração?”
Resposta: Toda a Palavra de Deus é útil para nos dirigir em oração( II Tm 3. 16, 17;
I Jo 5. 14), mas a regra especial de direcionamento é aquela forma de oração que Cristo
ensinou aos seus discípulos, e que geralmente se chama a Oração do Senhor”(Mt 6. 9).
ORIGEM E FONTES DA ORAÇÃO
A oração verdadeiramente cristã origina-se em Deus e nos chega por meio de quatro
fontes nas quais também se fundamenta e pelas quais se expressa com veracidade,
espiritualidade e poder:
01- A Palavra de Deus: “ toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
para a repreensão, para correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus
seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”( II Tm 3. 16, 17).
A Palavra de Deus, quando gravada em nossos corações e fixada em nossas mentes, tornase,
realmente, “nossa única regra de fé e norma de conduta”. O Pai governa e guia os seus
filhos pela sua Palavra. Todo aquele que é dirigido por Deus sabe dirigir-se a Deus e
relacionar-se com ele e, por outro lado, interagir-se adequadamente com o próximo. O
servo de Cristo dominado pelas Escrituras, domina-se a si mesmo, vence a carne e as
tentações e tem, consequentemente, uma vida de oração. O regenerado nasce da Palavra de
Deus encarnada no Verbo eterno, nosso Senhor Jesus Cristo, vive dela e por ela. Esta
mesma Palavra gera o culto ao Salvador. E culto não existe sem os seus elementos
constitutivos essenciais: A Palavra de Deus, os sacramentos e a oração, exatamente nesta
ordem, segundo nosso entendimento.
02- Espírito Santo: “ Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a
verdade”( Jo 16. 13 cf Jo 14. 17, 26; Jo 15. 26; Jo 7. 38, 39).
O crente( falo do regenerado, não do membro da Igreja) é templo do Espírito Santo que, por
sua habitação permanente e atuação constante, promove-lhe o crescimento espiritual e lhe
traz aos lábios a prece sincera, conveniente, oportuna e agradável a Deus: “ Também o
Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como
convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira com gemidos
inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque
segundo a vontade de Deus é que ele intercede por nós”( Rm 8. 26, 27).
A oração procede da alma do eleito, redimida, iluminada e vibrada pelo Espírito( Rm 8.
12-17). Quem não é guiado pelo Espírito de Deus, não é filho de Deus( Rm 8. 14). É ele
que testifica com o nosso espírito, isto é, dá-nos a convicção de que realmente somos filhos
do Pai celeste, não bastardos( Rm 8. 16). E o filho comunica-se com o seu pai de maneira
direta, íntima, interativa, emocional e natural. Oração é o diálogo entre o filho de Deus e
seu Pai eterno. Podemos dizer que a filiação procede da paternidade; a oração vem da
filiação.
03- A Igreja. O sacerdote do Velho Testamento, mediador do culto, não podia ser
estrangeiro; pertencia, obrigatoriamente, ao povo escolhido de Deus. No Novo Testamento
o núcleo sacerdotal se amplia, pois a Igreja toda se tornou um sacerdócio real, uma nação
santa, um povo de propriedade exclusiva de Deus( I Pe 2. 9, 10), fato que os reformadores
consagraram na fórmula doutrinária: “ Sacerdócio universal de todos os crentes”. O
BREVE CATECISMO
membro da Igreja, clérigo ou leigo, recebeu de Deus em Cristo Jesus a autoridade ou “
múnus” da oração, especialmente a intercessória. A sua oração, portanto, a do culto
comunitário, a do recesso de seu lar ou a da íntima privacidade realiza-se no contexto do
Corpo de Cristo e por sua causa. Igreja não é apenas e exclusivamente um ajuntamento
físico de fiéis: é a comunhão dos eleitos em Cristo Jesus, efetiva e real tanto na reunião
como na dispersão. Não há crente isolado, pois não tem existência vital e função real um
ramo fora de videira, uma pedra de edificação separada do edifício, um órgão extraído do
organismo. A oração de quem está desligado da Igreja, isto é, desvinculado do Corpo de
Cristo, é despida de conteúdo espiritual autêntico, de sincera veracidade, pois o amor a
Deus expressa-se no amor agápico aos irmãos. A verdadeira oração é feita pelo povo de
Deus em Cristo Jesus e em seu nome.
É na Igreja que a relação, a mais santa e a mais nobre das relações, acontece: Pai-
Filho- servo e servo- Filho- Pai. A nossa oração vai ao Pai porque estamos no Filho,
incluídos no seu Corpo, a Igreja.
04- O nome de Jesus. Toda oração realmente cristã é feita em nome de Jesus. Orar em
nome de Cristo não significa que o regenerado possui procuração para agir em seu lugar,
exercer autoridade e múnus que lhe são peculiares, mas que ele, o Salvador, é nosso único
Sumo Sacerdote, Mediador das nossas orações a Deus. A Igreja é sacerdotisa perante o
mundo; Cristo é seu sacerdote diante do Pai. Os gemidos da humanidade a Igreja os leva a
Cristo; os clamores da Igreja o Sumo Sacerdote, nosso Redentor, os conduz ao Pai.
BREVE CATECISMO
PREFÁCIO DA ORAÇÃO DO SENHOR
PAI NOSSO QUE ESTÁS NO CÉU
Pergunta 100: “ O que o prefácio da Oração do Senhor nos ensina?
Resposta: O prefácio da Oração do Senhor, que é: “ Pai nosso que estás no céu”, nos
ensina que devemos aproximar-nos de Deus com toda a santa reverência e confiança, como
filhos a um pai capaz e pronto para nos ajudar( Is 64. 9; Lc 11. 13; Rm 8. 15), e também nos
ensina a orar com os outros e por eles”( Ef 6. 18; At 12. 5; Zc 8. 21).
REVERÊNCIA E SOLIDARIEDADE
A introdução invocativa do Pai Nosso, segundo o ensino catecismal, fundamenta-se
nos princípios da submissão filial e da fraternidade familiar:
01- Submissão filial. Entre os orientais, antigos e modernos, o filho é ensinado a
respeitar e a obedecer os seus genitores, especialmente o pai, cabeça e autoridade máxima
da sociedade familiar, responsável direto pela existência, manutenção e preservação do lar.
Assim, a idéia de uma divindade com o papel existencial e regencial de Pai dos pais era
perfeitamente inteligível e aceitável. A respeitável figura do pai biológico, natural e social,
a quem o filho devotava a mais irrestrita obediência, acatamento, submissão e respeito,
criava nele todas as condições culturais e psicológicas para a reverente prostração diante do
Pai dos pais, Deus dos ancestrais e de seus descendentes.
02- Fraternidade familiar. A imagem de um Deus paterno transmitia, de geração a
geração, o conceito de que todos os cristãos, independentemente de nacionalidade, etnia e
raça, eram irmãos, filhos de um Pai superior, digno e santo, além e acima das limitações
temporais e deficiências humanas. O primogênito da irmandade, o que recebeu a bênção da
primogenitura para ser o primeiro e o principal de todos os irmãos, é Jesus Cristo, o eterno
Filho, herdeiro do Pai. Ele, depositário do múnus criador, gerencial e salvador do Pai,
concede aos eleitos, pelos quais responde, todas as graças paternais necessárias ao
crescimento, à sobrevivência, à proteção e à redenção.
Jesus, o nosso irmão primogênito, não quer que nenhum de nós seja egoísta,
individualista, presunçoso, vaidoso e proeminente, pois dentro de uma verdadeira confraria
não há lugar para individualismo e personalismo. Perante o Pai, todos somos filhos
absolutamente iguais, sem preferencialismo e sem protecionismo discriminatório. Temos
um único Pai, e seu amor paterno agracia de maneira idêntica todos os redimidos
confraternizados em Cristo Jesus. A Oração do Senhor é a voz da família, o desejo expresso
do conjunto interativo da irmandade que, consensual e harmonicamente ora: Pai nosso que
estás nos céu...
Intimidade com respeito. O respeito filial, de crianças e adultos, parte de alguns
fundamentos modeladores:
a- A honra, o caráter, a hombridade e a dignidade do pai, virtudes comunicadas ao
filho na convivência diária. O exemplo fala mais alto, mais fundo e por mais longo tempo
que as palavras. O filho assimila melhor o que vê, o que vivencia, do que tudo que ouve à
margem dos exemplos.
b- Amor paterno. O filho sabe que o pai o ama, não por vazias alocuções
românticas e sentimentais, mas por demonstrações concretas. O que ameaça a vida do filho,
BREVE CATECISMO
atinge a do pai, porque uma é extensão da outra. O verdadeiro amor paterno se lê mais
claramente nos olhos lacrimejados do pai diante dos sofrimentos do filho que nos seus
lábios sorridentes perante o contentamento filial.
c- Providência e preocupação. O verdadeiro pai dá a vida pelo filho. Não pensa em
si mesmo; todas as suas providências e atividades produtivas visam o bem-estar do filho no
presente e no futuro.
d- O ideal e o real. O pai terreno é idealizado; o celeste é ideal. Tudo que se atribui,
em termos de idealidade, realidade e eficácia, a um pai natural, deve ser atribuído, e com
acréscimo da infinita perfeição, ao Pai celeste. Os seus filhos sentem-se amados,
protegidos, abençoados, integrados no corpo familiar de que o Filho é o Cabeça, e ainda
agraciados com a vida eterna.
A relação Pai-filho, como a quer nosso irmão primogênito, Jesus Cristo, é a de uma
criança inteiramente dependente de seu progenitor ao qual intuitiva e instintivamente
chama: “Abba”, Papai( Rm 8.15). As palavras papai e mamãe( abba e imma), nos lábios da
criancinha, são despidas de qualquer subjetivismo, mas carregadas de incalculáveis
significados emocionais, sentimentais e existenciais, pois o filhinho inapto, submisso por
natureza, é a extensão psicológica de seus pais. A criança, na primeira infância, em estado
de absoluta dependência, usufrui plenamente a paternidade, sem questionamentos e sem
conflitos, pois a submissão à soberania do pai lhe é natural, existencial e indispensável à
sua segurança, preservação, continuidade e desenvolvimento. A independência individual
do filho gera confrontos de autoridade com o pai. Os eleitos, no entanto, filhos de Deus por
adoção, são como tenros infantes, completamente dependentes, inabilitados, frágeis e
inseguros; nem orar corretamente sabem( Rm 8. 26). Quando, porém, estão agradecidos e
felizes ou perdidos e ameaçados, gritam de júbilo ou bradam um SOS: PAPAI! ( Abba! ).
Eis como é, ou deve ser, o filho de Deus na casa de seu Pai celeste: uma realidade sentida e
experienciada mais que uma verdade cognitiva ou um conceito racional. O verdadeiro filho
de Deus ama o seu Pai incondicionalmente; não lhe contesta os mandamentos: respeita,
obedece, submete-se.
BREVE CATECISMO
ORAÇÃO DO SENHOR
SANTIFICADO SEJA O TEU NOME
Pergunta 101: “ Pelo que oramos na primeira petição?”
Resposta: “ Na primeira petição, que é: “Santificado seja o teu nome”, pedimos
que Deus nos habilite, a nós e aos outros, a glorificá-lo em tudo aquilo em que se dá a
conhecer( Sl 67. 1 - 3; II Ts 3. 1; Sl 145), e que disponha tudo para a sua própria glória” ( Is
674. 1, 2; Rm 11. 36).
SANTIFICAR O NOME DE DEUS
Os termos “santificar” e “santo”, segundo o pensamento hebraico
vetotestamentário, significam, respectivamente, “separar” e “separado” e “brilhar” e
“brilho”.
No primeiro grupo( separar e separado) estão os conceitos:
a- Separado por natureza, imiscível, diferenciado. Trata-se daquele ou daquilo que não
se mistura com outros ou com outras coisas.
b- Separado para uma função ou para um ofício, consagrado, retirado das profissões
ordinárias ou dos manuseios comuns para missões sagradas e usos específicos,
especialmente no templo e na liturgia.
No segundo grupo( brilhar e brilho) verificam-se os significados:
a- O que possui luz própria, o que é absolutamente puro e limpo, o que é imaculável.
b- O que não pode ser contemplado por olhos físicos; o que não pertence ao nosso
universo, o transcendente, o numinoso.
Baseados em tais significados, podemos dizer que santificar o nome de Deus
significa:
a- Não confundir Deus, o Criador, com a criação. E muitos procedem assim: adoram a
criatura em lugar do Criador( Rm 1. 21 - 23).
b- Não confundir a figura de Deus com a do homem. Deus e homem não são equiparáveis
ou permutáveis. O homem é humano; Deus é divino. O Divino pode encarnar-se sem
perder a divindade; o humano não pode divinizar-se em hipótese alguma.
c- Não tomar o nome de Deus em vão porque o seu nome possui sentido e conteúdo em si
mesmo; por ele designamos o maior, mais poderoso e mais santo de todos os seres.
Pronunciar o seu excelso nome inutilmente, irrefletidamente, inconseqüentemente ou
blasfemadoramente é ofender muitíssimo o seu titular. Eis porque Deus não tem por
inocente o que toma o seu santo nome em vão.
d- Não misturar o puro com o impuro no testemunho e na liturgia. A santificação da vida
regenerada é um exemplo para o mundo: a manifestação de que o servo de Deus em
Cristo honra e glorifica seu Pai.
Deus é santo; nós, unidos a ele por seu Filho Jesus, temos o privilégio de sermos
santos: separados do profano para o sagrado, retirados das trevas para a luz: “Como filhos
da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância;
pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós
mesmos em todo vosso procedimento, porque está escrito: “ Sede santos, porque eu sou
santo”( I Pe 1. 15, 16). A luz e as trevas não se misturam; o comportamento do regenerado
não pode ser idêntico ao do ímpio, pois um é cidadão do céu, outro é do mundo; um fala a
BREVE CATECISMO
linguagem do Pai celeste expressa na revelação, as Escrituras; outro, a linguagem da
mundanidade, aquela que mistura o nome de Deus com os dos mais baixos ídolos.
O NOME SANTIFICADO
No entendimento bíblico, o nome é a pessoa exatamente como existe, como se
apresenta. Deus é o que se revela em seu nome. Não se fazia qualquer abstração entre a
pessoa e o nome, pois este não era simples título de identificação ou apenas indicativo
pessoal; significava muito mais: era o signo pelo qual a pessoa inteira se manifestava,
revelava-se. Por ele não somente se identificava o fenótipo, a postura física, mas, e
principalmente, o ser interior, a personalidade, o caráter.
Sem nome, a existência história não se efetiva. Uma pessoa de “ nome sujo” não
merece crédito, nela não se confia. O nome de Deus é limpo, imaculado e imaculável e, por
isso mesmo, absolutamente confiável. O homem pode, consciente ou inconscientemente,
não santificar o divino e santo nome quando:
a- Transfere para Deus a culpa de seus pecados, lançando sobre ele o peso da
responsabilidade e da culpabilidade.
b- Anuncia-se como filho de Deus e procede como filho do Diabo.
c- Diviniza o ego e marginaliza a divindade.
d- Usa o nome de Deus maquinalmente em interjeições exclamativas e jaculatórias
irrefletidas como: “Se Deus quiser”; “Deus me livre”.
e- Promete e não cumpre. As promessas feitas a Deus nos batizados, nas profissões de fé,
nos casamentos e em outras ocasiões devem ser cumpridas. O não cumprimento significa
tomar o nome de Deus em vão.
f- Não produz os frutos requeridos. O regenerado tem de patentear perante a sociedade a
mudança de vida.
g- Não brilha como luz, não salga como sal, não leveda como fermento.
BREVE CATECISMO
ORAÇÃO DO SENHOR
VENHA O TEU REINO
Pergunta 102: “Pelo que oramos na segunda petição?
Resposta: Na segunda petição, que é: “Venha o teu reino”, pedimos que o reino de
Satanás seja destruído(Sl 68.1) e que o reino da graça seja adiantado; que nós e os outros a
ele sejamos guiados e nele guardados( II Ts 3.1; Sl 51.18; 67. 1-3; Rm 10.1), e que cedo
venha o reino da glória”( Ap 22. 20; II Pe 3. 11-13).
QUE PEDIMOS NA SEGUNDA PETIÇÃO?
A resposta à pergunta 102 ensina-nos que na “ Segunda Petição” suplicamos ao Pai
o seguinte:
A derrota do império satânico
Satanás, contando com a concordância e a participação do homem, levou a
humanidade à desobediência, à quebra do primeiro pacto. Não mais pactuado com o
Criador, a ele insubmisso, em sua presença, sob a sua proteção e bênção não pode
continuar. Foi expulso, e sem possibilidade de retorno( Gn 3. 22-24), por si mesmo, à
comunhão com o Pai e à vida eterna. Rebelado, bastardo, marginalizado, desorientado, o
homem tornou-se súdito do maligno, missionário da malignidade, agente da perversão, da
corrução e da incredulidade. E o Diabo se achava tão dono do mundo e rei dos homens que,
na tentação, ofereceu o “seu reino” a Cristo em troca de sua humilhante prostração( Mt 4. 8-
10). Pensou dominar o Criador como já dominara a criatura. O reino do Cordeiro, porém,
estava em processo de implantação, e o arquiinimigo encontrava-se diante do Rei
prometido, destinado a esmagar-lhe a cabeça. Este lhe ordenou imperativamente a retirada(
Mt 4. 10). A sua derrocada começou com o nascimento do Messias, a encarnação do Verbo;
prosseguiu com o seu ministério; atingiu o clímax no sacrifício vicário, o “ dia D” de sua
ruína; culminou com a ressurreição, vitória sobre a morte; e encerrar-se-á com sua rendição
final e condenação eterna. O reino satânico persiste no âmbito histórico, mas com o
exército real do Messias, a Igreja, a combatê-lo sem tréguas em todos os frontes de batalha.
Levar a mensagem redentora ao coração dos homens é lutar contra os poderes do inferno;
cada pessoa que se converte, cada alma que se regenera, são derrotas impostas por Cristo às
poderosas milícias tartáreas. A petição: “Venha o teu reino”, no contexto da luta da graça
contra a desgraça, significa: “Seja destruído Satanás”.
O triunfo do reino de Cristo sobre a terra.
Quando Jesus ensinou aos discípulos a oração em apreço o reino messiânico estava
em fase de implantação. Os primeiros passos organizacionais estavam sendo dados: O Rei
presente; a preparação da equipe ministerial, núcleo inicial e fundamental do reino; as
diretrizes constitucionais pela reformulação da lei; a nova ética; a mensagem catequética
neotestamentária sendo ministrada. Tudo se consumaria, como de fato se consumou, na
morte expiatória, na ressurreição e na exaltação de Cristo. E o reino messiânico se efetivou,
tornou-se realidade concreta na Igreja que, em tempo curto, partindo de Jerusalém,
passando por Samaria, penetrou o mundo gentílico e atingiu o universo inteiro.
BREVE CATECISMO
Quando, pois, oramos: “ Venha o teu reino”, estamos, consequentemente,
suplicando: a bênção da expansão do reino de Cristo, a penetração do Evangelho em todas
as nações e culturas, a conversão universal dos povos.
A volta de Cristo.
Cristo, pela sua encarnação, ministério, paixão, morte, ressurreição e exaltação,
inaugurou os tempos do fim: o seu efetivo reinado sobre o seu povo, a Igreja, e sobre cada
servo regenerado. O Rei já reina na presente era sobre os seus súditos, os eleitos, mas
prometeu voltar; ressuscitar todos os mortos, salvos e perdidos; julgar todos os seres
humanos, eleitos e réprobos; condenar os injustos e justificar os justos; eliminar o pecado;
vencer o mundo; derrotar Satanás; estabelecer o reinado eterno com seu povo ressurreto,
incorruptível e glorificado. O reino histórico de Cristo é uma realidade indiscutível em sua
Igreja que é, por outro lado, a única base formadora do reino celeste do Messias, que foi
morto, ressurgiu de entre os mortos, vive no céu à destra do Pai, e na terra, no meio de seus
redimidos, o Corpo eclesial do qual é a Cabeça.
A Igreja peregrina, nação santa, povo peculiar de Deus, sem domínio territorial, sem
coroa, sem espada, mas regida pelo Rei dos reis, Jesus Cristo, caminha para a Terra do
Promissão, o Paraíso celeste, onde o seu governo será ininterrupto, sem pecado, sem morte,
sem tentação, sem angústias, sem tristezas, sem dores e sem o sentimentalismo eletivo da
existência anterior. Todas as vezes que a Igreja ora: “ Venha o teu reino”, está, em suma,
pedindo: Apressa tua volta, Senhor Jesus - maranata!
Na petição, “Venha o teu reino”, a Igreja estabelecida implora a Deus:
a- A definitiva derrota de Satanás, o terrível adversário de Deus e do seu povo.
b- A expansão do reino messiânico. Enquanto o Evangelho não for pregado a todas
as nações, não virá o fim.
c- A volta imediato de Cristo, pois a Igreja está oprimida, perseguida, submetida a
sofrimentos inomináveis: a incredulidade, transvestida em religiosidade, misticismo e falsa
espiritualidade, enfraquece o cristianismo. Tal incredulidade, dominante no mundo, invade
também os arraiais dos eleitos, pois o joio se mistura com o trigo.

BREVE CATECISMO
TERCEIRA PETIÇÃO
SEJA FEITA A TUA VONTADE
Pergunta 103: “Pelo que oramos na terceira petição?
Resposta: Na terceira petição, que é: “ Seja feita a tua vontade, assim na terra
como no céu”, pedimos que Deus, pela sua graça, nos torne capazes e desejosos de
conhecer a sua vontade, de obedecer e submeter-nos a ela em tudo( Sl 119. 34-36; At 21.
14), como fazem os anjos no céu”( Sl 103. 20 - 22).
SOBERANA E CONSTITUTIVA VONTADE DE DEUS
A vontade do Deus soberano e absoluto faz parte de sua natureza divina e pode ser
incluída no rol de seus atributos comunicáveis. Assim sendo, podemos afirmar que ela é:
perfeita, imutável, incondicional, inexorável, inescrutável, incontrastável e inconversível.
As circunstâncias, as criaturas, incluindo o homem e os anjos, são incapazes de
determinarem ou provocarem alterações, mudanças ou reversões na vontade divina, pois a
imutabilidade e a eternidade lhe são inerentes. Não entendemos a razão da existência do
mal e da malignidade nas ordens natural, social, moral e espiritual, mas, crendo no poder
absoluto do Criador e na sua soberana vontade, aceitamos, por revelação e por fé, que: a-
O bem e o santo procedem do Bom e do Perfeito, Deus, como manifestações, expressões e
realizações preordenadoras e ordenadoras de seu imaculado, imaculável e eterno desejo.
b- O mal, porém, tem existência na sua vontade permissiva por razões que a nós, seres
limitados, não nos foi revelado. Cremos, com o profeta Isaías, que nada existe à margem
da vontade do Criador, Governador e mantenedor de todas as coisas: “ Eu formo a luz e
crio as trevas; faço a paz, e crio o mal; eu o Senhor, faço todas estas coisas” ( Is 45. 7).
Deus permite a oposição ao seu governo, mas sempre sob o seu poder regencial. Satanás
não é independente e nem autônomo; somente age sob a permissão divina, submisso, até
mais que os homens, ao soberano governo de Deus. Nada contra a vontade divina o
maligno pode fazer. Javé revela-se nas Escrituras como único Criador, Senhor e Rei do
universo. Não há dicotomia no seu reinado universal e cósmico. Seus eternos decretos são
imutáveis, incontestáveis e irrevogáveis. O Diabo exerce o papel de contestador, de
adversário, de inimigo, mas nunca o de concorrente gerencial. Sua posição é a de acusador
subalterno submetido ao Criador de tudo e de todos e por ele controlado, limitado e
julgado. Portanto, Satã, mesmo querendo, não pode obstacular ou impedir o pleno
exercício da vontade divina.
A VONTADE REVELADA
O plano redentor efetivado em Cristo obedece ao conselho da inescrutável e
soberana vontade do Pai, que se executa por meio da encarnação, paixão e morte do Filho;
da obra instrutiva e convencedora do Espírito, promotor do responso dos eleitos. Os que
Cristo salva e reúne num corpo interativo e solidário, a Igreja, formam o seu reino, onde a
vontade do Rei deve ter a primazia sobre a dos súditos. Quando, pois, oramos: “Faça-se a
tua vontade, assim na terra como no céu” , queremos dizer que:
a- A tua vontade se realize na tua Igreja e na pessoa de cada um de seus membros.
BREVE CATECISMO
b- A tua Igreja realize a tua vontade por meio da unidade, da santidade, da submissão, da
obediência e do testemunho.
c- A Igreja seja na terra como os anjos são no céu: servidores permanentes do Pai,
mensageiros fiéis, jubilosos adoradores.
d- Sejamos Instrumentos de Deus para que o mundo, por nosso intermédio, conheça e
reconheça a vontade revelada de Deus em Cristo Jesus para salvação dos pecadores.
e- Em qualquer circunstância a vontade do Pai celeste domine sobre mim, submeta os meus
desejos, dirija as minhas decisões, controle o meus impulsos para que eu tenha condições
de, nos momentos difíceis e dolorosos, orar como o meu Senhor, Mestre, Salvador e Rei na
hora mais penosa e angustiante de sua existência terrena: “Meu Pai: se possível, passa de
mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e, sim, como tu queres”( Mt 26. 39b).
Deus não depende de ninguém, mas concede aos eleitos regenerados e membros da Igreja
de Cristo a bênção da participação no desenvolvimento, na santidade, na unidade e na
universalidade do reino de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
BREVE CATECISMO
QUARTA PETIÇÃO
O PÃO NOSSO DE CADA DIA
Pergunta 104: “Pelo que oramos na quarta petição?”
Resposta: Na quarta petição, que é: “ O pão nosso de cada dia dá-nos hoje”,
pedimos que da livre dádiva de Deus recebamos uma porção suficiente das coisas boas
desta vida( Pv 30. 8), e desfrutemos com elas das bênçãos divinas”( I Tm 4. 4, 5; Pv 10. 22)
CADA DIA, COTIDIANO -
O termo do qual se traduz cada dia é epiousios(epiousioz) que, na literatura
bíblica, somente se encontra em Mateus, 6. 11 e no texto paralelo de Lucas, 11. 3. Nos
escritos seculares, aparece somente uma vez em um papiro do quinto século depois de
Cristo, constante de uma relação de compras; portanto, sem contexto claro. A dificuldade
de determinar-lhe o exata conteúdo gera muitas interpretações sobre o que realmente se
pede na quarta petição, todas, porém, com alguma pertinência ou plausibilidade(1).
ALGUMAS INTERPRETAÇÕES
01- O pão eucarístico. O romanismo acredita que Jesus ensinou a Igreja a implorar
o pão eucarístico, a hóstia. Fundamenta sua interpretação em frágil testemunho patrístico e
na versão de Jerônimo, Vulgata, que traduz Mateus 6. 11: “Panem [nostrum]
supersubstantialem”( O pão nosso supersubstancial). Jerônimo, no entanto, verte a mesma
palavra( epiousios), no contexto similar de Lucas 11. 3, por “ quotidianum”: “Panem
[nostrum] quotidianum”. Isto indica a insegurança do famoso tradutor. Não se dogmatiza
sobre texto de conotação insegura(2). Retirando, contudo, a heresia da transubstanciação,
pode-se entender a Santa Ceia como alimento espiritual, meio de graça, da Igreja de Cristo.
02- A Palavra de Deus. Argumenta-se que o pão requerido em oração pela Igreja é
a Palavra de Deus da qual vive e a qual tem o dever sagrado e impostergável de proclamar.
Há, sem dúvida, uma dose considerável de verdade nesta interpretação, pois o próprio Jesus
afirmou: “ Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de
Deus”( Mt 4. 4b). O princípio de que a palavra de Deus é indispensável alimento espiritual
todos os regenerados confirmam tanto pela experiência como pelo iluminado conhecimento
da revelação.
03- Jesus Cristo. Segundo a opinião de alguns teólogos, a quarta petição é a
súplica da Igreja para que Cristo se faça objetivamente presente em sua vida com os seus
ministérios reais de iluminação, proteção, amparo, consolação, condução e expiação, pois
ele mesmo afirmou ser o pão da vida( Jo 6. 33- 35). Somente em Cristo e com ele a Igreja
existe, cresce, realiza-se, santifica-se e cumpre os seus desideratos de santidade, unidade,
fraternidade e testemunho.
Não há a menor dúvida de que Jesus Cristo é o Pão que desceu dos céus. Quem dele
se alimenta vive eternamente. Este Pão, no entanto, não nos vem e nem permanece à nossa
disposição a pedido da Igreja. A encarnação do Verbo e sua habitação conosco é concessão
da inefável graça de Deus, de seu inescrutável beneplácito.
04- Presença do reino messiânico. Os judeus acreditavam que o Messias
prometido implantaria um reinado político de justiça social; haveria alimento, liberdade,
igualdade e oportunidade para todos os súditos. A pobreza seria eliminada. Esta era a bemaventurança
aguardada pelos judeus( Lc 14. 15). Os teólogos sociais, numa releitura da
BREVE CATECISMO
esperança judaica, gostam de apresentar Jesus como um revolucionário, um lutador em
favor dos pobres, um defensor da justa distribuição de rendas. Efetivamente, não foi com
este espírito que o Mestre nos ensinou a pedir o pão cotidiano, mas não podemos esquecer
que o mesmo Senhor que veste os lírios do campo e alimenta os pardais( Mt 6.25- 34 cf Lc
12.22- 30), concede ao homem o necessário à sobrevivência física, alertando-o, porém, para
o principal e fundamental, o reino de Cristo: “buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas
coisas vos serão acrescentadas. Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se
agradou em dar-vos o seu reino”( Lc 12. 31).
Conclusões:
a- Parece certo que a petição inclui o material e o espiritual tanto para a presente
existência como para a futura.
b- Cristo não quer que os seus eleitos vivam preocupados com o dia de amanhã, mas
esperem confiantes na diária providência do Rei. O Maná cotidiano no deserto não pode ser
esquecido: o Senhor é o mesmo. A ansiedade e a ansiosidade são sintomas de ausência de
fé em Cristo, de falta de confiança em Deus.
(1) Sobre a lingüística de “epiousios”, consultar Foerster, Werner, em artigo no Theological Dictionary of the
New Testament, vol. II, pág. 950.
(2) Ver nota 927 ao Cap. XX, Vol. III das Institutas de Calvino, pág. 188 de “ Notas do Livro Terceiro”.
BREVE CATECISMO
QUINTA PETIÇÃO
PERDÃO DE PECADOS
Pergunta 105: “Pelo que oramos na quinta petição?
Resposta: Na quinta petição, que é: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como
nós também perdoamos aos nossos devedores”( Mt 6. 12 cf Lc 11.4), pedimos que Deus,
por amor de Cristo, perdoe gratuitamente todos os nossos pecados( Sl 51. 1; Rm 3. 24,
25), o que somos animados a pedir, porque, pela sua graça, somos habilitados a perdoar de
coração ao nosso próximo”( Lc 11. 14; Mt 6. 14, 15).
O Breve Catecismo firma-se em duas constatações fundamentais: Primeira:
Todos os seres humanos são pecadores. Segunda: O perdão divino é a matriz do perdão
humano.
TODOS OS SERES HUMANOS SÃO PECADORES
A universalidade do pecado é revelação bíblica e triste constatação. A humanidade
inteira caiu, alienou-se de Deus, corrompeu-se. Nem sequer um humano nasceu sem
pecado ou dele se livrou por meios piedosos, caritativos ou purgatoriais. Ninguém se
purifica a si mesmo; a nenhuma instituição religioso concedeu-se o múnus de eliminar o
pecado de seus filiados. Exclusivamente Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio à luz deste
mundo pecaminoso, nele viveu e dele partiu, sem a culpa da raça, pecado original, sem os
delitos fatuais, sem as transgressões pessoais, para trazer-nos o gracioso perdão divino.
Todos somos pecadores. A diferença entre o ímpio e o justo está na eleição, por um lado, e
na rejeição, por outro:
a- O injusto, na condição de reprovado, convive pacificamente com o pecado; não
reconhece a malignidade da rebelião contra o Criador; não se julga um ofensor de Deus;
rejeita a justiça divina no tempo e na eternidade; não experimenta o arrependimento
sincero e a conseqüente conversão: mudança de natureza, de mente, de propósitos e de
vida. O irregenerado pode ter alguma consciência de culpa advinda de lastros culturais e
educacionais ou induzida por fracassos diversos; consciência de pecado, porém, não
experimenta. O mundo posto no maligno, com predominância de réprobos, rejeita a idéia
de pecado, e cada vez mais isenta o indivíduo da responsabilidade de sua perversão
pessoal, deformação moral e periculosidade, atribuindo-a psicologicamente aos genitores
ou sociologicamente ao meio sociocultural. Deus responsabiliza tanto o indivíduo como a
sociedade, pois há pecados individuais e coletivos. O mundano vive no pecado, com ele e
dele; e gosta de ser assim.
b- O justo, eleito, salvo, regenerado, justificado e reconciliado com Deus, também
é um pecador, mas com algumas diferenças consideráveis. Ei-las: b.1- Ele tem consciência
de pecado, e sabe que todos os delitos são pecados contra Deus: “Pequei contra ti, contra ti
somente”(Sl 5l.4a). b.2- O pecado está sempre diante dele para que não se esqueça de seu
estado pecaminoso: “O meu pecado está sempre diante de mim”( Sl 51. 3b). b.3-
Reconhece que pertence à humanidade pecadora, e que seus atos maléficos procedem de
sua natureza pecaminosa: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha
mãe”( Sl 51. 5). b.4- Tem plena convicção de que o perdão é obra da exclusiva graça de
Deus; nada o homem pode fazer para livrar-se do pecado: “Compadece-te de mim, ó
Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as
BREVE CATECISMO
minhas transgressões”( Sl 51.1). b.5- Está em permanente submissão ao Salvador e dele
inteiramente dependente: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo
Espírito”( Sl 51. 11).
O PERDÃO DIVINO, MATRIZ DO PERDÃO HUMANO
Não perdoamos para ser sermos perdoados, para merecermos o beneplácito divino;
perdoamos porque fomos perdoados. É o imerecido perdão de Deus que gera em nós o
impulso espontâneo e natural de perdoar. O perdão é da essência divina, e deve fazer parte
da natureza do regenerado, imagem e semelhança de seu Criador. Assim como somos
reconciliados com Deus, também trazemos no nosso íntimo o irresistível desejo de
reconciliação fraternal. Como não podemos viver separados de nosso Pai celeste, não
suportamos o isolamento, não toleramos a bastardia, a separação dos irmãos, a quebra da
unidade social. Quem não perdoa o próximo, não recebeu o perdão divino, nunca percebeu
que, com toda sua pecaminosidade, Deus aceita o arrependido, perdoa-lhe as culpas,
concede-lhe herança no seu reino eterno. E mais, falta-lhe o conhecimento revelado de que
a comunhão com o Pai estabelece a profunda e permanente comunhão com todos os
irmãos em Cristo. A união Cristo-eu gera a união eu-irmãos em Cristo.
O pecado afasta-nos de Deus; o perdão divino reconcilia-nos com ele. Os atritos
nos separam do próximo; o perdão reaproxima-nos, reconstitui-nos os laços relacionais.
Sem perdão, pois, não há interação unitiva com Deus e com o próximo. Como somos
perdoados imerecidamente por Cristo, também e com o mesmo espírito, perdoamos o
semelhante, pois a bondade do Filho reside em nós por meio do Espírito Santo.
Na condição de pecadores pedimos perdão a Deus; como perdoados, imploramos o
perdão dos que são ofendidos por nós. Pedir perdão é mais difícil que perdoar por requerer
humildade; e o amor próprio é sempre muito forte.
O perdão induzido ou forçado não é sincero e nem real. Inúmeras vezes já ouvi:
“Perdôo porque sou crente”. Tal perdão condicionado não existe aos olhos de Deus, que
aos seus eleitos o concede graciosa e incondicionalmente. O crente não é aquele que tem a
obrigação de perdoar; é o que perdoa porque nele reside e perdão divino, matriz do perdão
humano. Somos perdoadores dos erros do próximo porque os nossos pecados são
perdoados por Deus.
BREVE CATECISMO
SEXTA PETIÇÃO
NÃO NOS DEIXES CAIR EM TENTAÇÃO
Pergunta 106: “Pelo que oramos na sexta petição?
Resposta: Na sexta petição, que é: “E não nos deixes cair em tentação, mas
livra-nos do mal”, pedimos que Deus nos guarde de sermos tentados a pecar( Mt 26. 41),
ou nos preserve e livre, quando formos tentados”( I Co 10. 13; Sl 51. 10, 12).
O QUE REALMENTE PEDIMOS
Jesus não nos ensinou a suplicar ao Pai que nos imunize contra a tentação, que nos
transforme em intentáveis ou inatacáveis pelo maligno e pelo mal; ensinou-nos a pedir a
Deus que não permita que a tentação e o tentador nos derrotem. A tentação faz parte de
nossa vida, está em nós, no meio em que vivemos, e fora de nós e de nossa cultura na
pessoa de Satanás, o adversário, ou Diabo, o acusador, o caluniador, pai do contraditório,
defensor da mentira. As Escrituras evidenciam a inescapabilidade da tentação. Todos
caímos em Adão e nos fizemos injustos e incapazes de, por nós mesmos, revertermos o
indesejável quadro de nosso estado pecaminoso. Todos somos pecadores; todos sofremos
constante e pertinaz tentação. Pedimos a misericórdia de Deus para que nos capacite à
resistência na luta contra o mal e nos dê a bênção da prevalência contra o arquiinimigo de
Deus e de seu povo, Satanás.
VARIABILIDADE DA TENTAÇÃO
A tentação, segundo o pensamento bíblico, tem caráter positivo, quando significa
provação ou correção; e negativo, com o sentido de sedução ou indução ao mal. Os
principais agentes tentadores: O Maligno, a nossa malignidade intrínseca, a malignidade
social.
PROVAÇÃO
Abraão foi provado por Deus de várias maneiras, mas a mais contundente
provação foi a ordem de sacrificar o seu estimado filho Isaque, herdeiro da promessa(Gn
22. 1-19).
Jó. Deus não somente permitiu ao Diabo provar a fidelidade de Jó, mas lhe
autorizou a ação tentadora( Jó 1. 11 a 2. 7).
Jesus Cristo. O próprio Filho de Deus foi levado pelo Espírito ao deserto para ser
tentado pelo maligno( Mt 4. 1- 11).
Todos sofreram os horrores da provação, mas resistiram, permaneceram fiéis,
deixando-nos o testemunho da incondicional fidelidade a Deus. Os regenerados são
igualmente tentados e provados. O mundo, a carne e o pecado, que dominam os réprobos,
são apenas, embora inescapáveis, provações para os justos. O tentador e as tentações estão
presentes e atuantes na humanidade. Deus, porém, preserva da queda os seus eleitos. Os
poderes tentadores, portanto, são incapazes e impotentes para derrubarem e destruírem os
servos de Cristo. Tentados, sim e sempre, no curso da vida terrena; vencidos e destruídos,
jamais.
CORREÇÃO
Deus é um Pai amoroso, bondoso e zeloso. A disciplina é expressão de seu amor e
zelo paternos: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies
quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a
BREVE CATECISMO
quem recebe. É para disciplina que perseverais( Deus vos trata como a filhos); pois, que
filho há a quem o pai não corrige? Mas se estais sem correção, de que todos se têm
tornado participantes, logo sois bastardos, e não filhos”( Hb 12.5b- 8). O verdadeiro servo
de Deus sabe, por sensibilidade espiritual, quando a mão do Pai o disciplina
corretivamente.
TENTAÇÃO
Tentação, no sentido mais comum do termo, é a sedução ou condução para o mal.
Agentes tentadores:
Satanás, que anda ao redor de cada um de nós, rugindo como leão, procurando a
quem possa tragar. Ele se vale de nossas ambições para nos induzir ao mal, como fez com
o primeiro casal.
Malignidade intrínseca. Somos, em decorrência da queda, propensos ao mal. O
desejo de fazer o bem é vencido pela fortíssima tendência à prática do mal( ver Rm 7. 14 -
25). A tentação sistemática procedente de nossa natureza seria irresistível se não fosse a
misericórdia de Deus( Rm 8. 1, 2, 8- 11).
Malignidade social. O crente que se torna íntimo de pessoas malignas, que se
enturma em grupos depravados, que não evita os caminhos tortuosos, incertos e perigosos,
que não foge do mal; sua perdição está delineada: passou de servo de Cristo a escravo e
vítima do mundo; deixou de ser sal, fermento e luz para ser lixo, putrefação e escória da
sociedade.
Quando oramos: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”,
estamos pedindo: Resistência contra o maligno, contra o pecado que habita em nós,
contra o perverso mundo em que vivemos.
BREVE CATECISMO
ORAÇÃO DO SENHOR
DOXOLOGIA
Pergunta 107: “Que nos ensina a conclusão da Oração do Senhor?
Resposta: A conclusão da Oração do Senhor, que é: “Porque teu é o reino, o
poder e a glória para sempre. Amém”, nos ensina que na Oração devemos confiar
somente em Deus( Dn 9. 18, 19), e louvá-lo em nossas orações, atribuindo-lhe reino,
poder e glória( I Cr 29. 11- 13). E em testemunho do nosso desejo e certeza de sermos
ouvidos, dizemos: Amém”( I Co 14. 16; Ap 22. 20, 21).
AUTENTICIDADE
Circulavam na vastíssima área ministerial da Igreja primitiva duas versões da
Oração do Senhor, uma mais breve, a que Lucas registra( Lc 11. 1- 4), certamente
destinada ao mundo gentílico, e outra mais longa, a de Mateus( Mt 6. 9- 13), visando,
possivelmente, leitores judaicos, com o acréscimo da doxologia final ou conclusiva.
Alguns autores entendem que a forma menos extensa é a original, a procedente dos lábios
do divino Mestre. Outros sustentam que a alegação de autenticidade com base na concisão
é inconsistente pelas seguintes razões:
Por que não, dois modelos?
Nada impedia Jesus de ter ensinado a mesma oração em duas formas, uma
seguindo os modelos fixos das preces judaicas( 1) e outra para os gentios, sem quaisquer
padrões devocionais normativos.
Tradição bíblica.
Orações e cânticos oracionais laudatórios continham, freqüentemente, doxologia
ou com ela encerravam-se, quer na forma sintética ou na expandida. Exemplos: Os salmos
146 a 150 são concluídos com a doxologia: Aleluia- louvado seja Javé. Davi, diante da
generosa contribuição para a construção do templo, orou: “Bendito és tu, Senhor, Deus de
nosso Pai Israel, de eternidade em eternidade. Tua, Senhor é a grandeza, o poder, a
honra, a glória, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na
terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos”( negrito nosso)( I
Cr 29. 10, 11 cf Dt 6. 4; Ap 4. 11, 5. 12, 13; 7. 12; 11. 15, 17, 18; 19. 1 - 7)). Mateus,
portanto, não a inventou. O fato de ela não aparecer em alguns importantes manuscritos
antigos não lhe negam a biblicidade e, portanto, a inspiração; e toda palavra inspirada
procede do Verbo encarnado.
Testemunho da Didaquê(Didake) Didake ).
A Didaquê ou Ensino dos Doze Apóstolos, surgiu nos albores do segundo século,
e registra o Pai Nosso segundo a versão de Mateus com a doxologia final, faltando apenas
o termo “reino”: “Porque teu é o poder e a glória para sempre”(2). Um documento da
importância teológica e histórica da Didaquê teria omitido da Oração Dominical um texto
inautêntico, inaceitável. A sua inclusão comprova: a- A indiscutível aceitabilidade do
forma mais longa da Oração do Senhor, conforme aparece em Mateus. b- O seu uso
generalizado na Igreja primitiva, especialmente a de tradição palestinense, fica
comprovado. A omissão da expressão inicial, “ Porque teu é o Reino”, provavelmente
tenha sido motivada por: a- Evitar conflito com o imperador romano, que não aceitava a
tese cristã da dupla realeza, a de Deus e a de César. b- Eliminar a redundância com a
segunda petição: “Venha o teu reino”.
BREVE CATECISMO
Uso litúrgico.
As doxologias, todas semelhantes no conteúdo, embora diversas na forma, eram
usadas liturgicamente em muitos hinos de louvor, nas conclusões das preces e nas
respostas litúrgicas da comunidade, especialmente nas igrejas herdeiras diretas da
tradição cúltica sinagogal, mais influentes nas áreas de predominância helênica que latina.
O sacerdote ou dirigente litúrgico orava o Pai Nosso e a comunidade de súditos do
Messias respondia com a recitação da doxologia, isto é, com a declaração de que Deus é
dono e Senhor do reino messiânico; tem poder absoluto sobre tudo e todos; é o mais
glorioso Rei do universo.
Culto de professos
Cirilo de Jerusalém, aproximadamente no ano 350 d. C., escreveu: “Vinte e Quatro
Catequeses”, dedicando as cinco últimas, chamadas “catequeses mistagógicas” por
introduzirem os neófitos batizados nos mistérios sacramentais, à doutrinação dos crentes
novos, agora participantes da “Missa Fidelium”(3), e com o privilégio de, com os demais
irmãos, orarem a Oração Dominical e recitarem, na intimidade dos irmãos reunidos, a
doxologia conclusiva, que somente os filhos do reino de Deus podiam fazer,
pois dele, e exclusivamente dele, são o “reino, o poder e a glória”(4). A Oração do Pai
Nosso, portanto, era privilégio, na Igreja primitiva, dos membros, não de catecúmenos.
A Igreja Reformada optou pelo modelo registrado em Mateus, porque aceita a sua
autenticidade e porque foi essa a opção da Igreja primitiva.
(1)- Ver Jeremias, Joachim, “ Herança Litúrgica”, pág. 283 de “Teologia do Novo Testamento”, Ed. Paulinas,
1977, São Paulo.
(2)- O Didaquê, Col. Padres Apostólicos, Vol. II, Junta Geral de Ed. Cristã da Ig. Metodista, SP. 1957, pág. 71.
(3)- “Missa Fidelium” era o nome que se dava ao Culto eucarístico, privativo do membros da Igreja. O culto
destinado aos não professos denominava-se: “Missa Catecumenorum”.
(4)- Consultar Jeremias, Joachim, em “O Pai - Nosso, a Oração do Senhor”, Ed. Paulinas, 3ª Edição, 1979, SP,
pág. 5/ 6.